AfroMapa: universitárias desenvolvem site de combate ao racismo
Universitárias de Santa Maria (RS) desenvolvem ferramenta interativa de denúncia e combate ao racismo ganha aliado na internet; saiba como participar
– O Brasil tem a segunda maior população negra do mundo, atrás apenas da Nigéria
– Salvador (BA) é a cidade com a maior população negra do mundo (fora da África)
– Mais da metade da população brasileira se declara negra.
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Apesar de todos os indicativos reforçarem que o Brasil é um país predominantemente negro, nada muda o fato de um jovem “de cor” ser assassinado a cada 23 minutos pelas periferias do Brasil.
Ou pouco se fala (e faz) a respeito do racismo estrutural que, historicamente, exclui a população negra desde a maternidade, passando pelas salas de aula ao “seletivo” mercado de trabalho – capaz de segregar uma oportunidade de emprego baseada na cor da pele do candidato.
E neste decadente cenário racial surge o projeto AfroMapa, idealizado por estudantes do curso de tecnologia em Geoprocessamento da Universidade Federal de Santa Maria (RS), com o objetivo de mapear casos de racismo e injúria racial em todo Brasil.
A ideia surgiu entre as estudantes Amanda Bittencourt, Ntidandara da Silva, Eliziéle Paroli e Pâmela Aude Pithan, e conta com participação do Professor Lúcio de Paula Amaral. Lançado em abril, o projeto ganhou página no Facebook e, passados quatro meses, reúne centenas de seguidores e colaboradores.
“Você pode inserir no mapa um ponto sobre o lugar onde ocorreu o fato, podendo adicionar uma descrição do evento, selecionar uma categoria, e ainda, se quiser, adicionar uma foto. As informações fornecidas serão postadas de forma anônima. Conte as suas histórias ! Não podemos permitir que os crimes de ódio permaneçam invisíveis”, ressalta o texto de apresentação na rede social.
Sobre o projeto, o Catraca Livre trocou uma ideia com as idealizadoras para falar da proposta, motivações e casos recentes que reacenderam o debate sobre racismo no Brasil. Confira a entrevista:
CL – Todo ano, 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são assassinados. São 63 por dia. Um a cada 23 minutos. Neste cenário marcado pelo genocídio da população negra, qual a importância do projeto AfroMapa?
AfroMapa: “Ser negro e pobre no Brasil sempre foi mal visto. Basta lembrarmos que desde o período da abolição, os negros nunca tiveram acesso a políticas adequadas de inclusão na sociedade, e que quando não quiseram mais ser tratados como escravos foram vistos como preguiçosos, não conseguiram bons empregos;. Sem condições de pagar moradias nos centros, acabaram fixando-se em moradias nas periferias das cidades.
No Brasil sempre tivemos um alto índice de homicídios, porém nunca foi tão grande e alarmante o número de crianças e adolescentes. Se lembrarmos do histórico que temos onde o negro é considerado como marginal, desocupado, vemos que os atos que são cometidos hoje, só tiveram uma mudança no perfil dos mortos, por políticas que estão sendo adotadas agora de identificar os assassinatos por cor, evidenciando o que antes só se imaginava.
Neste contexto, o AfroMapa surge no sentido de que atos de racismo e injúria racial não sejam mais praticados sem ser vistos, sem que ninguém saiba o que ou onde ocorreu. Surge como uma plataforma capaz de expor os locais e estabelecimentos onde tais atos ocorreram, fazendo com que os mesmos se responsabilizem, e ajudem a coibir atos que possam vir a se tornar violentos, resultando na morte de mais jovens negros”.
CL – Recentemente, casos de injúria racial ganharam destaque nas redes sociais em episódios que envolveram pessoas públicas (Maju e Taís Araújo). À medida que práticas racistas se multiplicam na internet, campanhas expõem o preconceito de um país que ainda carrega as heranças do racismo para os dias atuais. O que representa as redes sociais neste cenário de embate e contestação?
AfroMapa: “Infelizmente, casos de injúria racial costumam chamar a atenção da mídia brasileira apenas quando figuras públicas são envolvidas. É claro que todo o tipo de visibilidade para as causas raciais é bem-vinda, este projeto apenas questiona a falta de atenção a ocorrências diárias de discriminação contra a população negra e pobre, moradora das periferias brasileiras, que não possui o amparo dos grandes veículos de comunicação.
Quanto a utilização das redes sociais, é muito importante o uso desse tipo de mídia para divulgação de casos de discriminação racial. Hoje, uma notícia pode se tornar “viral” em minutos, e ser acessada por milhares de pessoas ao redor do mundo.
Ao mesmo tempo que muitas pessoas as utilizam para propagar conceitos racistas, esse tipo de poder pode ser um grande aliado na nossa luta contra a discriminação. E é justamente neste contexto que surge o AfroMapa, utilizando a eficácia da internet para expôr locais onde pessoas reais foram vítimas destes casos”.
CL – Onde são os lugares em que mais se registram episódios de racismo? Denunciar os responsáveis pode ajudar a coibir este tipo de comportamento ?
AfroMapa: “De acordo com a Secretaria de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial, o número de denúncias de racismo dobrou nos últimos anos. Casos de racismo e injúria racial, independentemente da fonte e/ou do alvo, sempre serão vistos como atos não apenas criminosos, mas também desumanos e sórdidos.
Existe a Lei 7.716 em que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” ou seja, é determinada a pena de quem, de modo discriminatório, recusa o acesso a estabelecimentos comerciais (um a três anos), impede que crianças se matriculem em escolas (três a cinco anos), e que cidadãos negros entrem em restaurantes, bares ou edifícios públicos ou utilizem transporte público (um a três anos), praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia (um a três anos).
Então a lei existe, mas só pode ser efetiva se tiver denúncias, se não nos calarmos quando esses atos são cometidos.
Até o momento os lugares no AfroMapa onde mais se registraram denúncias foram em locais públicos, como por exemplo, uma instituição de ensino, restaurante, vias públicas, clube e até mesmo em supermercados, onde há dois pontos em estabelecimentos distintos.
Devemos denunciar os responsáveis, devemos expor os casos de preconceito racial que existem no dia-a-dia e que muitas vezes são mascarados. Devemos acabar com o mito que o racismo não existe, e mostrar que não é “a sociedade que está chata”, que não é “vitimismo” da população negra.
A intolerância pode contribuir para o silenciamento do racismo e o AfroMapa foi criado para que esse silêncio não aconteça. Queremos mostrar esses casos, mapeá-los, gerar o debate. A exposição destes estabelecimentos pode sim gerar controvérsia sobre o tratamento diferenciado entre negros e brancos, evidenciando a discriminação presente no cotidiano e ainda assim oculta, e promovendo ações de combate a estes atos”.