Lilian Graziano defende que a Psicologia Positiva é capaz de auxiliar no tratamento da síndrome de Down

Por Helaine Gonçalves do Instituto Alana

Chegamos ao consultório para a entrevista. Na sala de espera, gargalhadas eram ouvidas. Difícil não pensar se por trás daquela porta não estaria algum comediante. Mas era só a psicóloga Lilian Graziano atendendo a mais um paciente! O riso frouxo e a simpatia parecem justificar sua linha de estudo: a Psicologia Positiva – movimento científico da década de 1990 que, ao invés de focar nas disfunções do ser humano, preferiu olhar o lado bom da vida. Lilian é uma das precursoras do método no país e fundadora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento (IPPC), onde atua dando cursos e coaching sobre o tema. Uma mulher vaidosa, que escolheu a Psicologia como forma de agradecer o suporte que recebeu durante uma fase difícil em sua vida. Mas as tristezas não a abalam, e ela não titubeia na hora de responder que é muito feliz. Ah, e fica a dica: Lilian é uma ótima companhia para conhecer restaurantes em São Paulo. A gente comprovou!

Qual é a relação da Psicologia Positiva com a literatura de autoajuda?

O ponto em comum são os temas. Os temas que a indústria da autoajuda tratam são exatamente iguais aos temas que a Psicologia Positiva trata. Gratidão, perdão, otimismo, esperança, fé, virtude, caráter… Agora, o que diferencia ambos é o método cientifico. Quando o psicólogo norte-americano Martin Seligman fundou a Psicologia Positiva, inaugurou a preocupação em compreender o lado funcional do ser humano. Ou seja, trouxe esse rigor científico pra temas que a autoajuda aborda. É muito diferente eu escrever um livro e afirmar alguma coisa a partir da minha cabeça. Ou então falar de um tema baseado em dados empíricos, em pesquisas experimentais. A ciência é limitada pra compreender o fenômeno humano, principalmente o psíquico, mas é a melhor coisa que a gente tem. O físico alemão Albert Einstein já dizia que a ciência chega a ser limitada e infantil. No entanto, é a melhor coisa que a gente tem.

Ainda falamos de um movimento científico pouco difundido?

Se você parar para pensar, ele não é pouco difundido. Primeiro porque a Psicologia Positiva tem redes de pesquisa por todo globo. Tem no Japão, Índia, Austrália, Europa, América do Norte. Nos Estados Unidos há mais de cem cursos. A Psicologia hoje desbancou o curso de Introdução à Economia, passando a ser a disciplina mais disputada da Universidade de Harvard, que é a melhor universidade do mundo. Então ela não é um método pouco divulgado, ela (Psicologia Positiva) é muito divulgada. Só que ainda está combatendo uma cultura de décadas: a de olhar para as coisas negativas e disfuncionais do ser humano. A Psicologia Positiva representa uma mudança de mentalidade. E toda mudança de mentalidade ocorre de maneira lenta. Até porque as pessoas resistem ao novo. Os maiores combatentes da Psicologia Positiva são as pessoas que não a conhecem. Elas falam: “A Psicologia Positiva prega o ser “Pollyanna” (novela infanto-juvenil escrita em 1915 por Eleanor H. Porter). Ela não olha para aquilo que tem de ruim”. Quando uma pessoa começa a falar esse tipo de coisa, você vê que ela só ouviu o nome Psicologia Positiva e concluiu o que seria. Na hora em que conhece a ciência de fato, fica maravilhada. Mas temos muito o que fazer ainda, sem dúvida. Em termos de divulgação, ainda tem um bom caminho pela frente.

Lilian_Graziano é fundadora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento (IPPC).

Estamos falando de um modelo capaz de auxiliar no tratamento da síndrome de Down?

Sem dúvida. Talvez seja uma maneira muito inclusiva de ver, mas a Psicologia Positiva não trata um paciente com Down de forma diferente de qualquer outro paciente que entra no consultório. Nós acreditamos que todas as pessoas têm limitações. Eu não preciso ter Down para ter limitação. Eu sou cheia de limitações. E o foco de um tratamento baseado na Psicologia Positiva é olhar para as limitações, sim, mas mais do que isso: é descobrir junto ao terapeuta quais são os meus recursos ou o que tenho de melhor a oferecer. É por meio destas minhas forças pessoais que terei as ferramentas para compensar alguma limitação.

No contexto da Psicologia Positiva, o que é felicidade? E qual a diferença entre alegria, prazer e bem-estar?

Felicidade, no conceito científico, é um bem-estar subjetivo. É uma avaliação que o sujeito faz da sua própria vida, e que inclui um predomínio das emoções positivas em detrimento das negativas. O que não significa que elas [emoções negativas] não existam. Isso é um aspecto muito importante. Então são baixos índices de humores negativos e altos níveis de satisfação com a vida. É nesse balanço que você chega à conclusão se você é mais ou menos feliz. Já alegria e o bem-estar são um tipo de prazer. São emoções positivas que fazem parte da felicidade, mas não são o mesmo que felicidade. E daí tem uma confusão tremenda porque, na sociedade de consumo, prazer é vendido sob o rótulo de felicidade: “Tome este refrigerante e você será feliz”, “Faça compras no nosso supermercado, que aqui é lugar de gente feliz”, etc. Como se a coisa fosse assim simples. As pessoas em geral acabam confundindo prazer com felicidade. E por que isso é um problema? Porque neurofisiologicamente falando, o prazer é efêmero por natureza. Ele acaba muito rápido. O mais alto prazer que a gente pode ter é pontual. Ele acaba. Eu gosto sempre de citar uma pesquisa feita com cobaias, um estudo experimental replicado várias vezes: os pesquisadores colocaram eletrodos no centro de prazer do cérebro de ratinhos. Toda vez que o ratinho apertava uma barrinha na gaiola, era dada uma pequena descarga elétrica no seu cérebro e isso simulava uma sensação de prazer. Sabe o que aconteceu com todas as cobaias testadas? Morreram. Morreram de inanição. Porque elas ficavam compulsivamente apertando a barrinha, que nem loucas. Esqueciam de comer, beber água, de dormir, de fazer sexo. Elas ficavam enlouquecidamente apertando a barrinha até a morte.

O prazer pode então ser maléfico?

Nosso cérebro tem uma característica que é chamada de habituação. A primeira vez que a gente tem uma experiência de prazer nova, a descarga de neurotransmissores que acontece no nosso cérebro é muita inusitada. Traz uma sensação de prazer muito intensa. Só que nos habituamos a esse estímulo. Ou seja, quando tentamos repetir a experiência, já não sentimos a mesma coisa. O Seligman [fundador da Psicologia Positiva] tem uma metáfora no livro “Felicidade Autêntica”, que é o melhor livro que ele já escreveu. Ele diz que a primeira colherada de um sorvete de baunilha nunca é igual à segunda, que nunca é igual à terceira. Da quarta em diante, você só está acumulando caloria. É mais ou menos isso. O prazer neurofisiologicamente está fadado a ser limitado. Não é que eu não tenho que ter prazer na vida. O prazer é uma emoção positiva, genuína, faz parte da felicidade. E o que fazer para lidar com essa habituação? Você tem que usar seu autocontrole. Você tem que intercalar momento de prazer, com não-prazer. Usar seu autocontrole para não ser vítima do próprio prazer. Só que em uma sociedade de consumo, onde o prazer é vendido, fica até mais legal chamar prazer de felicidade. E assim as pessoas acreditam que podem fazer shopping-terapia para ser mais felizes. Precisam muito comprar o carro do ano e falam “ai, estou muito feliz com o meu carro”. Confundem. Seu carro não traz felicidade, você pode estar satisfeito com ele. Mas ele não é capaz de trazer felicidade. Pelo menos não a felicidade que a ciência entende por tal.

Existe um caminho único para ser feliz?

O caminho não é único, mas certamente o começo é comum. E esse começo é o autoconhecimento. Não dá para você chegar a esse resultado [ser feliz], sem passar pelo autoconhecimento. Desde que o homem tem consciência sobre si mesmo, vem buscando meios de ser mais feliz. Provavelmente o próprio homem primitivo, quando inventou a roda, estava querendo ser mais feliz, tornar sua vida mais agradável. Isso é uma característica inerente ao ser humano. Agora, o interessante é que nem todo mundo está disposto a trabalhar pela sua felicidade. Você está disposto a ter o trabalho de dedicar-se a um projeto pessoal de felicidade? A mudar determinados circuitos cerebrais que fazem com que você seja uma pessoa, por exemplo, pessimista? Você esta disposto a descobrir aquilo que você tem de melhor a oferecer para o mundo? Descobrir suas qualidades, aquilo que a gente chama em Psicologia Positiva de “forças pessoais”? Você está disposto a investir o tempo necessário para descobrir o sentido da sua existência?

Todos possuímos forças pessoais para ser feliz?

Vou te dar um exemplo terrível. Eu sou muito resistente a fazer afirmações sobre celebridades, sejam elas boas ou más, pelo simples fato de que eu, como psicóloga, não posso falar nada de alguém que eu não conheça. Mas eu ouso sempre nos meus cursos citar uma celebridade do mal, que é o traficante Fernandinho Beira-mar. Eu tenho quase certeza que, entre as forças pessoais dele, consta a liderança. É meio óbvio. O cara consegue liderar o tráfico de drogas mesmo estando dentro de uma prisão. Ou seja, líder ele é. O que ele resolve fazer com essa qualidade, com essa característica, é uma outra questão. Todos temos habilidades, assim como temos limitações.

E como fica a luta de um pai na busca de tornar seu filho feliz? É uma busca tangível?

Totalmente. Só que temos que deixar muito claro que o pai não tem o poder de fazer isso. Ele tem uma influência, e essa influência deve ser explorada ao máximo. Em nossa cultura ocidental, tendemos a crer que basta apertarmos o botão certo que nossos filhos serão exatamente aquilo que a gente acredita que deveriam ser. Esquecemos que existem elementos que fogem ao nosso controle, como questões genéticas e de personalidade, que a criança já traz. Existem outras variáveis nessa equação que a gente não controla. Por outro lado isso não pode ser desculpa pra você falar “Ah, eu não posso fazer nada a respeito”. O que um pai tem que fazer? Ensinar, e educar seu filho pelo ponto de vista emocional. Não sei se você já parou para pensar, mas nós, pais, somos, em geral, muito zelosos em relação a formar os nossos filhos do ponto de vista ético, moral. O educar pra nós limita-se às questões ética e moral. O que é certo, o que é errado. Pouquíssimos pais educam os filhos do ponto de vista emocional.

O que é necessário fazer para educar o lado emocional de um filho?

Pequenas ações. O próprio Seligman descreve, no livro “Felicidade Autêntica”, uma dica. Ele começou a fazer um exercício quando a filha dele tinha 5 anos. Todas as noites antes de dormir, ele se deitava com a menina e a fazia pensar: ”Vamos pensar nas coisas bacanas que aconteceram no seu dia de hoje?”. Ela respondia: “Ah, eu tomei sorvete de chocolate e meu priminho veio aqui brincar, e nós jogamos água da mangueira um no outro”. E ele dizia: “Nossa que legal! Vamos agradecer à vida por ter proporcionado isso de tão bacana pra nós?”. Na primeira vez que eu li isso, tive vontade de ter filho de novo! Fiquei encantada como psicóloga, clínica e pesquisadora. Você imagina ser educado desde pequeno assim? O que você está fazendo? Educando a gratidão, no caso. Primeiro a percepção, ou seja, perceber as coisas boas. Segundo, o ato de ser grato por elas. Isso é educação emocional. Esse é só um exemplo. Existem outros exercícios pra desenvolver as emoções positivas, o autoconhecimento. Seu filho conhece o que ele tem de melhor a oferecer pro mundo? Você conhece o que o seu filho tem de melhor? Ou você fica olhando para as deficiências dele e apontando sempre pra elas? Isso não é educar.

Receber um diagnóstico inesperado, como a síndrome de Down, pode impactar a busca pela felicidade de um pai?

Depende do grau de resiliência desta pessoa. Não podemos minimizar o problema, a dor e o impacto de receber um diagnóstico de Down num filho que você acabou de ter. Por mais que a gente diga que não, criamos expectativas para nossos filhos: vai ser o mais lindo, o mais cheiroso, o mais inteligente, o melhor atleta. Receber uma notícia como essa é uma crise sob diversos pontos de vistas. O que chama a atenção é que algumas pessoas sucumbem a isso, se entregam a essa situação, e obviamente o problema se agrava. Outras sofrem o impacto, mas têm mais resiliência. Então, passado o susto, elas tem um poder de recuperação e de falar: “o que que dá pra fazer com essa situação?”. E reagem, e acabam sendo pessoas melhores do que eram antes. Aliás, não é só com diagnóstico de Down. Qualquer crise tem este impacto.

A crise é um sinal de algo não ocorreu conforme o planejado?

O que foi planejado? O que é dar certo? Planejado é corresponder às suas expectativas? Ou certo, por exemplo, é essa criança com síndrome de Down tornar-se um adulto feliz? Ser uma boa pessoa, um cidadão que tem uma parcela de contribuição na sociedade? Essa contribuição não é necessariamente financeira, produtiva. Que diferença essa pessoa fará no mundo? Dar certo significa eles serem felizes e serem boas pessoas. E é responsabilidade dos pais fazerem o melhor para isso.

Existe uma tendência natural do ser humano em focar no negativismo?

A gente tem uma tendência, sim. Essa tendência é ditada por padrões evolutivos da espécie, de olhar mais para as coisas negativas do que positivas. Imagine o seguinte: se nossos ancestrais tivessem saído das cavernas e olhado a florzinha bonitinha ao invés de olhar o tigre dente-de-sabre que se aproximava, provavelmente não estaríamos aqui hoje. Então, foi necessário este olhar primeiro para o tigre e depois para a flor, pra que sobrevivêssemos. Aliado a essa característica evolutiva, temos um padrão cultural muito presente nas famílias. A criança diz: “Mãe, tirei 8 na prova”. E a resposta: “Por que não tirou 10?”. Quando vem o 10: “Não fez nada mais do que sua obrigação”… Quer dizer, nunca está bom. Os pais – na melhor das intenções possíveis, pensando em educar – sempre apontam erros, deficiências. Tem também algumas pessoas que já nascem com esse viés negativista. Para mim, o mundo se divide em dois tipos de pessoas: aqueles que diante de um jardim enxergam uma flor e aqueles que diante do mesmo jardim enxergam o esterco. O futuro da humanidade depende muito mais da gente olhar para o positivo.

A crise é necessária para a felicidade?

Os obstáculos, a crise, o estresse são necessários para nosso desenvolvimento enquanto seres humanos. Nós precisamos do estresse, dos obstáculos da vida, para nos tornarmos pessoas melhores. São sempre oportunidades de nos tornarmos melhores. Algumas pessoas abraçam essa oportunidade, outras deixam passar. E o curioso é que quanto mais a pessoa se recusa a aprender a lição, mais a vida manda novamente: “Você não entendeu? Não anotou o recado? Então peraí que vou por novamente uma situação ruim na sua vida”. A ciência não explica isso, mas acho muito curioso observar.

As emoções positivas aproximam as pessoas, este é o caminho para uma sociedade mais inclusiva?

Sem dúvida. Existe um biólogo chileno, chamado Humberto Maturana, que não tem, até onde eu saiba, qualquer relação direta com o movimento da Psicologia Positiva. Mas ele fala uma coisa muito interessante.  Segundo ele, existem dois grandes tipos de emoção que dão sustentação às principais interações animais: aproximação ou afastamento. Para relações que visam o afastamento, a emoção fundamental é a agressão. Para as situações de aproximação, a emoção fundamental é o que ele chama de amor. Amor, para o Maturana, não tem nada a ver com o nosso amor romântico. Como biólogo, ele está chamando de amor a capacidade colaborativa entre indivíduos. E ele é contundente ao dizer que a sobrevivência da nossa espécie está no cultivo desse amor. Se não tivermos essa capacidade de colaboração, nós nos extinguiremos. Eu gosto muito desse olhar do Maturana. A Psicologia Positiva casa muito bem com essa visão. A meu ver, a gente pode substituir o que o Maturana chama de amor por emoções positivas, pois são elas que vão promover a aproximação. Estamos completamente interligados, todos nós.