‘Arma dá uma falsa sensação de segurança’, diz Guilherme Boulos
Candidato à Presidência da República pelo PSOL, ele participou do “O Brasil visto de Baixo”, organizado pela Casa do Baixo Augusta e Catraca Livre
Candidato à Presidência da República pelo PSOL, Guilherme Boulos foi o terceiro entrevistado do “O Brasil visto de Baixo”, ciclo de bate-papos com presidenciáveis organizado pela Casa do Baixo Augusta e pela Catraca Livre. Fernando Haddad (PT), vice na chapa de Lula, foi o primeiro entrevistado, em 13/8, e Alvaro Dias (Podemos), o segundo sabatinado, em 23/8.
O candidato respondeu a perguntas de Alê Youssef, Paula Lago, Gilberto Dimenstein e Marcelo Rubens Paiva, além de questões enviadas pelas redes sociais. Convidada, Djamila Ribeiro não pôde participar devido a um imprevisto. Entre os temas abordados no evento, Boulos fez críticas a Jair Bolsonaro, explicou as supostas cobranças de aluguel por parte do MTST, e pontuou suas políticas para a economia, cultura, educação e meio ambiente.
Confira as respostas do candidato aos assuntos do bate-papo:
Críticas ao candidato Jair Bolsonaro e falta de críticas na esquerda a países como a Venezuela e Nicarágua. Isso não é uma contradição?
Guilherme Boulos: Bolsonaro representa o retorno à Idade Média. A disputa com Jair Bolsonaro não é de esquerda contra direita, é de civilização contra barbárie. Ele representa um projeto de retrocessos sem tamanho. Estamos tratando de uma regressão história que eu acredito firmemente que o povo brasileiro vá saber rechaçar nesse processo eleitoral e ele sairá derrotada.
Em relação à segunda pergunta, dos exemplos da Venezuela e da Nicarágua, eu não tenho compromisso, pois não posso falar por toda a esquerda, com erro de ninguém. Não acho que o Brasil deva seguir nenhum modelo. Acho que o Brasil tem todas as condições, com a dimensão, a diversidade e o povo que tem, de construir seus próprios caminhos. Só acho que as coisas devem ser tratadas de uma maneira complexa. Não dá simplesmente para você dizer: Maduro é um ditador, Ortega é um ditador. Ambos foram eleitos democraticamente, mas as atitudes do governo deles nós podemos questionar.
Estamos em um processo de crise das instituições no Brasil. Democracia plena eu estou pra ver, aqui no Brasil inclusive, eu não considero que a gente viva uma democracia plena aqui. É uma democracia com um desequilíbrio tremendo entre poderes, com o judiciário muitas vezes legislando em causa própria inclusive.
Crise em Roraima e a violência contra venezuelanos
Boulos: Eu faria ser cumprida a lei da imigração no Brasil, que é uma das mais avançadas que tem, e está sendo completamente ignorada pelo governo Temer. Essa situação que aconteceu em Pacaraima é uma cena lamentável, resultado de um processo de xenofobia, estimulado pela própria governadora do Estado, que dizia que qualquer problema era culpa dos venezuelanos. Eu, se eleito, vou aplicar a lei e fazer um acolhimento e integração dessas pessoas na comunidade, sabendo bem que saíram da Venezuela por responsabilidade de uma crise econômica brutal.
Nenhum encaminhamento dessas pessoas pode ser compulsório. Eu buscaria a integração dessas pessoas na comunidade local e, se eventualmente quiserem migrar a outras partes do país, como algo dialogado com essa comunidade que imigrou e, ao mesmo tempo, dando suporte.
Aluguéis do MTST
Boulos: Têm muitas fake news a esse respeito. Inclusive, tenho uma audiência em Brasília porque estou processando Eduardo Bolsonaro por inventar uma dessas fake news sobre esse assunto quando houve o trágico desabamento do edifício no Largo do Paissandu.
O MTST, que é o movimento pelo qual eu respondo, jamais cobrou um real de qualquer família que está nas suas ocupações. Eu não posso responder pelas milhares de ocupações pelo país. No caso do Paissandu, que foi uma ocupação não organizada pelo MTST, houve relatos de extorsão de famílias. Você não pode julgar a luta do movimento por moradia por isso. O que é aberrante é que existam mais de 6 milhões de famílias sem casa em 2018, e mais de 7 milhões de imóveis abandonados. Toda ocupação é consequência de dois tipos de abandono: o abandono de gente e o de imóvel.
A pessoa que extorquiu famílias deve ser julgada, mas você não pode julgar o conjunto de uma causa pelo oportunismo de uma pessoa. Oportunismo tem em todo canto: no Congresso Nacional, no jornalismo e no movimento de moradia.
Inclusive, senhor Eduardo Bolsonaro, se ganharmos o processo, o dinheiro vai ajudar o MTST.
Para que você é candidato e não fez como o PCdoB, que se aliou ao PT tentando fazer uma frente de esquerda conjunta?
Boulos: Minha candidatura é resultado de uma aliança inovadora, do PSOL e PCB, mas também de uma aliança com movimentos sociais, junto com a minha companheira de chapa, Sonia Guajajara, uma das maiores lideranças indígenas do país. Essa aliança tem ainda a Mídia Ninja, artistas, professores universitários, setores dos movimentos feminista, negro e LGBT, que tem o objetivo de apontar e construir um projeto de enfrentamento a privilégios e à desigualdade, colocando o dedo na ferida, sem medo. Esse sistema político está falido, ele apodreceu, e é preciso pensar novos modelos de governar para além de acordões na praça dos três poderes.
Bolsonaro cresce explorando da maneira mais farsante a descrença das pessoas com o sistema político. Bolsonaro é um subproduto da crise de representação que vivemos. A antipolítica pode vestir o terno do gestor empresário, a toga do judiciário punitivo e a farda, como está vestida com o Bolsonaro. A esquerda sempre esperou o momento em que as pessoas estivessem revoltadas com essa estrutura política envelhecida. Esse momento chegou, mas ele está sendo canalizado pela direita.
A nossa candidatura, contra o sistema, tem o objetivo de dizer que dá para fazer política de outro jeito, sem negociar as nossas causas com uma bancada de plantão. A minha candidatura é aquela que não vai negociar os direitos das mulheres, o direito ao aborto, por exemplo, com a bancada fundamentalista.
Armamento da população
Boulos: O nosso posicionamento é pelo desarmamento da população. O problema do Brasil não é a falta de armas, é o excesso de armas. Tratar o comércio de armas como solução para o problema da violência é uma insanidade. Arma não dá segurança para ninguém, dá uma falsa sensação de segurança. Nós temos que combater o tráfico de armas e munições através de uma política pesada de inteligência e investigação.
Economia e relação com capitalistas e banqueiros
Boulos: Um dos sintomas do capitalismo casa grande que a gente vive no Brasil é as pessoas acreditarem que para governar o país precisa ter a benção e a chancela de banqueiros e grandes empresários. Enquanto tiver algum grau de democracia nesse país, quem é eleito precisa governar para o povo brasileiro, e é o que eu pretendo fazer.
Uma das críticas que temos ao PT é exatamente não ter feito o devido enfrentamento com os bancos e com o setor financeiro. Essa turma faz o que quer e continuou fazendo durante o governo do PT e tiveram lucros recordes.
Sobre economia e geração de emprego: a receita aplicada do ajuste fiscal e da contenção de gastos esperou que magicamente houvesse investimento dos mercados. Essa receita fracassou, não por acaso. A política de ajuste fiscal, além de colocar a economia na lona, leva a desajustes fiscais.
Nós vamos retomar os investimentos públicos no Brasil com um programa que foque em infraestrutura social.
A nossa perspectiva é fazer um programa de investimentos em que a gente possa investir em infraestrutura social, ao invés de investir em construção de viaduto, porto, hidrelétrica, vamos investir em saneamento básico, escola, creche, hospitais e moradia popular. Com isso, você leva dois ganhos à população: de um lado você vai gerar emprego, do outro lado você vai gerar dignidade. A nossa equipe de economia fez o cálculo de que é possível gerar em dois anos, com um programa de investimento de 180 bilhões ao ano, é possível gerar 6 milhões de empregos.
O problema do Brasil não é falta de caixa, é a desigualdade. O Brasil é a 8ª economia do mundo, o problema é que o dinheiro não chega onde tem que chegar. Temos três grandes iniciativas propostas. Primeiro, vamos fazer uma reforma progressiva no sistema tributário do Brasil. Segundo caminho: vamos enfrentar o “bolsa empresário”. Terceiro ponto: vamos enfrentar privilégios na cúpula dos poderes deste país.
Patrimônio declarado
Boulos: O meu patrimônio é de exatamente 15 mil reais. É um celtinha 2010 prata, parado aqui em frente. Convido vocês para conhecer o meu carro. Eu moro numa casa na periferia de São Paulo, com minha companheira e minhas filhas. Ela não está no meu nome, porque foi produto de investimento familiar. Isso está na declaração do imposto de renda dos meus pais.
Cultura e economia criativa
Boulos: A política de cultura eu acredito que é preciso ter uma reversão. O financiamento de cultura no Brasil esteve muito focado em leis de incentivo, como a Lei Rouanet, que está ligada a uma certa autonomia do setor privado para definir quais iniciativas culturais serão fomentadas ou não.
Não achamos que este seja o melhor modelo. Não é o caso de acabar com a Lei Rouanet, mas construir um processo de transição para uma gestão das politicas culturais que seja feita pelo poder público em parceria com os ativistas culturais, como um foco muito importante em cultura periférica. É preciso criar condições para iniciativas que já existem, como saraus de periferia e uma série de iniciativas musicais.
Sobre economia criativa, nós acreditamos que o empreendedorismo cultural precisa ser estimulado, mas dentro de uma logica coletiva. É preciso estimular formas de cooperativismo, de participação de gestão coletiva, que já existe na cultura muitas vezes de maneira informal. A visão de empreendedorismo tradicional é que as pessoas, donas de seu próprio nariz, vão resolver sozinhas o seu problema. Eu não acho que essa visão é a única possível. Eu acho que é possível ter empreendedorismo com as pessoas de articulando, construindo por grupos e movimentos.
Reforma educacional e Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
Boulos: Em relação à política educacional, hoje temos um cruzamento perverso. Quem estuda no ensino público básico, se for para a universidade, vai ser a privada. Quem estuda no ensino básico privado, tem quase sua cadeira cativa na universidade pública.
O nosso desafio nesse momento é ampliar e democratizar o acesso à universidade pública no Brasil. Isso passa por um caminho desde lá de trás, em investimento público nas creches e ensino infantil. Universalizar o acesso à creche no Brasil com investimento federal. É absolutamente desproporcional o investimento da União na educação. Além disso, pegar o ensino fundamental e médio e ter um processo de valorização dos professores, com piso salarial. Eu sou professor, dei aula de filosofia no ensino público, na periferia de São Paulo, e sei o que é a situação precária do ensino público no Brasil.
Eu daria apoio ao currículo básico, mas não a esse. Está em nosso programa a proposta de uma revisão completa da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), ainda mais depois da reforma do ensino médio feita pelo Michel Temer, que é um desastre em todos os pontos de vista. Temos que ter uma alteração da BNCC, discutida com professores, alunos e a comunidade.
É preciso resgatar um projeto crítico de educação, que não tenha como meta apenas formar os nossos jovens para fazer prova no fim do ano ou preparar para o mercado de trabalho, mas também preparar para as grandes questões da vida. Isso passa inclusive por trazer ao currículo escolar temas que hoje são tabus, como gênero e diversidade sexual. Há um tremendo lobby da chamada Escola Sem Partido para que isso não seja discutido no sistema educacional brasileiro.
Prioridades nas políticas de meio ambiente
Boulos: A nossa política é de reforma agrária agroecológica, dentro de um modelo de desenvolvimento que combine crescimento econômico, distribuição de renda e sustentabilidade. A nossa proposta da reforma agrária agroecológica é a seguinte: nós não vamos focar no agronegócio. Dizem que o Brasil é sustentado pelo agronegócio. Mas é o contrário: é o agronegócio que é sustentado pelo Brasil. Nós temos que dar as mesmas condições para o pequeno e médio agricultor.
Nós temos que proibir transgênicos e agrotóxicos. É possível se produzir assim. E temos que ter uma política de preservação das florestas e das águas, de demarcação de terras indígenas e quilombolas. Isso para nós é essencial.
Como vai encarar as ocupações de terras
Boulos: Eu vou cumprir a lei, que diz há 17 anos (aprovada na gestão Fernando Henrique Cardoso) que um imóvel ocioso deve ser desapropriado para moradia popular. Não foi feito até aqui porque no Brasil a lei que não pega é aquela que afeta grandes interesses econômicos.
Imóvel que está abandonado, aqui eu não estou falando da casa de ninguém, porque se vende essa ideia falsa. Trata-se de imóveis que estão abandonadas há muito tempo, que não cumprem nenhuma função social, podem ser desapropriados pelo poder público (alguns inclusive já são) devem ser requalificados para serem transformados em moradia popular. Nós vamos pagar isso como o estatuto das cidades prevê: titulo da divida publica, desapropriação sanção.
Para romper com essa logica, temos que pegar esses imóveis no centro das cidades. Isso tem efeito também na mobilidade urbana, pois cria condições para que trabalhadores possam morar nas regiões centrais e não apenas nas periferias.
Está preparando um caminho pra ser candidato a prefeito de São Paulo?
Boulos: Eu não encaro política como carreira, eu encaro como desafio. Eu estou há 17 anos no movimento social brasileiro. Se eu quisesse ser candidato a prefeito de São Paulo, teria tentado há dois anos. Nós estamos discutindo um projeto de futuro para um país, que passa por um novo jeito de fazer política e pela renovação de um projeto de esquerda. Nós representamos uma esquerda que não está disposta a negociar princípios no balcão de negócios que não está disposta a fazer aliança com o MDB para governar. É uma esquerda que não baixa suas bandeiras, que coloca o dedo na ferida.
O PT fez uma opção a partir dos anos 90 de ir moderando pouco a pouco o seu discurso, de ir construindo alianças por vezes com setores do grande empresariado, por entender que essa é a única forma de chegar ao poder e governar. Eu não acredito que seja a única forma. É possível construir maiorias sociais que sustentem governabilidade.
Assista à íntegra da entrevista:
‘O Brasil visto de Baixo’
O evento “O Brasil visto de Baixo” tem como objetivo aproximar os candidatos à Presidência das dúvidas reais do eleitor e também destacar as propostas, valorizando a democracia.
Fernando Haddad (PT), vice na chapa de Lula, foi o primeiro entrevistado, em 13/8, e a transmissão do evento somou 65 mil visualizações. Alvaro Dias (Podemos), o segundo sabatinado, em 23/8, com 23 mil visualizações.
Em 27/9, a entrevistada será Marina Silva (Rede). Ciro Gomes (PDT) aceitou o convite, mas a data de participação não foi definida. Geraldo Alckmin (PSDB) e João Amoêdo ainda não confirmaram presença. Henrique Meirelles (MDB) afirmou que não poderá participar. Jair Bolsonaro(PSL), convidado pela Catraca, não respondeu até o momento.
Entrevistadores
Alê Youssef é ativista, gestor cultural, diretor da Casa do Baixo Augusta, comentarista da Rádio CBN, mestre em filosofia política e graduado em direito. É autor de “Novo Poder. Democracia e Tecnologia”.
Paula Lago é jornalista, trabalhou na editoria de política da “Folha de S.Paulo” por 10 anos, atuou com jornalismo para o terceiro setor na agência QSocial e, atualmente, é editora de Cidadania na Catraca.
Gilberto Dimenstein é jornalista, fundador e editor-chefe da Catraca Livre. Comanda o ReciproCidade – programa de apoio a iniciativas criativas de impacto social. É autor, entre outros, de “O Cidadão Invisível”.
Marcelo Rubens Paiva é escritor, roteirista e dramaturgo. Publicou, entre outros, “Feliz Ano Velho”. Roteirizou o filme “Bicho de Sete Cabeças” e escreveu a peça “A Noite Mais Fria do Ano”, entre outros.
Organizadores
Catraca Livre – portal que tem como missão usar a comunicação para empoderar os cidadãos com informação acessível e de qualidade. Foi escolhido uma das “100 Melhores Inovações Digitais de Impacto Social no Mundo” por júri de especialistas em tecnologia da informação da BBC, do “Financial Times” e da Universidade de Oxford.
Casa do Baixo Augusta – sede da Associação Cultural Acadêmicos do Baixo Augusta, entidade sem fins lucrativos que realiza anualmente, desde 2009, o desfile do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, maior manifestação
carnavalesca da cidade precursora da retomada do Carnaval de rua de São Paulo.