Especialistas respondem: o que a creche ideal precisa oferecer?
Como saber se uma creche é realmente boa, e oferece aquilo que o bebê – que ainda não fala, e é tão pequeno e frágil – precisa para se desenvolver? Para responder a essa pergunta, o Catraquinha conversou com especialistas dos campos da educação infantil, desenvolvimento da criança e primeira infância para oferecer subsídios para que famílias possam fazer uma escolha consciente e segura, munidos de informação para avaliar e cobrar – porque não?- a instituição escolhida.
Afinal, o que faz de uma creche um bom espaço para uma criança?
A resposta para essa pergunta passa longe dos brinquedos industrializados, de um espaço físico que impressione pela modernidade, ou pelo design arrojado, ou da oferta de infraestrutura e tecnologia, e se aproxima de aspectos mais simples e humanos, como carinho, afeto e tempo para a criança poder brincar e explorar o mundo.
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Muito mais importante do que as características do espaço -salas grandes ou pequenas, um jardim enorme, chão de borracha para a criança não se machucar, e oferta de brinquedos, por exemplo- é a forma como o local será aproveitado dentro do projeto pedagógico da instituição, a qualidade e a formação dos profissionais que trabalham no local e, principalmente, se o ambiente proporciona segurança e acolhimento para que a criança possa experimentar novas sensações.
“Bebês precisam explorar objetos, experimentar o corpo, aventurar-se pelos espaços, brincar, comunicar-se com outras crianças e com os adultos e ampliar os seus saberes”, aponta Alice Junqueira, psicóloga e educadora do Cenpec.
Para João Batista Araujo e Oliveira, Presidente do Instituto Alfa e Beto, uma creche é boa quando contribui para promover o desenvolvimento harmônico da criança. “Para cumprir sua função, precisa acolher as crianças com carinho, apresentar à elas estímulos adequados aos vários aspectos do seu desenvolvimento e trabalhar em sintonia com as famílias”, aponta.
De acordo com os especialistas, o que faz de uma creche uma “boa” creche está muito mais atrelado à qualidade das experiências que aquela instituição proporciona à criança, do que aos recursos materiais aos quais a criança tem acesso no local.
“Ambientes lúdicos são criados pelas crianças. O fundamental é ter espaço com alguns estímulos e liberdade para explorar”, afirma João Batista. De acordo com ele, o “segredo consiste na organização do espaço, do tempo, das atividades que nele ocorrem e nas interações, os desafios e limites apresentados à criança para que ela possa fazer o melhor proveito deles. As coisas – como os brinquedos em si – não são especialmente relevantes. O relevante é o que a criança possa fazer com elas e o estímulo e feedback que recebe para explorar e conhecer o mundo – liberando a sua curiosidade e sua imaginação”, completa o especialista.
Brincar: o modo de aprender das crianças
Muito mais do que uma forma de lazer e de passar o tempo, brincar é um direito da criança, e também uma atividade imprescindível ao seu desenvolvimento. “É a forma como as crianças se conectam ao mundo, é a sua forma de aprender sobre a linguagem, as pessoas, os fenômenos da natureza e da sociedade”, explica o presidente do IAB.
No dia a dia da educação infantil, de acordo com os especialistas, a brincadeira deve estar tão presente quanto os cuidados com o bem-estar físico da criança. “Na creche, cabe ao educador organizar o espaço físico e planejar ações intencionais que favoreçam um brincar de qualidade”, aponta a educadora Alice Junqueira.
E, ao contrário do que muitos podem pensar, quanto menos “pronto” for o brinquedo, melhor ele servirá ao propósito do brincar da criança. Nesse sentido, materiais simples como caixas de papelão, panos, sucatas, folhas, galhos, na creche, ganham o status de poderosas ferramentas pedagógicas. “Eles certamente os transformarão, por meio da imaginação, em brinquedos bem mais interessantes e divertidos dos que os industrializados”, afirma Alice Junqueira do Cenpec.
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O contato com a leitura começa antes da alfabetização
A leitura tem grande importância na creche, pois coloca os bebês desde cedo em contato com a linguagem escrita. “Por meio dela, percebem que a fala do dia a dia é diferente daquela usada numa leitura em voz alta, notam que tem cadência, ritmo e emoção diferentes. Estar em contato com livros desde o berçário é um excelente caminho para despertar paixões pela leitura”, disse Alice Junqueira, do Cenpec.
Mas, a tarefa de educar e criar futuros leitores não deve ser exclusiva dos educadores. Livros e leituras assistidas devem permear a rotina das crianças na instituição de ensino, mas também as brincadeiras entre pais e filhos em casa. “Livros trazem em si o elemento mágico de compartilhar narrativas, melodias e fortalecer vínculos”, completa Cisele Ortiz, psicóloga especialista em educação infantil.
E as telas?
Na era da internet, as telas estão presentes na rotina das famílias. Mas será que atividades com tablets, filmes ou moimentos de televisão fazem sentido no ambiente da creche?
Os especialistas consultados vêm com muita cautela o uso das telas na rotina das crianças nas creches. “Esse tipo de atividade só tem sentido quando está relacionada a algum projeto ou proposta pedagógica”, aponta a psicóloga Alice Junqueira.
Cisele Ortiz, que é Coordenadora do GT de Educação Infantil de Rede Nacional Primeira Infância, sugere sessões de cinema na creche para as famílias como uma possibilidade de ampliação cultural para a comunidade escolar. “Deve-se ter em mente sempre que a ação da creche é complementar à ação da família, portando deve ir mais, ir além e não reproduzir o que a criança já tem”, afirma.
Os cuidados com o bem-estar do bebê e a rotina na creche
Cisele Ortiz, psicóloga especialista em educação infantil e coautora do livro “Ser professor de bebês: cuidar educar e brincar uma única ação”, destaca a importância da criança ter na creche uma rotina estável, e que seja centrada nas necessidades infantis e não nas necessidades institucionais e dos adultos. “A rotina é fundamental para as crianças como elemento de segurança que favorece a construção da identidade e da autonomia”, afirma.
O que é mais importante na estrutura física de uma creche?
Como já foi dito anteriormente, mais importante do que o espaço em si, para a criança, é o tipo o local é aproveitado e que tipo de atividade é desenvolvida ali. Sem rodeios, sobre essa questão, Cisele afirma: “Fundamental é termos: 1,80m² por criança no espaço interno tudo acessível e à altura dela, e que as paredes reflitam a cultura e a estética infantis, com espaços externos verdes, onde ela possa ter diversidade de cores, aromas, texturas, espécies, enfim, vida que pulsa”.
O contato com espaços mais verdes e naturais, sem dúvida, é muito importante para o desenvolvimento das crianças. “Desemparedadas”, as crianças podem experimentar o brincar de forma mais livre e imaginativa. Apesar disso, o pátio dos sonhos, repleto de árvores e verde, não é uma realidade para todas as instituições. “Sempre se pode possibilitar às crianças o contato com elementos naturais como água, terra, grama ou areia, sempre fontes de inesgotáveis experiências sensoriais, não sendo para isso necessário espaços tão incríveis e inovadores”, completa Alice Junqueira, do Cenpec.
As 32 escolas da rede de ensino de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, são um exemplo interessante nesse sentido. “A questão não está no tamanho do espaço e sim na riqueza que ele vai oferecer, em como organizá-lo. Entre as escolas de nossa rede, justamente, uma das escolas com menor tamanho de pátio, é uma das que tem maior diversidade de possibilidades para as crianças, com variedade de árvores frutíferas, horta, composteira, cisterna e diferentes recantos para a brincadeira. Materializar uma proposta de pátio está muito mais para a concepção do que para o tamanho do pátio ou para os recursos financeiros”, conta a bióloga Rita Jaqueline Morais, assessora pedagógica de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação do município.
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Por fim, os especialistas fazem um alerta em relação a estruturas físicas que se assemelhem à instituições totalitárias como prisões, quartéis ou conventos. “A estrutura física muitas vezes tem esse poder de massificar e embotar o indivíduo assim como a rotina rígida. As crianças não podem ficar massificadas e confinadas”, aponta Cisele.
Não existe educação de qualidade sem bons educadores
A ciência já sinaliza os enormes benefícios dos investimentos em políticas para a primeira infância, e também para a importância dos primeiros seis anos de vida da criança para todo o seu desenvolvimento futuro. Apesar disso, no Brasil, a ampliação de vagas -com qualidade- nas creches ainda é um dos grandes desafios do país. Superar esse desafio passa pela valorização e qualificação dos professores da educação infantil.
A formação do educador é fundamental e sabemos que tem um impacto direto em sua prática. Nesse sentido, não basta a formação inicial. É muito importante que o professor participe de processos de formação continuada para que construa e aprofunde conhecimentos a partir da discussão e análise das próprias ações educativas.
“Sem salários adequados e equalizados com outras profissões do mesmo nível, sem que a lei do piso seja cumprida por todos os municípios , sem plano de carreira, sem formação continuada no cotidiano, (aquela que o supervisor, diretor e coordenador pedagógico são responsáveis ), que traga luz às práticas e reflexões aprofundadas , não tem como melhorar a qualidade. Se o professor de creche ainda é visto como um profissional inferior pelo Estado, não há por que a sociedade pensar diferente . Sem visão política e estratégica dificilmente a educação avança. A educação da criança pequena , infelizmente é vista como um problema privado , da família, em geral da mulher , e não como o nosso maior bem , nosso futuro sendo criado hoje”, disse Cisele, da Rede Nacional Primeira Infância.
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