Foi-se o tempo do balé e do futebol: crianças escolhem trabalhos manuais como atividade extracurricular
Por Carolina Delboni
Foi-se o tempo em que fazer aulas de balé, futebol e até natação era divertido na rotina das crianças. Existe uma geração que está nos ensinando a descobrir novos desejos, prazeres e sentidos. Sim, porque estamos falando de seres com sentidos ampliados e mais diversificados. Crianças que nasceram na mudança de consciência de mundo, e têm um dia a dia mais voltado a questões sociais e comunitárias, acabam por escolher outros tipos de aulas para fazer depois da escola. São crianças que buscam, nas atividades, outras formas de descobrir e se relacionar com o mundo. Querem mais daquilo que recebem em casa ou na escola. E descobrem que o tempo pode ser preenchido com ioga, meditação, jardinagem, teatro, história da arte, marcenaria, trabalhos manuais, fotografia, entre outras.
Ao contrário da lógica antiga, quando se punha uma criança numa atividade pensando no que ela não tinha e poderia desenvolver, hoje, essas mesmas crianças, procuram aulas que potencializem o que elas têm de forte. Ou seja, aquela história de procurar um teatro pra criança que é tímida está fora de cogitação. As atividades devem incentivar as crianças naquilo que são boas e trazer prazer. E aqui é preciso ter o auxílio dos pais, tanto na escolha do curso quanto na dosagem das atividades. A médica Ana Paula Cury dá uma dica de como escolher indo além da vontade que é “percebendo os talentos naturais de seu filho e estando atento para o que cada uma dessas atividades vai realmente trazer de bom para ele. Elas podem contribuir para a formação da criança sempre que lhe tragam a possibilidade de expandir o repertório de habilidades com alegria e senso de realização e gratificação. Muitas vezes, podem ser a oportunidade de se revelar um dom e lapidá-lo para que mais tarde seja um instrumento na experiência da própria vocação”, explica a Ana Paula.
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O pediatra e presidente do Instituto da Família, Leonardo Posternak, alerta para que as escolhas, quando surgem da criança, devem ser respeitadas e estimuladas. “De fato vemos que hoje as crianças têm muita informação sobre o que podem fazer, mas também é certo que, como os idosos, constituem uma fatia muito apetitosa para lhes vender coisas. A criança, muitas vezes, escolhe induzida pela incessante propaganda que abarca brinquedos, viagens e uma diversidade de cursos”, pontua.
E, num tempo em que as crianças misturam as cores em um aplicativo de celular e derrotam o Manchester United num joguinho de x-Box, manipular uma agulha de tricô, aprender que Mondrian adorava cores básicas e descobrir para que serve o fermento no bolo é mais que diversão. É descobrir que o mundo tem uma infinidade de possibilidades a serem exploradas, muito além do que o universo virtual oferece. Uma forma bacana e divertida de ampliar conhecimento, inovando a maneira de explorar o mundo.
Na filosofia oriental acredita-se que o movimento repetitivo organiza o pensamento interno. O antropósofo Rudolf Steiner diz que o aprendizado deve acontecer de forma orgânica na criança, e ele destaca como grande diferença (e potencial) do homem as mãos para realizar trabalhos. Somos capazes de mudar o mundo pelas mãos. Por último, veio a ciência que comprovou os dizeres acima e atestou sua “eficácia” no desenvolvimento humano. E poder unir aprendizado com prazer é um privilégio danado nessa vida. Para as crianças que costuram, por trás de agulhas, rolos de tecidos e aviamentos, existe o aumento da coordenação motora, a melhora da concentração, a calma, o foco, e o melhor de tudo: o aumento da autoestima da criança com o “eu que fiz”. Parênteses aqui. Sem falar no “eu fiz para você!”
Muitas possibilidades
Entrar na cozinha e preparar uma receita de bolinho de chuva também é bom demais. Apesar da moda dos programas de culinária, existe um olhar importante pra aquilo que se coloca na mesa e no organismo. E, para as crianças, o que parece apenas uma brincadeira lúdica e divertida tem todo um contexto de formação por trás, uma vez que a prática culinária as expõe a conceitos como planejamento, organização, paciência, planos de contingência, trabalho em equipe, reciclagem e estética. “Além disso, apresenta elementos culturais, enriquece o vocabulário. Sem contar que amplia o cardápio da criançada, pois, além de apresentar uma grande variedade de alimentos, o envolvimento no preparo dos pratos estimula a experimentação, o que muitas vezes é o maior desafio enfrentado pelos pais”, diz Andrea França, proprietária da escola Minichefs. Mas, de novo, um alerta do pediatra Leonardo Posternak, porque “se são os pais que querem no futuro ter um exitoso chef, o mais provável é que, pressionado, o filho acabe sendo um chef medíocre e frustrado.” Basta a gente ver os programas de chefs mirins na TV. “Não se incentiva o ganhar dos outros, e sim o prazer”, finaliza.
Mas mão na massa e depois mão na terra. Ou o inverso, já que plantamos, colhemos e preparamos o alimento. Desde pequenas as crianças cantarolam músicas com flores, pássaros e natureza. Depois aprendem sobre os passarinhos, seus cantos, os voos, e chegam nas sementinhas que viram flores e frutos. “As crianças ficam fascinadas quando entram em contato com sementes e folhagens. Vez ou outra se surpreendem com algum inseto escondido nas folhinhas e adoram”, conta Daniela Féres, da Via Flor, que idealizou um curso só para crianças. Habilidades como criatividade, percepção visual, olfativa e tátil são estimuladas, assim como a sensibilidade estética.
Sensibilidade estética também é uma qualidade da fotografia. Olhar através da tela sempre foi algo fascinante. Quem nunca pegou a máquina ou o celular e se surpreendeu com as imagens capturadas pelo seu filho? O olhar deles é totalmente livre e desprendido de ângulos, enquadramentos, luz e todo blablablá teórico que envolve uma atividade. O resultado é sempre interessante, mesmo quando tem aquele rosto cortado ou um céu de cabeça para baixo. Fotografar desenvolve a memória motora, a concentração e é uma forma de ancorar no mundo concreto. O resultado é um olhar muito mais apurado e critico.
A lista aqui é extensa. Ainda tem musicalização, teatro, cultura popular brasileira, marcenaria, ioga, inventos e engenhocas. Todas, seja qual atividade seu filho escolher, têm por trás a intenção genuína de incentivar o protagonismo na criança, e desenvolver a autonomia. Época de férias, que já se aproxima, é uma delícia para eles experimentarem essas novas possibilidades.