’10 milhões de pessoas batendo panelas podem não mudar nada’, afirma Micah White, criador do Occupy Wall Street

29/05/2015 11:49 / Atualizado em 04/05/2020 17:27

Micah White, ativista social norte-americano, foi um dos criadores do movimento Occupy Wall Street, que questionou a desigualdade social e econômica a partir da ocupação do setor financeiro de Nova York, nos Estados Unidos. Os protestos começaram em 2011, se espalharam pelo mundo e o Occupy se tornou uma das mobilizações globais mais relevantes das últimas décadas.

Em 2014, White foi considerado uma das 37 pessoas mais influentes do mundo com menos de 35 anos pela revista norte-americana Esquire, ao lado de nomes como Beyoncé, Mark Zuckerberg e LeBron James. Ele é filósofo e PhD em mídia e comunicação e atualmente se dedica à Boutique Activist Consultancy, que orienta movimentos sociais.

“Os protestos precisam se reinventar e a inovação pode vir do Brasil”, afirmou White
“Os protestos precisam se reinventar e a inovação pode vir do Brasil”, afirmou White - Eugenio Goulart

Em visita ao Brasil a convite da Agência Gume, ele conversou com Catraca Livre sobre os protestos no Brasil, o futuro do ativismo e o poder da internet. Confira os destaques da entrevista abaixo.

Catraca Livre: O brasileiro tem fama de ser muito pacífico, de não reivindicar seus direitos. Recentemente as pessoas começaram a fazer panelaços nas janelas de seus apartamentos contra o governo e a corrupção. Existe até um aplicativo que faz o som da panela, então só é preciso apertar um botão. Estamos ficando preguiçosos demais?

Micah White: Movimentos sociais são compostos por essas apropriações de comportamento. De repente, todo mundo faz determinadas coisas para ser parte daquilo. A culpa é do próprio movimento, que pede para as pessoas fazerem coisas tão básicas. É preciso fazer uma transição dessas atitudes simples para outras mais elaboradas. Temos que esperar mais dos participantes. Isso tem a ver com a noção de que quanto mais gente, melhor. Como se 10 milhões de pessoas batendo panelas fossem mudar alguma coisa. Mas se você tiver 5 mil fazendo coisas mais complexas, como formar um partido político e ganhar eleições, ou fundar um negócio e reverter o lucro para o ativismo, pode ser muito mais efetivo. É que é muito mais apelativo criar algo simples que pode ser replicado por qualquer um, mas isso parece não ser suficiente.

O governo de Dilma Rousseff foi alvo de diversos panelaços nos últimos meses
O governo de Dilma Rousseff foi alvo de diversos panelaços nos últimos meses

CL: Podemos esperar algum tipo de mudança com essa estratégia?

MW: É difícil dizer, mas acho que essa história de bater panelas já foi bastante usada em outros países. Quanto mais você usa uma tática, menos efetiva ela se torna. No Occupy levou apenas dois meses para a ocupação daquele espaço não ser mais efetiva. Depois de um tempo todos os policiais nos Estados Unidos já sabiam como lidar com aquilo. Acho que é a mesma coisa com bater panelas ou qualquer outro comportamento repetitivo, simplesmente não vai funcionar. O desafio dos movimentos sociais é não ter apenas um comportamento, mas fazer coisas que possam de fato trazer mudanças. Esse foi o problema do Occupy: ocupar era o nome do movimento, era o que a gente fazia. Então a partir do momento que paramos de fazer isso, o Occupy deixou de existir. Então é preciso adotar novas táticas quando as atuais param de funcionar para continuar existindo, mas é muito difícil fazer isso.

CL: Muitos protestos recentes no Brasil não têm uma demanda específica, parecem ser “contra tudo isso que está aí”. Isso é comum em outros países?

MW: Sim, isso é uma coisa que muitos movimentos sociais têm em comum. Eles parecem surgir de um certo humor e se têm algum gatilho específico frequentemente é algo sem importância. Isso é comum ao longo da história. É possível observar que diversas revoluções começaram com eventos que pareciam irrelevantes, coisas quase acidentais que despertaram raiva nas pessoas. Então não acho que seja necessariamente uma coisa ruim [não ter uma demanda específica], é uma característica.

 CL: Que bom, a gente costuma ver isso como algo ruim por aqui…

MW: É como um jogo. A sociedade estabelece determinados parâmetros para legitimar os protestos. Primeiro eles dizem que você tem que levar milhões de pessoas para as ruas, que essas pessoas não podem ser violentas, que elas têm que vir de diferentes setores da sociedade e ter uma mensagem unificada. E se você tem tudo isso eles criam outra razão para explicar porque não funcionou. Mas nos protestos contra a guerra [do Iraque] em 2003 havia uma mensagem unificada e não conseguimos resultados concretos. Então é importante questionar esses parâmetros. Se você tiver milhares de pessoas nas ruas eles vão dizer que não deu certo porque não tinha demandas específicas. Se tiver demandas específicas eles vão dizer que é porque você não levou gente suficiente para a rua. Então é só um jogo.

 CL: Quem são “eles” a quem você se refere?

MW: Em parte é a própria sociedade e em parte somos nós mesmos, que queremos acreditar no ativismo para justificar todo nosso esforço, todo trabalho não remunerado. Você quer criar um movimento social grandioso, mas depois que faz isso e vê que não conseguiu mudar as coisas, começa a questionar o que de fato está acontecendo.

Em 2011, manifestantes ocuparam uma praça no coração do distrito financeiro de NY
Em 2011, manifestantes ocuparam uma praça no coração do distrito financeiro de NY - AP

CL: Aqui no Brasil a gente fala em “ativismo de sofá”, quando, por exemplo, muita gente confirma presença em um evento no Facebook, mas poucas de fato comparecem e se engajam com a causa. Qual é o segredo para fazer com que a sociedade de fato se envolva?

MW: As pessoas participam de protestos porque acreditam que eles vão funcionar. Então o segredo é convencer as pessoas de que aquilo vai dar certo. Ir a um protesto envolve uma série de riscos: ser preso, apanhar, perder seu emprego por se envolver com aquela causa. Quem tem uma certa idade e já acompanhou muitos movimentos sociais é esperto o suficiente para saber que só deve participar daquilo se valer a pena correr todos os riscos. Então quando acontece algo como o Occupy Wall Street ou os protestos de 2013 no Brasil valia a pena correr esses riscos porque as pessoas acreditavam que ia funcionar. É fácil culpar as pessoas que não participam dos protestos, mas nós, enquanto ativistas, é que deveríamos pensar na nossa responsabilidade. Porque estamos criando movimentos que as pessoas não acreditam que vão funcionar? Se fizéssemos isso veríamos todo mundo indo para as ruas.

 CL: Qual é o papel das mídias sociais nisso?

MW: Se você olhar a página do Occupy agora parece que ainda está rolando. Você pode postar fotos de 50 pessoas e parecer que são 5 mil. Na internet fica tudo mais bonito. Esse é um problema dos movimentos sociais e ativistas, eles gostam de mentir, inflar os números e contar uma história positiva porque não querem se sentir mal. Mas se a gente fosse um pouquinho mais autocrítico seria possível mudar as coisas.