Brumadinho: quais as reivindicações dos atingidos um ano após desastre
Segundo Joceli Andrioli, porta-voz do MAB, entre as pautas da marcha estão a reparação integral do meio ambiente e a garantia de direitos aos atingidos
No dia 25 de janeiro de 2019, a barragem da Mina do Feijão, da mineradora Vale, cedeu e cerca de 12 milhões de metros cúbicos de lama se espalharam, atingindo 11 municípios e deixando 272 pessoas mortas — 11 delas permanecem desaparecidas. O mar de lama que destruiu a região de Brumadinho (MG) trouxe consequências à população e ao meio ambiente que persistem até hoje, um ano depois.
O desastre contaminou o rio Paraopeba, que ficou tóxico pela maior concentração de ferro, alumínio e mercúrio, e deslocou populações. Responsável pelo abastecimento e fonte de renda da região, o rio teve o uso de sua água suspenso desde então. Além das perdas humanas, animais morreram soterrados ou por intoxicação. E os impactos da tragédia não pararam por aí: também aumentaram os casos de suicídio ou de tentativas e a quantidade de prescrições para antidepressivos e ansiolíticos, usados no tratamento dessas doenças.
Às vésperas da data que marca o primeiro ano do rompimento da barragem, o Ministério Público de Minas Gerais denunciou nesta terça-feira, 21, 16 pessoas e as empresas Vale e TÜV SÜD por crimes relacionados ao rompimento da barragem B1. Em sua denúncia, o MP disse que “os crimes de homicídio foram praticados mediante recurso que impossibilitou ou dificultou a defesa das vítimas, eis que o rompimento da… ocorreu de forma abrupta e violenta, tornando impossível ou difícil a fuga de centenas de pessoas que foram efetivamente atingidas pelo fluxo da lama”.
Embora tenham sido 12 meses de tristeza, as vítimas conseguiram se unir em luta por direitos. Para lembrar parentes e amigos que morreram e cobrar a responsabilização dos responsáveis, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) iniciou uma caminhada de seis dias na última segunda-feira, 20, percorrendo mais de 300 quilômetros.
A Marcha dos Atingidos teve início em Belo Horizonte e passou pelas cidades de Pompeu, Juatuba, Citrolândia, São Joaquim de Bocas e Betim, onde foi realizado um seminário internacional que contou com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O movimento terminou a caminhada neste sábado, 25, com atividades em Brumadinho e no Córrego do Feijão.
Segundo Joceli Andrioli, porta-voz do MAB, neste um ano do crime da Vale, muitos pontos ainda estão pendentes e a pauta dos atingidos é bastante extensa. Entre as questões, está a necessidade de que não parem as buscas das pessoas ainda não localizadas. Desde o dia do rompimento, bombeiros trabalham diariamente, faça sol ou faça chuva, para encontrar as vítimas em meio à lama.
Um segundo pedido é que a empresa responsável não tenha mais controle das vítimas e do território em que ocorreu o crime. O representante do movimento ressalta que outra exigência é que os atingidos tenham direito a uma assessoria técnica independente nos territórios, bancada pela responsável. “É preciso que o juiz da Sexta Vara da Fazenda Pública possa decidir o quanto antes sobre este direito dos atingidos e contratar as assessorias técnicas”, completa em entrevista à Catraca Livre.
Ainda de acordo com Andrioli, há várias outras questões emergenciais. “Ter a reparação integral exige se ter uma verba emergencial, que até o ano passado era um salário mínimo por adulto, meio por adolescente e um quarto por criança. A Vale cortou, através de um acordo extrajudicial no ano passado, em 50% esse recurso.” Para os atingidos, portanto, há a necessidade de voltar à integralidade desse recurso.
Além disso, o movimento pede que a companhia resolva os problemas dos comerciantes e agricultores, que acumularam dívidas e desenvolveram diversos problemas, inclusive doenças mentais. A luta é para que a empresa banque isto de imediato, até haver uma reparação integral. “Que se faça um processo onde os atingidos participem diretamente nas decisões sobre os futuros programas de reparação. Quem tem que escolher é aquele que sofreu a violação. Então, que os atingidos tenham espaço, voz e vez na decisão sobre sua vida.”
Um outro ponto da reivindicação é a reparação integral do meio ambiente. “A gente sabe que a Vale vai tentar se negar por essa ser a parte mais cara do crime, como revitalizar o Rio Paraopeba e talvez o São Francisco, que também foi contaminado. Para isso, precisa uma perícia independente, com estudos sérios sobre o grau de contaminação na água. Isso pode desdobrar em problemas de saúde, portanto, tem que ter um acompanhamento integral na área de saúde.”
Por fim, os atingidos lutam pela aprovação do Plano Nacional dos Atingidos por Barragens (PNAB), que tramita no Senado Federal, um programa que garante direitos aos atingidos e estabelece regras de responsabilidade social para as empresas.
“Precisa haver um ousado programa de geração de renda e emprego para garantir a recuperação e o desenvolvimento na bacia do Rio Paraopeba, quebrando a minero dependência. Hoje, esses municípios foram sendo colocados numa situação de dependência das mineradoras, quando na verdade as mineradoras que precisam desses municípios. Precisa ter uma política da quebra da lógica atual da mineração nesses locais”, finaliza o porta-voz.
Nota do MAB
Confira a nota do Movimento dos Atingidos por Barragens neste 25 de janeiro:
“25 DE JANEIRO É DIA DE LUTO E LUTA
Neste 25 de janeiro, data em que o crime da Vale em Brumadinho completa 1 ano, o Movimento dos Atingidos por Barragens manifesta respeito à dor das famílias das 272 vidas interrompidas, após o rompimento da barragem no Córrego do Feijão.
O MAB reafirma a posição de profunda indignação com a atuação da Vale na bacia do rio Paraopeba.
Exigimos respeito pela memória dos que se foram e também reparação integral para os sobreviventes, familiares e todos as atingidas e atingidos que tiveram suas vidas transformadas, reflexo de negligência e ganância da mineradora.
Reincidente em mais um crime no estado de Minas Gerais, a Vale coloca o lucro acima da vida. Somente no ano passado, foram repassados 7,2 bilhões de reais aos acionistas – bancos e fundos internacionais, valor superior ao gasto com as indenizações.
Neste sentido, não há outra saída: só a organização do povo pode alterar essa realidade. Nós, atingidos por barragens, sabemos que não é possível esperar boa vontade dos governos e nem da Vale.”
Outro lado
A Vale informou, em nota, que determinou o orçamento de R$ 24 bilhões para indenizações, intervenções ambientais, projetos socioeconômicos, apoio a medidas do poder público e descaracterização das barragens a montante em Minas Gerais.
Brumadinho: relatos relembram um ano da maior tragédia socioambiental do Brasil. Assista ao vídeo: