Ana Julia, a jovem que foi a voz das ocupações estudantis em 2016
Aos 16 anos, Ana Julia Ribeiro representou o movimento dos estudantes secundaristas em discurso na Assembleia Legislativa do Paraná
- “Excelentíssimo senhor presidente, excelentíssimos senhores deputados e a todos os demais presentes, boa tarde. Eu sou Ana Julia, estudante secundarista do Colégio Estadual Senador Manoel Alencar Guimarães. Tenho 16 anos e estou aqui para conversar com vocês sobre as ocupações. A minha pergunta inicial é: de quem é a escola? A quem a escola pertence?”
Foi assim que Ana Julia Ribeiro iniciou o seu discurso na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), em Curitiba, em defesa das ocupações dos secundaristas em diversos estados do Brasil.
Ao falar sobre a legitimidade do movimento, frente a frente com os deputados, a jovem tornou-se a voz dos alunos que ocupavam as mais de mil escolas do país em outubro de 2016.
Marcado pela emoção e pelo nervosismo, o discurso engajado mudou a vida da adolescente em poucas horas. A repercussão daquele momento ultrapassou as paredes da Assembleia e atingiu milhares de brasileiros após um vídeo ser divulgado e viralizar nas redes sociais.
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Vestida com a camiseta de seu colégio, Ana fez os deputados, que no início mexiam no celular e não a olhavam, levantarem o rosto surpresos ao longo dos 10 minutos de sua exposição oral. “No final, estavam todos olhando para mim”, conta em entrevista ao Catraca Livre.
O movimento secundarista do ano passado começou uma luta por melhores condições para a educação depois da chegada do governo Temer e as previsões de cortes de investimentos nas escolas públicas com a PEC 241, uma proposta de reforma do Ensino Médio.
“A reforma na educação é prioridade, mas é uma reforma que precisa ser debatida, que todos estejam de acordo”, opinou a aluna durante a fala.
Livros e política
Ana Julia sempre frequentou o ensino público. Antes de seu atual colégio, ela estudava na escola Santo Antônio, localizada em Curitiba. De acordo com seu pai, o advogado Julio Pires, a filha despertou o gosto pela leitura logo aos 10 anos de idade.
“Ela dava conta de ler os livros rapidamente. Ficava lendo na cama até de madrugada”, afirma o pai. A estudante ainda assistia a muitos filmes, principalmente os que representam histórias verídicas, como “Olga”, “A Vida é Bela” e “12 Anos de Escravidão”.
Entre seus livros preferidos, estão “O Mundo de Sofia” e a coleção de “Harry Potter”. Quando tinha 12 anos, chegou a ler “O Príncipe”, de Maquiavel. “Além de ler, eu gosto de debater. Na própria escola, eu aprendo muito mais quando a aula é mais de oratória e conversa”, completa Ana.
A curitibana também tem interesse há algum tempo por temas relacionados à política e aos direitos. “Com 5 anos de idade, ela ficou radiante quando fez o documento de identidade. Da mesma forma, antes de fazer 16 anos, já estava ansiosa para tirar logo o título de eleitor e poder votar”, relata Julio.
Além disso, o pai diz que ela sempre foi uma menina muito espontânea e comunicativa. “Na pré-adolescência, tinha assuntos para conversar com pessoas bem mais velhas e gostava de falar sobre filosofia com os colegas. Ela me perguntou, por exemplo, quem foi Maquiavel, Gramsci, entre outros.”
O discurso
À época das ocupações, os alunos do Colégio Estadual Senador Manoel Alencar Guimarães fizeram uma assembleia e votaram pela adesão ao movimento.
Em seguida, Ana Julia foi escolhida pelos colegas para representá-los na frente dos deputados. “Sempre fico nervosa, mas me acostumei a apresentar trabalhos sem ler, apenas listando alguns tópicos, por isso aceitei. O próximo passo seria pensar no discurso.”
Uns dias antes, um jornal do Paraná havia publicado uma reportagem com os “6 fatos que os estudantes que estão ocupando as escolas não sabem”, o que revoltou a jovem.
“Então, eu fiz uma carta-resposta com os ‘6 fatos que o veículo e a sociedade não sabem sobre as ocupações'”, afirma. Este texto foi a base para ela organizar sua exposição na Assembleia Legislativa.
A estudante separou o texto por tópicos e pensou no que poderia falar em cada um deles. “Defendi as bandeiras de educação, as ocupações, o direito à liberdade política, entre outros assuntos. Foi tudo improvisado. Na realidade, muitas coisas que eu não havia imaginado saíram na hora.”
Naquele dia, Ana chegou à Alep com as pernas tremendo de nervosismo, mas persistiu e discursou por todos os secundaristas, e, principalmente, pelo futuro da educação do país. “A nossa única bandeira é a educação. Somos um movimento apartidário, dos estudantes pelos estudantes”, defendeu.
No trecho mais emotivo da exposição, ela afirmou que os deputados “têm as mãos sujas de sangue”, em referência ao estudante Lucas Eduardo Araújo Mota, de 16 anos, que foi morto em uma escola ocupada em Santa Felicidade, na capital paranaense.
Naquele momento, o presidente da Casa, Ademar Traiano (PSDB), ameaçou interromper a sessão por considerar a frase uma ofensa aos políticos.
A curitibana pediu desculpas e ainda citou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Eu peço desculpas, mas o ECA nos diz que a responsabilidade pelos nossos adolescentes, pelos nossos estudantes, é da sociedade, da família e do Estado”, rebateu.
Prestes a terminar sua fala, a jovem convidou os deputados a conhecerem a ocupação em seu colégio e refletiu sobre a importância da iniciativa. “O movimento estudantil nos trouxe um conhecimento muito maior sobre política e cidadania do que todo o tempo em que estivemos sentados enfileirados em aulas padrões.”
O final do discurso foi marcado por aplausos e gritos de “Ana Julia” por parte de todos os secundaristas que estavam no local. Sobre a repercussão do ocorrido, a paranaense diz que até hoje não sabe como lidou.
“Eu não disse nada demais, além do óbvio e da verdade”, afirma ela, ressaltando que não é ligada a coletivos, entidades e movimentos sociais. “Atuo de forma independente.”
Assista na íntegra:
Aprendizados e futuro
O envolvimento com as ocupações fez Ana Julia crescer, e muito. “É um crescimento pessoal muito grande, às vezes são coisas nem tão perceptíveis. Eu aprendi muita coisa, descobri muita coisa, fiz coisas que nunca imaginei fazer. Não tenho nem palavras para descrever”, diz emocionada.
Seu engajamento representou mais um passo para cursar a faculdade que deseja desde o começo do Ensino Médio. A estudante vai prestar o curso de direito no fim deste ano e pretende estudar na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Segundo seu pai, Julio Pires, há alguns anos Ana passou a se interessar por direitos humanos e decorou vários dos 30 direitos dispostos na Declaração Universal. Também se aproximou de questões sociais ligadas às mulheres, à comunidade LGBT e a outras minorias.
“Acredito que o direito me dá muitos caminhos, eu posso trabalhar em diversas áreas e realmente ajudar a sociedade. Eu penso em seguir a área acadêmica porque sempre quis ser professora”, finaliza a adolescente.
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