Apenas 2% dos monumentos de SP homenageia pessoas negras
Maior parte das estátuas de pessoas negras na capital paulista é pequena e as retrata de forma estereotipada
Por Guilherme Soares Dias, do Guia Negro
São Paulo tem 367 monumentos catalogados pelo Instituto Polis, dos quais apenas sete, ou 2% do total, retratam pessoas negras. Nenhuma das homenagens é, no entanto, de grande proporção, dá nome também à praça, bairro ou rua que se encontra e é amplamente conhecido pela população geral da cidade. O apagamento da história negra e a exaltação de figuras escravocratas, como a de Borba Gato, que teve a estátua incendiada no último sábado (24) é chamada de racismo do apartheid ou de racismo urbano. Isso porque a cartografia urbana marca a segregação social das pessoas e o urbanismo, na maior parte das vezes, não retrata a maior parte da população.
As homenagens refletem ainda as pessoas negras em situações subalternizadas, um dos estereótipos que o racismo estrutural designou aos negros no Brasil. É o caso do engraxate e jornaleiro, da Praça João Mendes, da faxineira, gari, jardineiro e copeira, da Praça Marechal Deodoro, e também da Mãe Preta, que representa uma de leite, no Largo Paissandu.
“Que histórias as cidades nos contam? Quem são as pessoas imortalizadas nos espaços públicos da cidade? O que elas simbolizam? Quais narrativas podemos ter sobre elas?”, questiona o Instituto Polis. Dos 367 monumentos, 200 retratam formas humanas, sendo 169 de homens. Ao todo, são 155 representações de pessoas brancas. Há quatro monumentos que homenageiam indígenas, a maior parte sem nome, como o pescador, o caçador e o índio e o Tamanduá. A exceção é Ubirajara, que fica no Belém, que representa a vitória do índio Jaguarê, depois conhecido como Ubirajara, contra Pojucã, no livro clássico de José de Alencar.
O Guia Negro listou os sete monumentos que homenageiam pessoas negras em São Paulo. Conheça:
1 – Luiz Gama
O jornalista, advogado e escritor Luiz Gama foi um dos maiores intelectuais do século 19, responsável por libertar mais de 500 pessoas escravizadas por meio de seu trabalho. Ele tem um busto no Largo do Arouche, na República, instalado em 22 de novembro de 1931, por iniciativa do Jornal Progresso, veículo da imprensa negra. Pequeno, o busto não representa Gama de corpo inteiro e não é visto de longe no Largo, que tem pelo menos uma dezena de monumentos. Gama é representado olhando de forma altiva para o lado direito, onde fica a Rua Rego Freitas, juiz que era uma espécie de algoz do advogado por não libertar pessoas escravizadas nos pedidos encaminhados por ele. A obra foi produzida por Yolando Mallozzi, com granito, bronze e betão. Trata-se do primeiro monumento público na cidade de São Paulo a prestar homenagem a um líder negro.
2 – Mãe Preta
Representa a ama de leite. Foi instalada em 1955 no Largo Paissandu, ao lado da Igreja Nossa Senhora Rosário dos Homens Pretos. A estátua foi sugerida pelo Clube 220, entidade que reunia a “família de cor” de São Paulo, por meio de seu presidente, Frederico Penteado. O monumento foi desenhado por Julio Guerra (1912-2001), artista descendente de família nobre que também projetou a estátua de Borba Gato. O monumento da Mãe Preta traz mãos, pés e seios enormes, contrapondo a uma cabeça pequena. A homenagem não retrata, portanto, a potência das mulheres negras. Nos últimos anos, flores e água são deixadas por populares. A Marcha das Mulheres Negras de São Paulo costuma terminar seus cortejos na imagem, assim como o bloco afro Ilu Obá de Min, que desfila na sexta-feira de carnaval. A estátua é também onde termina a Caminhada São Paulo Negra, da plataforma de afroturismo Guia Negro.
3 – O engraxate e o jornaleiro
Contando a féria ou O engraxate e o jornaleiro é uma escultura localizada na Praça João Mendes, em São Paulo. Foi criada por Ricardo Cipicchia e inaugurada em 1950. De acordo com o Wikipedia, a peça foi produzida em bronze, com um pedestal em granito. O trabalho em bronze foi realizado pela Fundição J. Rebeliato. Retrata duas profissões muito comuns na primeira do século 20 nas cidades brasileiras: engraxate e vendedor de jornais. Eram normalmente atividades desempenhadas por crianças e adolescentes negros, anônimos, que não ganhavam notoriedade. Dessa forma, ambos são retratados sem nome na homenagem.
4 – Zumbi dos Palmares
Com 2,2 metros de altura, a escultura apresenta o líder do Quilombo de Palmares em posição de alerta, portando uma arma de defesa chamada mukwale, símbolo de poder, usada por grandes guerreiros africanos. Pequena, a estátua passa quase despercebida na Praça Antônio Prado, onde foi instalada em 2016, para lembrar que ali foi um espaço importante para os negros da cidade, uma vez que foi o local da primeira Igreja Rosário dos Homens Pretos, retirada em 1903 pelo então prefeito Antônio Prado para dar lugar à Bolsa de Café, hoje B3 (antiga Bovespa).
5 – Gari, copeira, faxineira e jardineiro
Inaugurado em 25 de janeiro de 2011, o monumento foi uma oferta do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de Serviços de Asseio, Conservação e Limpeza Urbana de São Paulo (Siemaco), para a capital paulista. Obra do artista plástico Murilo Sá Toledo é constituído de quatro esculturas que representam algumas das categorias representadas pelo sindicato: o gari, a copeira, o jardineiro e a faxineira. Instaladas na Praça Marechal Deodoro, cada escultura de bronze mede 1,65m de altura e estão dispostas espalhadas em formato de “S”.
6 – Tebas
Joaquim Pinto de Oliveira, mais conhecido como Tebas, arquiteto que viveu no século 18 e foi responsável pela fachada de diversas igrejas de São Paulo e pelo primeiro chafariz público da cidade, é homenageado com uma escultura de 3,6 metros de altura e 1,5 metros de largura. Joaquim era tão bom no que fazia que ganhou do povo o apelido de Tebas, termo na língua quimbundo sinônimo de quem exerce seu ofício com louvor. O monumento foi projetado por Lumumba Afroindíngena e pela arquiteta Francine Moura e entregue em 20 de novembro de 2020. A obra fica na Praça Clovis Bovilaqua, integrada à Praça da Sé, em frente a Igreja da Ordem 3ª do Carmo, no centro de São Paulo.
7 – Carlos Marighella
Inaugurado em 1999 nos Jardins para identificar lugar da morte de guerrilheiro Carlos Marighella, a pedra virou ‘mictório de cães’ e é alvo constante de pichações, além de atos que celebram sua luta contra a ditadura. Na pedra, alta e de granito, há uma inscrição apagada. É preciso chegar perto para ler as letras impressas na superfície: “aqui tombou Carlos Marighella em 4/11/69, assassinado pela ditadura militar”. A homenagem ao guerrilheiro Carlos Marighella, um dos principais líderes da luta armada contra a ditadura, está na Alameda Casa Branca, 817, no Jardim Paulista.
Novas obras
O historiador André Luís Souza de Carvalho, especializado em História Social e Cultura Afro-brasileira e mestre em Educação, afirma que há “carência” na representação de monumentos que retratem o papel da cultura negra na sociedade. “O que temos é muito pouco. A memória é um campo de disputa. Toda a elite que vem construindo narrativa tem intenção de construir determinado tipo de memória. Eles negam, silenciam, reduzem a história do negro e da África”, explica. A baixa representatividade de personagens negros nas cidades do Brasil, é segundo o historiador, intencional. “Há uma negação na escola, nos livros didáticos e que ocorre não só nos monumentos, mas em nome de rua, de escola”, avalia.
Para tentar reverter a baixa representatividade de monumentos à pessoas negras em São Paulo, a vereadora Erika Hilton (PSOL-SP) apresentou o projeto de lei 466/2021 para a construção de estátua da escritora Carolina Maria de Jesus. A proposta ainda precisa ser votada e aprovada na Câmara de Vereadores, mas ressaltaria aquela que foi a primeira escritora negra traduzida para várias línguas e que retratou o cotidiano da favela, além de amores e poesias. O Alma Preta fez uma lista de 13 personalidades negras que poderiam ser homenageadas com monumentos na capital paulista.
Você conhece outras estátuas de pessoas negras em São Paulo? Que outras figuras acredita que deveriam ser homenageadas na cidade?