Alunos transformam gaiolas que capturavam animais silvestres em bibliotecas itinerantes

Por: Mayara Penina

Do Criativos da Escola

Na comunidade de Pium, litoral sul do município de Parnamirim (RN), muitas crianças e jovens têm o costume de capturar aves silvestres para mantê-las em gaiolas ou para vendê-las como animais de estimação. Um dos locais da atividade é uma área de proteção ambiental que fica próxima à Escola Estadual Professora Maria Araújo. Durante uma aula de ciências, cujo objetivo era estimular a reflexão sobre a relação entre os animais e o ser humano, os alunos associaram o tema às suas práticas e relataram que boa parte das aves capturadas passavam por maus tratos (e que, inclusive, algumas morriam pouco tempo depois de serem capturadas).

A partir dos relatos, o professor Natanael Avelino conduziu conversas em sala de aula sobre o tema, e propôs que os alunos se expressassem também por meio de desenhos. Destes encontros, nasceu uma proposta vinda de uma parte da turma: o fim da captura das aves e a liberdade para os animais. Surgiu então a questão: o que fazer com as gaiolas, agora vazias, que os alunos e moradores possuem e fabricam?

“E se transformássemos as gaiolas de pássaros em gaiolas de livros?” – a ideia inicial partiu de um das alunas da sala, e foi prontamente abraçada por parte dos colegas e apoiada pelos professores de Ciências e Língua Portuguesa. A inspiração veio por conta de uma feira de livros que a escola realizaria em novembro de 2015: pensou-se, assim, em unir as duas ações.

Neste período, muitos dos alunos que viviam da caça questionavam colegas e professores que apoiavam o fim da prática de captura. Aline Araújo, 11 anos, uma das mais ativas do projeto, ouvia o apelo dos colegas e dialogava em busca de soluções para o problema: “Os colegas da minha sala perguntavam: mas professora, se a gente não vender pássaro a gente vai vender o quê?”, lembra. Foi daí que tiveram a ideia de chamar artesãos  com o objetivo de estimular outras fontes de renda para os alunos que tinham o hábito de capturar aves. “Na minha sala explicaram como fazer brincos de garrafas pet, porta celular, porta alfinete, varias coisas. São coisas simples, mas que conseguem transformar e mudar essa história de pegar pássaros”, opina a jovem.

Alunos dão ‘game over’ na recuperação de história jogando Minecraft [/leiamais] Para viabilizar o projeto “Gaiolas Literárias”, as turmas do 6º e 7º ano criaram duas campanhas: uma para coleta de livros e outra para a coleta de gaiolas, ambas envolvendo a escola e a comunidade extraescolar. “A gente pensou em pintá-las, mas desistimos para dar ideia de que aquela gaiola foi usada,  que o pássaro saiu dali e que no lugar foi colocado um livro”, conta Alef Pereira, 14 anos, membro do grupo. Embora no início houvesse resistência de alguns alunos, o projeto provocou a todos e continua trazendo uma reflexão dos estudantes sobre seus hábitos. “A gente sentiu uma mudança na nossa escola depois desse projeto, as pessoas leem mais”, diz Alef. Ana Leopoldina, professora coordenadora do projeto, afirma toda a transformação. “Nós estamos mudando a comunidade, sim, e as vezes a gente não acreditava”, ela conta.

Nessa perspectiva, as gaiolas foram transformadas em bibliotecas itinerantes, espalhadas pela cidade, nas quais os moradores poderão receber e doar cultura de forma gratuita. “O bom do nosso projeto é que a gente traz livros para a população, mas também eles podem levar para casa e deixar um outro lá, assim a biblioteca nunca ficará vazia”, explica Matheus de Andrade, 13 anos. Com os livros e as gaiolas arrecadadas em mãos, após o sucesso das campanhas, as gaiolas foram distribuídas em locais da cidade, já mapeados pelos alunos (como uma feira típica da região e pontos de ônibus próximo à escola). A ação já mobilizou também outras escolas da cidade, que já pensam em aderir ao projeto. “A gente não quer que esse projeto fique só na escola, nós queremos levar para além dos muros. Não podemos deixar uma ideia fluir e ser jogada ao vento, ir embora”, conclui.

A turma venceu os desafios que surgiram durante o processo e levam consigo o lema “Libertem os pássaros e a imaginação”. Com o projeto, as gaiolas, que antes prendiam pássaros, agora carregam livros, espalhando liberdade pelas ruas de Parnamirim.