Juliana Prates: ‘Os adultos precisam se prontificar a ouvir as ideias e sugestões das crianças’

16/10/2015 19:46 / Atualizado em 04/05/2020 17:45

Do nosso parceiro RNPI – Rede Nacional Primeira Infância

Criança é o sujeito e a infância é uma etapa da vida, que precisa ser garantida.
Criança é o sujeito e a infância é uma etapa da vida, que precisa ser garantida.

“Fala-se muito que as crianças de hoje seriam muito mais inteligentes do que as crianças de antes, ou se expressam mais, ou seriam melhores, mais espertas, sabidas. Eu sempre brinco dizendo que acho que nós as escutamos mais. Antes elas tinham muitas coisas para dizer, mas a gente não parava para ouvir”. A ponderação é da professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutora em Estudos da Infância pela Universidade do Minho, Juliana Prates, que concedeu uma entrevista para o site da Avante – Educação e Mobilização social logo após a Conferência Participação de Crianças e Jovens: dos equívocos às potencialidades, ministrada pela especialista portuguesa Natália Fernandes. A conferência, realizada pela Avante – Educação e Mobilização Social por meio do projeto Infâncias em Rede, executado pela instituição em parceira com a Fundação Bernard van Leer, reuniu pesquisadores e profissionais que trabalham com a prática da participação infantil.

Juliana parte de uma visão que inclui a criança e o adulto como seres impactados pelas diferentes circunstâncias de tempo e espaço da vida moderna para abordar a necessidade não só de escutá-las, mas de termos cuidado com essa escuta. “Nós temos dado mais espaço para elas falarem, mas não lhes damos tempo para que elas elaborem a sua fala, pois elas não falam no mesmo tempo do adulto. Estamos acostumados a uma resposta que é imediata, pronta, e a criança precisa de tempo para criar. Então, é fundamental construirmos espaços para que as crianças possam ser crianças e contaminem o adulto com o tempo da infância”.

Qual a sua percepção do processo de construção da participação das crianças?

Juliana: Quando começamos algo, tendemos ou a radicalizar, ou a fazer de uma forma que pode ser um pouco equivocada. Colocar as crianças em todos os espaços, sem considerar suas possibilidades efetivas, por exemplo, é um equívoco.

Começamos a incentivar a participação das crianças com a lógica de que era preciso dar a voz, mas elas sempre tiveram voz. E alcançamos a lógica de que é preciso escutá-las.

 Qual o aspecto dessa construção que merece mais atenção?

Juliana: A formação dos adultos. Eles precisam ser preparos para ouvir as crianças. E isso é só o pontapé inicial, pois temos um longo histórico de não escutar aquele que é considerado de menor valia. Já se fez isso em relação às mulheres, e fazemos em relação às crianças, com a ideia de que devemos protegê-las, não deixando que elas participem. Acreditamos que se elas falam coisas na sua imaturidade, elas vão estar desprotegidas.

O desafio é mobilizar o adulto para ouvir a criança. Não na perspectiva de aceitar tudo que ela diz, mas de ensinar de que forma ela pode dizer, pode participar e debater nos espaços.

Quais as dificuldades no caminho dessa construção?

Juliana: Nós somos uma sociedade essencialmente adultocêntrica, que acha que sabe tudo sobre a infância e tem um saudosismo que nos leva a olhar a nossa infância sempre como algo melhor do que a infância de hoje. O que provoca um viés de invisibilidade dessa infância.

Consideramos infância e criança como sinônimos. Por isso, se faz cada vez mais necessário construir uma forma de atuar junto à criança que mude essa realidade. Criança é o sujeito e a infância é uma etapa da vida, que precisa ser garantida.

De que forma a universidade está participando desse processo?

Juliana: A academia tem um papel crucial porque a gente faz a formação dos professores, e de outros profissionais que vão atuar com essas crianças. Hoje temos uma especialização em educação infantil que vem trazendo nomes como Natália para discutir a ideia da participação no contexto do jardim de infância.

Na faculdade de psicologia, quando trabalhamos desenvolvimento da criança, trabalhamos a criança não só como ser biológico, mas também como ser social. Antes falávamos sobre as crianças, hoje falamos com as crianças. Isso muda muito o saber que a gente tem acerca delas.

Existem ainda os profissionais que já estão no mercado e não passaram por essa formação – o pessoal de mobilização social, dos projetos sociais que estão intervindo nessa área. E nossas pesquisas têm influenciado muito a prática de quem escuta as crianças.

Como a escuta é parte dessa formação profissional, já existe um trabalho voltado para a construção de um curso de escuta?

Juliana: É muito interessante imaginar isso. Mas acho que, antes de mais nada, as pessoas precisam se prontificar a ouvir a criança nas suas ideias e sugestões. E isso é algo que se aprende na vida. Ou seja, a ideia de conviver com crianças tem a ver com estar disponível a isso. E essa disponibilidade deve estar atrelada à convivência com situações que não se espera.