Dados sobre o assédio no Carnaval mostram parte da realidade
Números ainda refletem o tamanho real do problema porque muitos casos ficam na invisibilidade
Embora os crimes de violência física e sexual contra mulheres aconteçam cotidianamente, no período de Carnaval, os relatos se amplificam. Nas redes sociais, na mídia ou através de canais de denúncias, as histórias se repetem ano a ano e demonstram o quão vulneráveis elas estão diante da intolerância e do machismo que, infelizmente, ainda é muito presente no Brasil.
Os caminhos para solucionar o problema também não parecem fáceis. Um dos principais motivos é que nem sempre os dados refletem a realidade, pois, por vezes, as vítimas não chegam a denunciar ou as informações sobre o agressor são insuficientes para o registro da ocorrência.
A violência em números
Dados exclusivos da Secretaria Estadual da Segurança Pública de São Paulo (SSP) – obtidos pelo Fiquem Sabendo por meio da Lei de Acesso à Informação – apontam que durante o Carnaval de 2018 aconteceram 571 crimes sexuais em todo o Estado de São Paulo. Isso representa uma média 81 casos por dia de folia.
O levantamento foi feito com base nos boletins de ocorrência da Polícia Civil, registrados ao longo dos setes dias da semana de Carnaval (de 8 a 14 de fevereiro) e inclui os crimes de estupros, estupros de vulneráveis, atos obscenos e assédio.
No ano anterior, em 2017, a lista foi um pouco menor, com 546 casos. O período analisado também corresponde à semana da festividade (de 23 de fevereiro a 1º de março) e a média foi de 78 vítimas por dia.
Na comparação entre os dois anos, os crimes mais recorrentes foram os estupros e os estupros de vulneráveis – quando a vítima é menor de 14 anos. Quase todos aconteceram em ambientes fechados, como residências.
Ligue 180
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH) também divulgou os dados obtidos através do Disque 100 (Disque Direitos Humanos) e do Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher). Segundo a pasta, as informações indicam que nos meses de Carnaval as queixas de violência sexual costumam aumentar até 20%
No ano passado, por exemplo, o mês de fevereiro registou 1.228 denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes. Já os relatos de violação contra mulheres chegaram a 1.075 casos no mesmo período. A relação diz respeito aos crimes de importunação sexual, assédio, estupro, exploração sexual (prostituição) e estupro coletivo.
Vale destacar que por mais que as mulheres sejam vítimas constantes destas violências, os dois levantamentos apresentam um outro grupo de alto risco: as crianças e os adolescentes – fato alarmante que não pode ser ignorado pelas autoridades.
Outro ponto importante a respeito do cenário ilustrado pelo ministério é que, até junho do ano passado, o Disque 180 oferecia à vítima a opção de apenas relatar uma situação de violência, sem necessariamente dar andamento a uma denúncia. Ou seja, apenas ouvir o que aconteceu. Isso justifica a divergência entre os dados dos boletins de ocorrência da Polícia Civil e os registros do ministério.
Para Fabíola Sucasas, promotora do Ministério Público de São Paulo, os dados da Central de Atendimento à Mulher e do Disque Direitos Humanos mostram um movimento da sociedade civil em busca de justiça, por isso, não devem ser desconsiderados. Além disso, ela destaca que nem sempre a ligação é feita pela vítima: “Pode ocorrer de uma pessoa tomar conhecimento e denunciar, inclusive os profissionais que prestam atendimento[médico]”.
Entretanto, entre aquelas que desejam registrar uma queixa para dar andamento a um processo, existe um problemática frequente: as informações para a identificação do autor do crime. Sem elas, não é possível fazer o registro da ocorrência.
“Às vezes, não tem os dados do agressor. Não tem informações suficientes para a sua identificação. Às vezes, a informação vem de uma terceira pessoa e a vítima fala que o fato não aconteceu, porque não quer contar”, conta a promotora.
O silêncio por trás da violência
Um dos grandes desafios na luta pelas mulheres, pelos adolescentes e pelas crianças vítimas de violência sexual, não só durante o Carnaval, mas todos os dias, é o silêncio. Romper esta barreira para falar sobre um trauma nem sempre é imediato, requer força e certeza de que em troca haverá um acolhimento. A grande maioria das vítimas sente medo e vergonha de tocar na ferida.
“Ela, muitas vezes, começa a acreditar que é a culpada. Que se comportou de forma errada, que provocou. Outra coisa é a vítima achar que a denúncia não vai chegar a lugar nenhum. Que aquilo só vai expô-la. Que só vai trazer dor de cabeça e que vale mais passar por um processo de esquecimento do que, efetivamente, levar para a justiça”, explica Fabíola.
A ampliação das políticas de acolhimento pode ser um caminho para esta questão delicada e complexa. Além de oferecer um ambiente mais convidativo para que as mulheres sintam confiança em expor o que aconteceu, também auxilia na efetivação de um banco de dados consistente que evidencie o tamanho do problema com que o país está lidando.
“Existe um grito por ajuda, mas não quer dizer que seja para o direito penal. Esse grito é para dar visibilidade e mostrar que a educação é essencial. Antes disso, esse grito por ajuda vem de uma ânsia de que isso mude. E mude logo”, complementa a procuradora.
Como denunciar
As denúncias podem ser realizadas através da Central de Atendimento à Mulher, pelo número 180 ou pelo e-mail [email protected]. Outra forma é buscar as delegacias, principalmente, as Delegacias de Defesa da Mulher (DDM). É importante ter em mãos um documento de identificação e o máximo de informações sobre o agressor, como nome, endereço, telefone, foto e, se tiver, o número de documento.
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*Reportagem escrita com o apoio do Fiquem Sabendo