Acervo reúne expressões artísticas de imigrantes e refugiados
Ele estava sentado à frente do computador, digitando um documento e outro, quando uma menina de apenas 6 anos se aproxima e comenta:
– Nunca imaginei que um negro pudesse mexer em um computador.
Assustado com o comentário, mas vendo que era apenas uma menina, ele sorriu e tentou explicar que todos, independente de raça, cor ou classe social poderiam fazer isso.
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“Eu fiquei imaginando o que ela ouviu, de seu pai e de sua mãe, dentro de casa, para formular uma pergunta como aquela! O racismo é pior do que achamos. É algo que vem do coração. Sou ser humano, antes de ser imigrante, negro ou ter qualquer outra raça”.
Foi assim que Adama Konate, natural do país de Mali que vive no Brasil há quase 4 anos, arrancou de nós um silêncio constrangedor. Constrangedor por fazermos parte de um Brasil miscigenado e que se vende como tal; mas joga o racismo para debaixo do tapete – um racismo impregnado na nossa cultura, dentro de casa, nas ruas.
“Nas escolas e nas universidades o que vemos? Diretores, professores e secretários brancos; quem faz parte de serviços gerais ou limpeza é negro. Como conceber que a cada 7 mortes pela PM, 6 são de negros, em um país em que mais de 50% é afrodescendente? Eu sou imigrante, mas sou branca. Mas eu, como europeia, branca, classe média sou considerada expatriada. Então, por que o negro será sempre considerado imigrante?”, lança Cristina de Branco, em meio ao debate que aconteceu após assistirmos a quatro filmes de curta-metragem sobre o tema “Imigrantes e Racismo”. Mesma discussão em que Adama falou sobre o racismo que vive todos os dias, sendo um imigrante, africano, negro e morador de São Paulo.
O cine-debate foi promovido pelo projeto Visto Permanente, acervo vivo com registros audiovisual que representam a expressividade criativa e artística de comunidades imigrantes. Nos mais de 40 vídeos presentes no acervo virtual, há músicos, artistas plásticos, dançarinos e outros grandes talentos retratados pelas lentes de Cristina de Branco e Miguel Dores – ambos são de Portugal e vivem há 3 anos no Brasil – e do paulista Arthuro Alves. Juntos, eles fazem parte do coletivo Viramundo, que desde 2015 contribui para a visibilidade do imigrante por meio da sua arte e da sua cultura, como forma de direito à cidade e à cidadania.
Todos se conheceram quando trabalhavam como ativistas no Cineclube Latinoamericano dentro do Memorial da América Latina. Cristina já havia trabalhado durante cinco anos com imigrantes, na área de produção artística e cultural; na época estava concluindo o mestrado de Antropologia Visual. Miguel é da Literatura e começou a se envolver com a causa imigrante aqui no Brasil. Já Arthuro, formado em Audiovisual, aprendeu com o Visto Permanente a importância da causa imigrante. “Há pouco tempo não me interessava sobre isso, via os imigrantes na rua, mas estava desligado – sempre fui voltado à minha própria cultura. Aquela de não olhar para o próximo. Foi com o Visto Permanente que comecei a entender melhor o que envolve os imigrantes”.
Nesse bate-papo que aconteceu após o cine-debate, dentro do espaço do Coletivo Digital – ONG que há 11 anos promove ações de inclusão digital – conversamos sobre a desconexão do Brasil em relação às culturas hispano-americanas, a dificuldade de os imigrantes conseguirem seu direito à cidade e o os planos para o Visto Permanente.
Confira a entrevista na íntegra no Cidade Lúdica aqui.