O verdadeiro retrato da moda nos dias atuais

28/11/2014 20:16 / Atualizado em 06/05/2020 17:54

 
 
Eu escolhi minha profissão –estilista– por acreditar na moda como uma expressão artística, onde eu poderia trabalhar manualmente com os produtos, tocar, sentir texturas, costurar, descosturar, desenvolver, criar. Sou eternamente grata pelos anos que vivi. Tive muita sorte (ou competência) para estar lado a lado de grandes criadores e, acima de tudo, pessoas que me ajudaram a ser quem sou hoje.

Eu saí do mercado de moda porque, além do próprio mercado, eu mudei. E por termos mudado, já não falávamos a mesma língua.

 
 

Eu nunca fui uma pesquisadora de moda, nunca soube os desfiles de cor e salteado das grandes maisons da Europa de anos e anos atrás como as pessoas sabem, sempre odiei pesquisar tendências, sempre achei fraca e superficial a linguagem de blogs de moda, mas ainda assim, eu , ovelha negra dentro de um mundo que no fundo nunca me pertenceu, trabalhei em grandes marcas e fui muito feliz.

Foi também na moda que eu vivenciei as situações mais bizarras da minha vida. Foi por causa da moda que, pela primeira vez na vida eu comecei a fazer terapia. Por causa de uma chefe que, a cada 10 palavras ditas, oito eram palavrões absurdos. Era uma pressão desumana e insensata. Cada dia que eu saía dali, eu respirava fundo pela vitória de mais um dia vivido.

Já em outra empresa eu fui monitorada pelas 6, 7 horas que eu trabalhava ali dentro. Um chefe, a quem eu considero psicopata, observava meu e-mail, minhas conversas, diariamente, com a mesma frequência com a qual ele checava seus próprios e-mails. Com câmeras que rodeavam a fábrica e todas as lojas, ele brincou comigo de forma ilegal e desonesta e chegou inclusive a mandar e-mails em meu nome agredindo verbalmente pessoas da empresa. Chegou num ponto que eu precisei pedir demissão e fazer B.O. para me defender.

Em outra empresa não queriam deixar que eu levasse meus desenhos embora –meus desenhos, minha criação e propriedade intelectual– com medo que eu fosse reproduzi-los em outro lugar. A moda e seu irônico e hipócrita complexo de cópia.

Ainda bem que eu sempre fui muito forte. Depois de tantas experiências bizarras, eu posso dizer que estava calejada e cada vez mais forte. Por isso eu sempre fui firme, sempre expressei minha opinião, com cara feia ou não, sempre falei a verdade e exigi meus direitos.

É difícil explicar o Mercado pra quem não trabalha nele, pra quem vê apenas o glamour dos desfiles, o agito do São Paulo Fashion Week, as fotos lindas das blogueiras e modelos, a beleza das campanhas.

O mundo da moda é sedutor. Onde preto e branco viram “black and white” porque é mais legal falar assim. O verde vira menta, o vinho vira Bourgundie, calça vira pants, camiseta é na verdade T-shirt. Mas uma coisa eu posso garantir: tudo o que a moda não é, é glamour.

Sei que muitos amigos e amigas da área podem olhar ler esse texto de nariz torcido, mas deixo claro que aqui escrevo exclusivamente sobre a minha experiência. E explico agora o porquê de, eu e a moda, não andamos mais de mãos dadas:

Eu cansei de viver num mundo de aparências onde praticamente não existe mais criação, tudo se copia descaradamente.

Eu cansei de comprar produtos na China a U$ 2 dólares para colocar na loja da Oscar Freire a R$ 170 reais. Cansei de me desdobrar e negociar muitas vezes os custos com fornecedores, trocar couro por material sintético para baratear o produto, enquanto meu chefe aumentava o mark up para ter mais lucro em cima das peças que eu desenvolvia. A gota d’água foi ver a dona da empresa ir na 25 de março comprar bolsas de festa a R$ 150 reais e colocar na loja a R$ 600, R$ 900! Os consumidores são muito enganados, não é pouco não…

E de forma geral, cansei de ser essa pessoa que ajuda a enganá-lo mais ainda, cansei de fazer treinamento de equipe chamando de “couro ecológico” o que na verdade é PVC e poliuretano, ambos derivados de petróleo e prejudiciais ao meio ambiente, com durabilidade extremamente inferior ao couro.

Estimular o consumo com imagens bonitas e vazias não faz mais parte de mim, que conheci a Ásia e vi a situação miserável que muitas pessoas ali vivem. A China é desleal com os preços, o Mercado interno sofre. Não existe formas de competir com produção 100% brasileira. A mão de obra aqui é considerada cara, porque é impossível competir com os preços asiáticos. E não se engane que apenas Zara faz na Ásia ou utiliza trabalho de bolivianos, queridos. Todo mundo faz na Ásia, todo mundo cai na mão dos bolivianos, e muitas vezes indiretamente, sem saber. Se não for toda a produção, tenha certeza que no mínimo uma das linhas de produção de cada marca. De grandes marcas a pequenas, a magazines.

E eu também cansei de ouvir que “eles trabalham muito na China, Índia, etc porque é cultural! É da cultura do país trabalhar tanto, e eles preferem trabalhar no chão mesmo, costurar bolsas no chão, a mão. Eles estão acostumados com isso.” Pelo amor de Deus! E eles por acaso conhecem outra realidade?

Uma marca que economiza no produto visando lucro, comprando uma bolsa de festa bordada a U$ 10 dólares para vender a R$ 500 reais na loja e paga R$ 20 mil reais por mês para uma blogueira postar 4x (quarto vezes) por mês uma selfie no Instagram com uma roupa da marca…..desculpa! Não merece toda minha dedicação.

Por fim, eu cansei de ser testemunha desse mundo de aparências e resolvi trabalhar com o que faz meu coração vibrar. O vídeo me permite retratar histórias REAIS, de pessoas que estão por aí fazendo algo para mudar o mundo, que estão ocupando os espaços urbanos e transformando-os, efetivamente fazendo a diferença nessa sociedade! E o universo é tão maluco que ele tem feito questão de me proporcionar cada vez mais conexões nesse sentido que hoje eu acordo e sorrio feliz, de poder andar lado a lado dessas pessoas!

Com amor,

Bruna.

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