A merda que pode dar na democracia se Bolsonaro for reeleito

O presidente ataca as instituições, não respeita as liberdades individuais e segue na risca o script de golpe dos dias atuais

21/10/2022 10:55

Segundo turno está batendo na porta, dia 30 de outubro é logo ali. Vamos escolher o próximo presidente do Brasil na eleição mais polarizada desde a redemocratização do país nos anos 80. O presidente Jair Bolsonaro (PL) representa o que há de mais atrasado quando o assunto é democracia e, por isso, reelegê-lo para comandar a nação pode dar uma merda daquelas.

A merda que pode dar na democracia se o Bolsonaro for reeleito
A merda que pode dar na democracia se o Bolsonaro for reeleito

Não é uma questão de achismo, é uma analise com base nas movimentações que ele fez ao longo do seu primeiro mandato, as declarações que deu e os tipos de bandeiras que endossou e apoiou neste período.

Bolsonaro, por diversas vezes, colocou em cheque a idoneidade do processo eleitoral brasileiro – um dos mais modernos e confiáveis do mundo -, fez ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF), corroborou com a ideia de fechamento do Congresso Nacional e defesas de intervenção militar no país.

Ao longo desses quase quatro anos de mandato, manifestações de apoio ao presidente saíram diversas vezes às ruas defendendo essas bandeiras, completamente antidemocráticas, que desrespeitam todos os brasileiros, mas principalmente, não honram a vida daqueles que morreram lutando para que o Brasil voltasse a viver sobre os pilares da democracia: eleições diretas para os representantes, paridade de voto e liberdade de expressão.

No 7 de setembro do ano passado, Bolsonaro estava folgado e fez ataques diretos ao STF por exemplo. “Ou o chefe desse Poder enquadra o seu [ministro] ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”, disse o presidente em recado ao então presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, em referência às recentes decisões do ministro Alexandre de Moraes contra bolsonaristas. “Não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos Três Poderes continue barbarizando a nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil”, prosseguiu Bolsonaro.

Manifestação antidemocrática no 7 de setembro de 2022 em São Paulo
Manifestação antidemocrática no 7 de setembro de 2022 em São Paulo - Reprodução/redes sociais

Este ano, diversas vezes Bolsonaro colocou sob suspeita o sistema eletrônico de votação. Numa delas, em abril, ele repetiu que haveria uma “sala secreta” em que se centraliza a apuração dos votos —alegação rebatida pela corte eleitoral. Ele ainda propôs que as Forças Armadas atuem no processo eleitoral fazendo uma espécie de dupla checagem da apuração feita pela corte competente. “Não se fala ali em voto impresso. Não precisamos de voto impresso para garantir a lisura das eleições, mas precisamos de ter uma maneira —e ali naquelas nove sugestões existe essa maneira— para a gente confiar nas eleições”, afirmou.

As declarações dele que colocam sob suspeita o processo eleitoral brasileiro são falsas e os resultados de todas as eleições realizadas desde sua implementação são confiáveis, segundo especialistas.

Liberdade de expressão

Bolsonaro tem dificuldade em respeitar a liberdade de expressão quando ela não expressa a opinião dele. Um levantamento feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) mostra que o presidente atacou a imprensa em pouco mais da metade (54%) das mensagens feitas sobre os meios de comunicação e comunicadores, em suas redes sociais, entre 1º de janeiro de 2021 e 5 de maio de 2022

De acordo com a Abraji, a família Bolsonaro lidera os ataques contra a imprensa, ao lado de aliados e apoiadores do governo que formam uma rede de disseminação de ódio e deturpações da realidade. “Os atores políticos instigam a hostilização, seus seguidores a amplificam. Os ataques se espalham e se fortalecem por meio de redes articuladas ou semi-articuladas”, afirma a associação. “Essa rede é, sobretudo, formada por figuras conhecidas no cenário político nacional, ocupantes de cargos públicos e eletivos, e influenciadores com milhares de seguidores no Twitter”, diz.

Ou seja, Bolsonaro, na prática, está, junto com seus apoiadores, numa rede sólida que trabalha para descredibilizar o trabalho jornalístico sério no Brasil.

Manifestação pela democracia
Manifestação pela democracia - © Tomaz Silva/Agência Brasil

O presidente tem ódio da imprensa e só pode ser pelo incansável trabalho que realizamos diariamente para desmentir as fake news que ele e seus núcleo político propagam o tempo inteiro.

O caso mais emblemático dessa relação é o ataquesde Bolsonaro à jornalista Vera Magalhães da TV Cultura, durante o atual processo eleitoral. No primeiro debate do 1º turno das eleições presidenciais, a jornalista questionou o presidente sobre a cobertura vacinal no país. Em resposta, Bolsonaro declarou que a apresentadora era “uma vergonha para o jornalismo brasileiro”.

No primeiro debate do 2º turno, o chefe do Executivo reencontrou Vera e desta vez, porém, o presidente mudou a postura: ao ser questionado por ela se mudaria a composição do STF (Supremo Tribunal Federal) caso fosse reeleito, ele iniciou a sua resposta com “prezada Vera Magalhães, prazer em revê-la”, em tom irônico. A mudança de postura não aconteceu porque Bolsonaro resolveu respeitar a jornalista, mas sim porque a repercussão da forma grosseira e desnecessária com a qual tratou a profissional foi rechaçada de norte a sul do Brasil.

Liberdade de existir

Além de colocar na berlinda o Estado Democrático de Direito e a liberdade de expressão tentando silenciar jornalista, Bolsonaro ainda ameaça a liberdade de existir de diversos setores que compõe a população brasileira.

O atual governo e o seu maior representante têm dificuldade extrema em lidar com as formas de se viver, relacionar e ser que não estão enquadradas numa heteronormatividade cristã, que já não representa a totalidade do país há décadas – e, na verdade, nunca representou. O que mudou foi a evolução social que permitiu que as pessoas não precisassem mais se esconder por serem quem são, por gostarem do que gostam, por virem de onde vêm e por crerem no que quiserem.

  • Religião

O Brasil é um país multicultural e que tem uma população dividida em diferentes crenças religiosas. Porém, mesmo com toda essa diversidade, e Lula tendo sancionado, em 2007, a lei que criou o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, a intolerância religiosa ainda está MUITO presente.

No início da atual disputa eleitoral, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, compartilhou uma publicação que afirma que o ex-presidente Lula “entregou sua alma para vencer essa eleição”. O texto é acompanhado por um vídeo que exibe encontros do petista com lideranças de religiões de matriz africana.

Você pode estar pensando: “Ah, mas quem fez isso foi a Michelle, Bolsonaro não apareceu recentemente com discursos intolerantes às religiões”. E realmente é verdade, mas o que ele fez para que essas violências, como a de Michelle, deixassem de acontecer? Exatamente, nada. E isso é um problema: quem cala consente.

  • Sexualidade

Chega ser inacreditável que em 2022 a gente tenha que escrever um editorial para dizer que toda forma de amor vale a pena. Mas é isso, o retrocesso que Bolsonaro nos coloca é tamanho que é preciso defender o óbvio.

Bolsonaro já criticou a lei para criminalizar a homofobia. “Ninguém gosta de homossexual, a gente suporta”, afirmou ele no final dos anos 90. Um presidente que não respeita a liberdade individual das pessoas de se relacionarem com quem quiserem, como quiserem, não respeita a democracia no seu valor mais íntimo: a liberdade – tão defendida por ele no discurso.

O presidente já afirmou que os homossexuais “que têm que nos respeitar” e que a “minoria tem que se calar e se curvar à maioria”. A verdade é que ninguém tem que se curvar a ninguém, nós precisamos apenas respeitar as escolhas individuais uns dos outros.

Politicamente, o principal do discurso de ódio do presidente é o endosso a comportamentos agressivos e intolerantes às minorias no nosso país. Não reconhecer o direito das pessoas de serem como quiserem  faz do Brasil hoje ser o país que mais mata pessoas transexuais no mundo, faz com que casais do mesmo sexo apanhem nas ruas, apenas por se amarem e faz com que homossexuais morram por violência só porque existem – e isso é intolerável.

Precisamos de um presidente que respeite as pessoas em sua totalidade e que contribua para uma ação mais tolerante e democrática. Isso o Bolsonaro não consegue – e não consegue porque não quer.

  • Gênero

A violência de gênero de Bolsonaro não é novidade. Ele já foi sexista, misógino e agressivo com mulheres publicamente diversas vezes. Defender a igualdade entre homens e mulheres na vida privada e na vida pública é uma questão moral e de princípios.

Porém, Bolsonaro é tão machista que consegue juntar homofobia e misoginia numa única declaração. Ele já afirmou que o Brasil não poderia ser um país de turismo gay, mas que “quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade”. A declaração, além de homofóbica e misógina, é também uma apologia à exploração sexual de mulheres.

Bolsonaro não respeita a condição feminina e, em vez de valorizar as mulheres por gerarem vidas, ele as trata como prejuízo ao patrão e ainda é contra trabalhadores e trabalhadoras terem direitos. Numa entrevista ao portal Zero Hora, Bolsonaro afirmou que é difícil ser patrão no Brasil, com “tantos direitos trabalhistas”. “Quando o cara vai empregar, entre um homem e uma mulher jovem, o que que o empregador pensa? ‘Poxa, essa mulher aqui tá com aliança no dedo, não sei o quê, ela vai casar, é casada, daqui a pouco engravida, seis meses de licença-maternidade, bonito para c*, para c*’. Quem que vai pagar a conta? É o empregador”.

O machismo é tanto que ele não liga, mesmo, de proferir falas criminosas. “Jamais ia estuprar você, você não merece”, disse ele em 2014 se referindo à deputada federal Maria do Rosário (PT-RS). “Ela não merece porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece”, disse Bolsonaro. Ele foi condenado por danos morais por ter proferido tamanha barbaridade.

Ele também já disse que ter uma filha mulher foi uma ‘fraquejada’, e mais recentemente vimos sua atuação política para lesar as pessoas que menstruam. Em 2021, Bolsonaro vetou trecho de uma lei que distribuiria absorventes de forma gratuita para pessoas em vulnerabilidade social. Ele alegou não haver previsão orçamentária no Projeto de Lei para custear a medida. Meses depois, após muito desgaste político pela decisão, no Dia Internacional da Mulher de 2022, ele deu um passo para trás e sancionou um decreto viabilizando a ação.

São muitas demonstrações de um homem que não vê mulheres com igualdade, que não respeita a condição humana de mulheres e faz discursos como esses citados acima. Bolsonaro endossa comportamentos misóginos que podem influenciar no alto índice de feminicídios no Brasil, e crimes com violência de gênero.

  • Raça

Bolsonaro não se sente superior apenas às mulheres, ele também se acha superior ao povo negro. O presidente faz piadas racistas e faz questão de dizer que bandido bom, é bandido morto, sem qualquer preocupação com o que há por trás de frases como esta, como por exemplo: o fato da maioria das pessoas presas no Brasil serem negras e o quanto o encarceramento é seletivo no país.

Falas racistas sobre pessoas negras e indígenas são corriqueiras na voz do presidente e alguns exemplos ficaram marcados na história. Como em 2017, antes de ser eleito, quando ele afirmou que “negros são pesados em arrobas”. “Fui num quilombola em Eldorado Paulista e o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas”, disse em palestra no Rio. Arroba é a medida usada para pesar gado. Em 2020, ele Bolsonaro disse durante uma de suas lives que “os índios estão evoluindo e cada vez mais são um ser humano”.

E ele não para. Em agosto deste ano, apenas dois meses atrás, numa entrevista ao Flow Podcast, Bolsonaro foi tentar se defender das acusações de racismo, mas só disse atrocidades. O presidente relembrou a época em que estava no Exército, contou que entrou na água para salvar um homem negro que estava prestes a se afogar em uma lagoa. Segundo ele, se sua mentalidade fosse racista, ele teria deixado o soldado morrer. O apresentador Igor Coelho rebateu logo que Bolsonaro terminou de falar e sua resposta nos representa: “Só o jeito que o senhor contou essa história já é motivo para te chamar de racista”. Veja com seus próprios olhos:

Bolsonaro é contra as cotas raciais, sistema de reparação histórica que permite diminuir a paridade de salários entre brasileiros negros e brancos. Cota não determina capacidade, cota determina oportunidade. Enquanto o presidente propaga um discurso meritocrata fajuto, as políticas de ação afirmativa mostram que depois de ter acesso aos mesmos professores e estrutura, o aluno de baixa renda, pobre e negro tem o desempenho tão bom ou melhor do que os brancos abastados. As pessoas precisam de oportunidades.

Não é possível que 56% da população do Brasil seja negra – segundo dados do IBGE – e termos um presidente racista. Não seria possível nem se a população negra fosse menor que 1%, mas mais da metade do nosso povo é desrespeitado diariamente em vez de termos políticas para reduzir desigualdades, e isso precisa ser reparado.

  • Nordestinos

O preconceito é uma marca registrada de Bolsonaro. Ele gosta de ser preconceituoso – o presidente, até agora, só passou pano para assassino, pedófilo e corrupto. Com esse perfil, ele não perdeu a oportunidade de destilar seu ódio contra o povo nordestino. Nascido no sudeste, Bolsonaro se comporta como se a região tivesse alguma superioridade.

Mais recentemente, ele resolveu associar a estrondosa votação de Luiz Inácio Lula da Silva na região nordeste ao analfabetismo. “Lula venceu em 9 dos 10 estados com maior taxa de analfabetismo. Você sabe quais são esses estados? No nosso Nordeste”, apontou Bolsonaro durante transmissão eleitoral em seu canal no YouTube, no último dia 5.

“Não é só taxa de analfabetismo alta ou mais grave nesses estados. Outros dados econômicos agora também são inferiores na região”, prosseguiu alimentando ainda o “efeito manada” entre seu eleitorado, que desde o primeiro turno está atacando nordestinos nas redes sociais.

Bolsonaro insufla o ódio e o preconceito cm mentiras descaradas. Ele disse “esses estados do Nordeste estão há 20 anos sendo administrados pelo PT”. Porém, o governo petista mais antigo do Nordeste é o da Bahia (desde 2007). É mentira que o Nordeste esteja sendo administrado há 20 anos pelo PT, mas de qualquer forma, quando o PT era governo, o Nordeste cresceu mais do que a média do país. Entre 2003 e 2013, sob os Governos Lula e Dilma Rousseff, a região apresentava índice de crescimento de 4,1% ao ano, enquanto o país ficou na marca de 3,3%.

Em minúcias…

Bolsonaro é uma ameaça à democracia. Ele já declarou diversas vezes que prefere alternativas autoritárias e, como exposto acima, apoia violações de direitos básicos já conquistados por nós brasileiros. Na prática, ele é um político autoritário, mas que não exerceu um primeiro mandato autoritário. E só não fez isso porque as instituições no Brasil são fortes e até agora o mantiveram sob controle.

Porém num segundo mandato, as configurações do jogo são outras. Após o primeiro turno, sabemos que elegemos um Congresso Nacional ainda mais bolsonarista que o último. O problema disso é que ele tem mais facilidade para aprovar seus projetos que minam a democracia.

Vale destacar que, hoje em dia, as democracias não entram em colapso apenas pela violência, como acontecia durante todo século XX. A imagem de guerra, militares nas ruas, canhões, são cada vez mais obsoletas quando o assunto é golpes à democracia. Hoje, o que tem se tornado cada vez mais comum é o retrocesso democrático começando a partir de eleições, diretamente nas urnas;

Rodrigo Duterte (Filipinas),Viktor Orbán (Hungria) ou Recep Erdogan (Turquia) são exemplos disso. Figuras autoritária, assim como Bolsonaro, que foram legitimamente eleitas e aos poucos vão minando as democracias de dentro para fora, corroendo as instituições para se manterem no poder. Agora, a prática não tem sido mais um golpe militar direto. O que tem acontecido é uma corrosão lenta da democracia visando manter alguma legitimidade com a manutenção de algumas instituições, que na verdade já tiveram seus propósitos e funcionamento comprometidos.

Existe uma espécie de “formulazinha” do sucesso golpista. Primeiro, eles colocam as regras do jogo democrático em cheque – assim como Bolsonaro já fez questionando a confiabilidade das urnas nas eleições deste ano. Em segundo, vem a negação da legitimidade dos oponentes políticos – assim como o presidente faz a 4  anos disseminando fake news sobre seus opositores, como quando disse que Lula vai fechar igrejas. Em terceiro, temos o encorajamento da violência ou tolerância com atos violentos contra as liberdades democráticas, o que Bolsonaro também corrobora. E por quarto, querer restringir as liberdades civis dos oponentes, incluindo a mídia – lembra dos episódios citados acima da relação do presidente com os veículos de comunicação aqui no Brasil? Então, não é por acaso.

Bolsonaro não respeita nossas instituições democráticas, as ataca e as ameaça constantemente com falas golpistas e antidemocráticas.

O presidente também trabalha diariamente contra a credibilidade do trabalho jornalístico, com falas que remetem à censura e à tentativa de calar aqueles que apontam seu governo e forma de pensar.

Por fim, Bolsonaro não respeita a nossa liberdade de existir e age para nos colocar em caixinhas pré-moldadas que não nos representam.

Para a democracia seguir em frente e a nossa liberdade ser garantida, não podemos reeleger Bolsonaro presidente.