Carnaval Sem Assédio
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Responsabilizar homens é caminho contra o assédio no Carnaval

A Catraca Livre fez um bate-papo com três convidados sobre qual o papel do homem contra o machismo durante a folia

20/02/2020 12:13 / Atualizado em 10/04/2024 21:57

Às vésperas do Carnaval, muito se fala sobre a diferenciação entre paquera e assédio sexual, mas ainda hoje esse debate fica predominantemente centrado entre as mulheres. Mas e os homens? Qual é o papel deles no combate dessas abordagens violentas e do machismo?

Para entender essas questões, a Catraca Livre promoveu um bate-papo com três convidados: Pedro Keiner, do bloco Filhos de Gil, Ismael dos Anjos, coordenador do documentário “O Silêncio dos Homens”, e Rafael Rios, do coletivo Ressignificando Masculinidades.

Pedro Keiner, Ismael dos Anjos, e Rafael Rios participam de bate-papo mediado por Paula Lago, coordenadora do #CarnavalSemAssédio
Pedro Keiner, Ismael dos Anjos, e Rafael Rios participam de bate-papo mediado por Paula Lago, coordenadora do #CarnavalSemAssédio - Catraca Livre

A questão da masculinidade e do assédio nesta época do ano surgiu de formas diferentes para eles. Para Pedro, a discussão sempre esteve presente no bloco por inúmeros pontos relacionados à criação do grupo e também porque, em sua percepção, o protagonismo do Carnaval em São Paulo é feminino.

Ismael ressalta que as temáticas essenciais para qualquer conversa sobre masculinidade dizem respeito à responsabilização e implicação. “Se a gente vai falar sobre o que os homens sentem, precisamos falar sobre as dores que eles causam também. A conversa sobre assédio vai muito nesse lugar de a gente pensar em novas referências e possibilidades de ser homem não só para nós, internamente, mas também a quem está em nosso entorno”, explica.

Já Rafael conta que começou a pensar e a estudar sobre o assunto em uma perspectiva individual. “Acredito que o primeiro passo é começar a se perguntar como o machismo influencia também na nossa criação. Mas não deve ficar só aí, porque senão é uma perspectiva só de privilégio masculino. É preciso pensar em como esse meu lugar de opressor impacta na vida de outras pessoas.”

Segundo o representante do Ressignificando Masculinidades, em seu processo de responsabilização, ele começou a questionar o quanto foi e o quanto pode ser violento em suas interações. “Comecei a pensar como não estou respeitando o espaço e a liberdade da outra pessoa a partir do momento em que eu não prezo pela resposta que ela está me dando. Posso estar fazendo algo que eu julgo estar correto, mas ao mesmo tempo cometendo uma grande violência”, afirma.

De acordo com Ismael, as conversas não podem trazer um recorte apenas dos homens heterossexuais, pois existe uma questão na construção das masculinidades que, desde o princípio, a sociedade estimula os meninos a se provarem ao outro para enaltecerem essa masculinidade. “O homem espera a validação do outro e muitas vezes isso se replica na relação com as mulheres, na hora o que seria flerte vira assédio”, enfatiza.

Como exemplo, o coordenador do projeto “O Silêncio dos Homens” cita o assobio. “Quando um homem assobia para uma mulher na rua, dificilmente ele está fazendo aquilo para ela. Parece estranho, mas é só reparar: vai ter um amigo ou colega de trabalho ao lado. Esse cara, ao vê-lo fazendo aquilo, vai dizer/pensar: ‘Puts, ele é muito macho, não deixa passar uma’. Ou seja, está fazendo aquilo muito mais para mostrar a suposta macheza dele do que para conseguir uma resposta”, relata. “Enquanto outros homens não se posicionarem falando com amigos, falando publicamente sobre isso, a gente talvez continue com o mesmo comportamento achando que tá tudo normal.”

Abordagem positiva

Durante o bate-papo, uma palavra foi usada por todos os convidados: consentimento. “O machismo é algo tão estrutural, que é difícil saber até onde vai um comportamento desses. Tem uma questão de você entender o consentimento: quando uma pessoa fala ‘não’ do outro lado, quando desvia o olhar, já não é”, ressalta Pedro.

Mas combater o assédio sexual e o machismo não pode ser algo só individual, é preciso intervir e conversar com amigos, conhecidos e até desconhecidos.

Ismael dos Anjos listou algumas atitudes possíveis de abordagem sobre o tema com outros homens. O primeiro passo é não dar palco. “A gente está muito acostumado a rir ou validar o que o outro cara está fazendo.” O segundo, a depender da gravidade, é a intervenção direta na situação. Em seguida, é importante conversar com a pessoa e dizer: “Você acha que isso está funcionando? Por que não entendeu o ‘não’ como ‘não’?”

“O caminho da conversa é muito positivo. Além disso, a não validação, pois é muito importante que o grupo inteiro não valide e demonstre que não vai aceitar esse tipo de situação. É um trabalho de conversa e de exemplo. Quando as pessoas veem um cara que consegue conversar com alguém sem ter métodos de agarrar à força, por exemplo, talvez atraia os outros para referências mais positivas”, completa o responsável pelo documentário.

“O processo de mudança é desconfortável: sair de sua zona de conforto e, eventualmente, ter que entrar em um debate com quem a gente ama. Tem que estar disposto a agir porque senão ficará só no discurso”, acrescenta Rios.

Mudança de atitude e organização das mulheres

“O assédio acontece a todo momento, mas no Carnaval se potencializa, por ser uma festa que reúne muita gente, tem liberdade e tudo mais. Da mesma forma, os homens acham que podem cometer atos mais violentos e explícitos”, afirma o integrante do Ressignificando Masculinidades. Mas, assim como Pedro e Ismael, ele acredita que exista um processo evolutivo contra o machismo, iniciado e fortalecido pela organização das mulheres.

“Primeiro, tem que deixar claro que a gente só fala de masculinidade atualmente porque os movimentos feministas falaram sobre feminilidade durante muitos anos. Passou da hora de a gente entender. Também temos um papel nessa equidade de gênero que tanto buscamos”, diz.

Rafael elogia a organização das mulheres em campanhas, como as de Carnaval, porém, enfatiza que para existir uma convivência pacífica na sociedade, é necessário implicar todo mundo.

Keiner conta, ainda, que teve acesso a uma carta aberta entregue pela comissão feminina de Carnaval à Prefeitura de São Paulo, que inclui diversas demandas para promover uma festa mais segura a todas as mulheres. “Nela, elas solicitam banheiros perto dos blocos, mais tendas de atendimento e também mais policiais mulheres, tanto da GCM quanto da PM.”

Carnaval do futuro: avanços?

Questionados como será o Carnaval do futuro, e se será mais positivo para todos, eles se mostraram otimistas. Keiner afirma que o Carnaval é sempre um espaço de uma ideia de subversão e expansão de liberdade, além de expressão de coisas ainda caladas nos grupos sociais.

“Parece que é um grande experimento social. Acho que algumas coisas vão ser violentamente oprimidas, e outras vão florescer a partir daí. Sobre o assédio, acho que cada vez mais esse discurso está se fortalecendo. No meu círculo, acho isso incrível. Ver minhas amigas e conhecidas se sentindo seguras para curtir, para tocar, para sair e usar a roupa que quiserem é muito bom”, reflete o idealizador do bloco Filhos de Gil.

Para Ismael, o Carnaval é um reflexo do tempo e, hoje, como vivemos em uma época em que certos comportamentos não são mais aceitos, a tendência é que eles deixem de ser tolerados também durante a folia.

“Eu desejo que o Carnaval do futuro seja um tempo mais equitativo, um lugar em que o assédio não aconteça, tanto neste período quanto fora dele. Mas, acredito que, enquanto a gente não conseguir olhar para todas as coisas que estão aí, como o direito à cidade, que é negado a muita gente, então tudo isso conflui porque vamos precisar mexer em todas essas pecinhas para que consigamos ter alguma coisa mais proveitosa para todo mundo”, reafirma.

Rafael conclui a discussão lembrando, mais uma vez, a organização das mulheres, em especial no Carnaval. “É preciso trazer a responsabilização para todos os ambientes. Quando a gente fala de masculinidade, isso é sobre violência, questões raciais, estruturais e de classe. Trazer o olhar para uma questão pontual, mas que atravessa muitas outras. Acredito que o Carnaval do futuro será muito mais de diversão e violência, e menos de agressão e assédio”, finaliza.


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