Após 200 anos, Chaguinhas vive pelo clamor popular, mas segue esquecido pelo poder público
O enforcamento de Chaguinhas ocorreu no Largo da Forca, em 20 de setembro de 1821, que passou a ser conhecido como Liberdade
Texto do Guia Negro
Liberdade, liberdade, liberdade. Foi o que uma multidão gritou em 20 de setembro de 1821 ao ver a corda que enforcaria Francisco José Chagas arrebentar pela terceira vez. O cabo negro havia sido condenado à morte por ter liderado uma revolta pelo não aumento de salários. O enforcamento ocorria no Largo da Forca, que passou a ser conhecido como Liberdade após os gritos de súplica da multidão que assistia o ato. Chaguinhas não foi perdoado e foi morto a pauladas na frente de todos. Mas entraria para sempre no imaginário popular.
Ele está enterrado na Capela dos Aflitos, construída em 1779 e era parte do Cemitério dos Aflitos, em São Paulo, que funcionou entre 1775 e 1858 e era destinado a pessoas negras. Por lá, uma porta de madeira recebe papéis com pedidos de milagres para Chaguinhas e, para ser atendido pelo santo, que não é reconhecido pela Igreja Católica, cada pessoa bate três vezes na porta. Na capela, quadros retratam Chaguinhas embranquecido e sua história repassada pela oralidade não faz parte de livros, monumentos, nome de ruas ou praça no bairro da Liberdade.
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No último mês, a Prefeitura de São Paulo prometeu cinco novas estátuas de pessoas negras, para remediar o fato da cidade ter 367 monumentos e apenas sete homenagear negros. Chaguinhas não faz parte da lista que inclui: Carolina Maria de Jesus, Adhemar Ferreira da Silva, Itamar Assumpção, Madrinha Eunice e Geraldo Filme. “Nós ficamos surpresos de Chaguinhas não estar entre as personalidades negras homenageadas. Na Praça da Liberdade tem espaço para Chaguinhas. É uma memória importante. Precisamos fazer a Secretaria de Cultura ouvir o povo preto da Liberdade”, afirma Eliz Alves, diretora do Coletivo União dos Amigos da Capela dos Aflitos (Unamca) e membra do Grupo de Reza do Glorioso Chaguinhas.
Para ela, tudo que vai acontecendo na praça só vai promovendo maior apagamento da memória de Chaguinhas: “mudança de nome da praça para Liberdade-Japão, mudança de nome da estação para Japão-Liberdade e quando vai ter homenagem não lembram dele. Não há espaço para Chaguinhas?”, questiona ela, lembrando que há intenção de reconhecer a tradição de bater na porta da capela como patrimônio imaterial.
O presidente do Instituto Tebas de Educação Patrimonial, Abílio Ferreira, lembra que os 200 anos do enforcamento do Chaguinhas marcam uma necessidade de maior debate sobre sua história. “A instalação dessas novas estátuas não teve amplo debate. A história de Chaguinhas é super forte e precisa também ser ouvida”, acredita.
Homenagens
O Instituto Tebas e a Unamca lutam também para a implantação do Memorial dos Aflitos, que prevê a lembrança da história negra do bairro. O terreno destinado ao memorial fica ao lado da Capela, onde foram descobertas nove ossadas que faziam parte do cemitério em dezembro de 2019, quando o local recebia a obra de construção de um comerciante chinês. Procurada pelo Guia Negro para saber sobre proposta de construir estátua para Chaguinhas e o Memorial dos Aflitos, a Secretaria Municipal de Cultura não respondeu até o fechamento desta reportagem.
Chaguinhas é um dos personagens da Caminhada São Paulo Negra, organizada pelo Guia Negro. No domingo (19), o padre José Enes de Jesus e o Padre Luiz Fernando fizeram uma missa afro-brasileira em homenagem a Chaguinhas, que contou com a participação de integrantes da Irmandadade dos Homens Pretos, da velha guarda da Vai Vai, entre outros. Hoje a partir das 18h30 será realizado u cortejo em homenagem a Chaguinhas saindo da Câmara Municipal e terminando na Capela dos Aflitos.
Duzentos anos depois, Chaguinhas ainda vive pelo clamor popular, mas segue esquecido pelo poder público.