Após separar briga, professor denuncia racismo de pais de aluno

"Ele [responsável pelo aluno] apontou o dedo para o meu braço e falou: ‘mas também a corzinha não ajuda’", relatou o educador

16/06/2022 14:08

Um professor negro de 59 anos denunciou ter sofrido racismo por parte de pais de aluno após separar briga em uma escola de Aparecida de Goiânia, em Goiás. Sete dias depois do ocorrido, ele ainda se sente triste pela situação. “Foi uma humilhação”, contou o professor ao g1.

Após separar briga, professor denuncia racismo de pais de aluno
Após separar briga, professor denuncia racismo de pais de aluno - Arquivo pessoal

O caso aconteceu na última quarta-feira, 8, porém o professor só fez o boletim de ocorrência na segunda-feira, 13.

O g1 ainda entrou em contato com a Secretaria Municipal de Educação (SME) de Aparecida de Goiânia, que disse repudiar ” toda e qualquer forma de preconceito e injúria racial, porque acredita que os valores humanos devem se sobrepor a situações de conflito de qualquer natureza”.

“A Supervisão Escolar da SME, que é o departamento responsável por acolher e tratar desse tipo de situação, informa que já tomou conhecimento do ocorrido na Escola Municipal Da Paz, Jardim Florença, ouviu os envolvidos na situação, o pai e o professor, e busca o entendimento entre as partes”, comunicou a secretaria.

A pasta ainda ressaltou que “qualquer medida em âmbito judicial é de foro íntimo das pessoas envolvidas e serão de responsabilidade dos poderes constituídos”.

O educador, que dá aulas de educação física, relatou que o caso aconteceu depois de desentendimento entre dois alunos, que ocorreu na terça-feira, 7 de junho. De acordo com o professor, uma criança pegou no pescoço da outra e ameaçou apertar. Ao presenciar a situação, o professor falou ter separado os estudantes e chamado a atenção do menino que pegou no pescoço do colega.

“Nossa escola é muito rigorosa nesse sentido. Não deixamos que as brigas saiam para fora da escola. Com o ocorrido, brigamos com o menino, colocamos ele de castigo para não brincar no parquinho e pedimos para os alunos se desculparem”, explicou.

Após pedir para os alunos se desculparem, o professor disse acreditar que a situação já tinha se resolvido, até que, no dia seguinte, o chamaram na secretaria da instituição. Ao chegar, o educador já foi recebido com ofensas a sua cor da pele por parte do pai de um dos estudantes envolvidos na briga.

“Quando eu entrei na sala, ele olhou para mim e falou ‘A Princesa Isabel só libertou os escravos porque foi comida por um negão'”, contou o professor.

O educador ainda disse ter inicialmente acreditado que se tratava de uma piada sem graça, até que as falas racistas continuaram.

“Eu tentava explicar o ocorrido, mas ele não deixava. Depois ele apontou o dedo para o meu braço e falou ‘mas também a corzinha não ajuda’”, lembra.

Além da humilhação, o professor se sentiu ameaçado. Sua primeira reação, depois de sair da secretaria, foi ir para o banheiro e chorar.

“Fui para a casa triste, arrasado. Quando cheguei em casa, chamei meus filhos e os orientei que, se algum dia isso acontecer com eles, que eles acionem a polícia”, explicou.

Racismo é crime

Racismo é crime previsto pela Lei 7.716/89 e deve sempre ser denunciado, mas muitas vezes não sabemos o que fazer diante de uma situação como essa, nem como denunciar, e o caso acaba passando batido.

Para começar, é preciso entender que a legislação define como crime a discriminação pela raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, prevendo punição de 1 a 5 anos de prisão e multa aos infratores.

A denúncia pode ser feita tanto pela internet, quanto em delegacias comuns e nas que prestam serviços direcionados a crimes raciais, como as Delegacias de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), que funcionam em São Paulo e no Rio de Janeiro.

No Brasil, há uma diferença quando o racismo é direcionado a uma pessoa e quando é contra um grupo.

Racismo x injúria racial

Assim como definido pela legislação de 1989, racismo é a conduta discriminatória, em razão da raça, dirigida a um grupo sem intenção de atacar alguém em específico. Seu objetivo é discriminar a coletividade, sem individualizar as vítimas.

Esse crime ocorre de diversas formas, como a não contratação de pessoas negras, a proibição de frequentar espaços públicos ou privados e outras atividades que visam bloquear o acesso de pessoas negras. Nesses caso, o crime é inafiançável e imprescritível.

Quando o crime é direcionado a uma pessoa, ele é considerado uma injúria racial, uma uma vez que a vítima é escolhida precisamente para ser alvo da discriminação.

Essa conduta está prevista no Código Penal Brasileiro, artigo 140, parágrafo 3, como um crime contra a honra, sendo o fator racial uma qualificadora do crime.

É importante ressaltar que em casos de racismo, além da própria vítima, uma testemunha pode denunciar o crime. O mesmo não vale para o crime de injúria racial, pois somente a vítima pode se manifestar sobre o ataque na justiça.