A câmera fotográfica é a ferramenta de Tina Gomes contra a depressão e a perda de sua filha; conheça sua história
Fotógrafa perdeu filha durante gravidez, sofre com dificuldades financeiras, físicas e psicológicas. Mas a luz do obturador é o caminho para uma vida nova
Tina Gomes, fotógrafa, 39, passou a madrugada pintando com tinta guache parte da parede de seu pequeno apartamento. O fundo laranja com plantas e folhas soltas pintadas de verde é o cenário de seu próximo ensaio.
Em um conjunto habitacional no extremo leste da cidade de São Paulo, no bairro Cidade Tiradentes (10km da estação Itaquera do Metrô), ela improvisou um pequeno estúdio fotográfico.
Isopor, barro, folhas secas, vela, farinha de trigo, tinta guache, papel celofane são alguns dos materiais utilizados na produção. Os modelos são seus filhos e vizinhos. Um computador improvisado é usado para edição.
Mais do que fotos e ensaios, o trabalho de Tina Gomes é um suspiro em meio à depressão, dificuldades financeiras, problemas físicos e psicológicos que ela enfrenta.
A luta diária de uma mulher que cuida de cinco filhos e encontrou na fotografia a esperança para uma vida nova.
E todas as suas emoções transbordam em suas fotos, personagens e cenários.
A sua primeira exposição vai acontecer no dia 3 de dezembro, no Conjunto Nacional, na avenida Paulista, com patrocínio do Instituo Europeu de Design (IED) e apoio da Galeria Sambaphoto e do Catraca Livre. Uma prévia da exposição acontece, a partir da segunda-feira, dia 24, em um espaço experimental de consumo, batizado de Loja ao Vivo, um misto de loja e espaço cultural, na Rua Harmonia. 661 na Vila Madalena.
De uma garagem de ônibus para a fotografia
Tina nasceu em Guarujá, cidade litorânea de São Paulo, onde viveu até os 19 anos até vir para São Paulo.
Ela trabalhou durante 10 anos em uma empresa de ônibus da zona leste. Por 2 anos, lavou as rodas dos veículos, trocou óleo por um ano e meio até tornar-se cobradora.
O trabalho duro e o excesso de tempo agachada e sentada no ônibus, fizeram com que ela desenvolveu a fibromialgia – uma doença caracterizada pro fortes dores musculares. Tina Gomes anda e senta-se com dificuldades, tem problemas na coluna e hiper flexibilidade no braço direito.
Quando a empresa de ônibus em que trabalhava faliu, ele viveu um dos momentos mais difíceis de sua vida. Estava grávida de 9 meses, não tomou cuidados durante a gestação e perdeu o filho por anencefalia.
“Eu simplesmente enlouqueci. Via estrelas, ia para a janela e queria pular para pegar a estrela”, lembra.
Ela passou a sofrer de complexo de inferioridade, ninguém conhecia a sua história. Nesse momento ela, que não gostava de computador encontrou na internet uma fuga para a realidade.
“Passei seis anos jogando Second Life. Foi navegando pela internet que comecei a me interessar pela fotografia”, revela.
Primeiro Ensaio
Tina Gomes conta que, apesar de todo o sofrimento ainda sentia-se bonita e resolveu fazer um ensaio fotográfico.
Ela começou a fotografar graças a um celular usado que comprou no ponto final do seu bairro.
Em seu primeiro ensaio “Fibromialgia – a dor silenciosa”, ela pousou para sua filha em seu quarto. As fotos, apesar de ruídas e com baixa qualidade, já mostravam todo o sentimento e expressão de Tina.
Estilo
Aos poucos, a artista foi criando um estilo próprio de fotografar. Ela não precisa de técnicas de fotometria para conseguir bons retratos.
“Eu defendo uma fotografia rústica e simples. Que qualquer um possa aprender, até uma criança”, comenta.
Em seu apartamento, ela espera a luz ideal para o que está querendo demonstrar. Depois, utiliza softwares de edição de imagem para criar os efeitos desejados.
Sem saber, ela utiliza as ferramentas digitais a favor de suas emoções e, de certa maneira, democratiza a fotografia.
“Todo o meu trabalho é realizado com materiais que encontrei na rua. É voltado para quem é pobre mesmo”, concluí.
Repercussão e futuro
As fotografias de Tina Gomes tiveram grande repercussão na internet. Seu Facebook não para. São mensagens de fãs de diversos locais do Brasil e do mundo.
“Faço questão de responder todos. Eles fazem eu me sentir importante. Que estou contribuindo para algo”, comenta.
Apesar do recente assédio, a fotógrafa está preocupada em construir bases sólidas para o seu trabalho. “Não adianta eu estar bem e o meu vizinho não. Quero criar condições para trabalhar com crianças carentes”, diz.
A geladeira está vazia e seus filhos têm poucas roupas e materiais escolares. Mas Tina revela que não quer apenas dinheiro rápido.
Ela conta que seu sonho é construir um galpão, onde possa cuidar de muitas crianças e ministrar aulas de fotografia e produção com baixo orçamento.
“Eu tenho que fazer a câmera fotográfica e a tinta chegarem na mão deles antes do fuzil”, diz.