Contra a crise, irmãos apostam em produção de cerveja artesanal

Por Thiago Sagardoy, em colaboração para o Catraca Livre 

Quando tempos difíceis se aproximam do bolso do brasileiro, a regra básica para manutenção de uma vida financeira saudável é clara: cortar ao máximo os gastos, principalmente, aqueles que são considerados supérfluos. Uma viagem. Uma festa. Um jantar. A cervejinha do fim de semana…

Um destes mercados especificamente, no entanto, vem remando na contramão da crise econômica no país e, a cada ano, registra um crescimento maior, impulsionando a geração de empregos, a criação de novos negócios e, sobretudo, a perpetuação de uma nova cultura: o consumo de cerveja artesanal.

Bruno e Lucas Lanzoni abriram mão de suas carreiras de origem para se dedicar à produção caseira de cerveja artesanal

Segundo dados do Instituto da Cerveja Brasil (ICB), o mercado de cerveja artesanal cresceu de 12% a 15% no Brasil somente em 2016 e, com a expectativa de que a economia se reestabeleça nos próximos tempos, projeta-se que o segmento – hoje representando 1% do total da indústria de bebidas – dobre de tamanho até 2020.

Se os números ainda são acanhados, eles significam muito para quem se lançou neste mundo, pois além de assistirem outros setores de bebidas enfrentarem um momento duro nas vendas, os profissionais que vêm trabalhando com o potencial da cerveja artesanal estão acompanhando de perto o surgimento de uma série de novas possibilidades no ramo, inclusive, pela impulsão do mais surpreendente dado do setor: as pessoas estão priorizando a produção e o consumo de cerveja em suas próprias casas.

Fermentando a questão

Se está difícil arcar com o custo das cervejas artesanais por aí e as cervejas tradicionais já não despertam o mesmo interesse de um consumidor exigente, por que não produzir em casa, equilibrando os gastos e o consumo?

“O movimento de informações que proporcionou maior conhecimento sobre a produção de cerveja caseira precede a crise no Brasil, inclusive, ele se estabeleceu durante um período de ascensão econômica do país. Naquele momento, o brasileiro criou um gosto porque teve contato com uma qualidade que desconhecia, com uma variedade imensa e com uma alternativa perante aquilo que já era habituado a consumir. Desta forma, o fator de comparação resistiu ao momento econômico, pois a cultura não é estática, ela sempre se molda a uma nova realidade, neste caso, uma realidade com menos dinheiro. O gosto permanece”, afirma Rodrigo Pedroso, mestre em Sociologia pela Pontificia Universidad Católica de Chile.

E parece ser este mesmo um dos trunfos do mercado de cerveja caseira: os consumidores não se incomodam em gastar mais pela qualidade do produto, mesmo que isso represente ingerir uma quantidade menor da bebida, apontada por especialistas como um hábito saudável, caso dosado.

Além dos insumos e produtos para a fabricação, irmãos oferecem aos clientes novas tecnologias, processos e ingredientes.

“Os benefícios do consumo moderado de cerveja são conhecidos há tempos, mas só nos últimos anos chegou ao conhecimento do consumidor brasileiro, que passou adaptar sua relação com a bebida, tanto em gasto como em ingestão. Isto porque hoje já se sabe que é possível encontrar uma resposta equilibrada para essa equação consumo x gasto x saúde.

E, entre os amantes de cerveja caseira, ‘beba menos e beba melhor’ é uma espécie de lema, uma premissa para que a vontade seja saciada com qualidade e, mesmo assim, os limites do corpo sejam respeitados”, diz Bruno Lanzoni, 32 anos, professor de Educação Física que deixou a carreira nas escolas de lado para dedicar-se ao E-Brew Shop, loja especializada em insumos e equipamentos para os produtores de cerveja caseira de todo o Brasil.

Crescimento colaborativo

A Casa do Cervejeiro Caseiro. Mais do que uma identidade de seu negócio, o agora ex-professor garante que o slogan é a verdadeira essência do nascimento do estabelecimento, idealizado por ele e seu irmão Lucas Lanzoni, 31, quando ainda eram apenas mais dois aventureiros neste universo de maltes, lúpulos e leveduras.

Oferecer insumos e equipamentos de qualidade é uma obrigação, mas nosso grande negócio é fazer com que o cervejeiro realmente se sinta em casa e, com isso, possamos movimentar ainda mais a troca de experiências entre a comunidade cervejeira”, explica Bruno, citando os cursos, brassagens coletivas, concursos, confraternizações e rankings que promovem periodicamente.

Neste momento do mercado, aliás, não enxergam concorrências diretas para a loja, localizada na Zona Sul de São Paulo, pois, como explicam, as pessoas ainda estão descobrindo e explorando as infinitas possibilidades de atuação neste segmento

Irmãos prezam pelo compartilhamento do processo de fabricação da cerveja artesanal, com cursos, brassagens coletivas, concursos, confraternizações e

“Somos uma loja de insumos e equipamentos para produção de cerveja. Porém, com esse conceito de crescimento colaborativo, passam por aqui pessoas de todas as outras frentes do mercado. Na troca de experiências, estabelecemos uma relação que vai além de compra e venda. Se abrimos um negócio percebendo que faltava um tratamento menos impessoal ao cervejeiro, o mínimo que podemos oferecer são papos que tratam de novas tecnologias, processos e ingredientes. E o cliente que não tem dúvidas sobre o processo se torna hábil para contribuir com novas descobertas também”, afirma Lucas, que é engenheiro ambiental e, inclusive, encontra espaço para desenvolver conceitos sustentáveis no novo trabalho – “Reutilizamos água em alguns processos das brassagens e encaminhamos nossos resíduos de maltes para compostagem”.

O conceito de “comunidade cervejeira” mencionado talvez seja o responsável direto pelo sem fim de rótulos, blogs, redes sociais, feiras, confrarias, bares e aplicativos relacionados ao tema que surgiram nos últimos anos. O ambiente de troca de conhecimento potencializou o consumo de cerveja, uma prática já consagrada pelos brasileiros, desta vez, porém, com participação efetiva no processo de produção e garantia – pessoal e intransferível – de padrão de qualidade.

“Não existe apenas uma relação de serviço. Existe um simbolismo em comprar os produtos e, ao mesmo tempo, dialogar, trocar conhecimento, aprender novas técnicas. O cervejeiro caseiro neste caso está participando de uma troca, criando um laço mais profundo, que transcende a questão econômica por estabelecer um elo mais produtivo, uma relação mais prazerosa”, lembra o sociólogo Rodrigo Pedroso.

Quem são os cervejeiros (as)?

Segundos os irmãos Lanzoni, o público que encontram no E-Brew Shop – e em todos os outros estabelecimentos que seguem a linha “comunidade cervejeira” – é absolutamente variado. Jovens, sedentos por informação. Adultos, preocupados com a qualidade. Leigos, querendo aprender. E, de algum tempo para cá, felizmente, cada vez mais mulheres.

A publicitária Sabrina Rodriguez, 28, é um exemplo claro deste aumento do interesse feminino. Estimulada pelo namorado a ter contato com as brassagens, ela conta que sempre gostou de cerveja e já há algum tempo nutria curiosidade pelo processo de produção. Porém, só há seis meses começou a produzir a sua Menipa’s.

Menipa’s surgiu com a ideia de resgatar a figura da mulher como mestre cervejeira

“Desde então, aumentei minha produção de 20 litros para 100 litros de cerveja caseira e, com meu interesse pelo ramo, também acabei entusiasmando minhas amigas, que agora querem produzir. Além, claro, dos tantos contatos e canais que conheci, como o pessoal do Maria Cevada e do Mulheres Cervejeiras, que complementam meu conhecimento”, conta a publicitária.

Flavia Lacour é mais uma prova que cerveja caseira não tem público, perfil, idade ou gênero. Atuando no ramo há pelo menos oito anos desenvolvendo cardápios, ministrando cursos e palestras, escrevendo sobre o assunto e participando de degustações e harmonizações em bares, a produtora artesanal explica que nunca sofreu qualquer tipo de preconceito por ser uma cervejeira.

“Nunca senti isso em nenhum lugar que passei, muito pelo contrário. Quando digo que produzo cerveja e trabalho com isso, percebo que causo uma surpresa boa nas pessoas, um sentimento de admiração”, explica Flávia, que, contudo, ainda enxerga nos homens um interesse maior em etapas do processo como a montagem do equipamento, por exemplo. As mulheres, no entanto, são muito mais engajadas em outros sentidos, como nas discussões em grupos cervejeiros, ao tirarem dúvidas e buscarem constante contato nas redes sociais para aprimorar o conhecimento sobre receitas”, finaliza Bruno Lanzoni.