Cidade Linda ou Cinza? Cidadãos reagem para proteger arte urbana
João Doria está em guerra declarada contra o picho. A menos de 30 dias à frente da Prefeitura de São Paulo, o tucano instituiu o programa Cidade Linda, uma iniciativa que quer “revitalizar áreas degradadas da cidade” e que prevê, entre outras ações, a limpeza de pichações na capital.
Com a ação, os muros grafitados e coloridos da avenida 23 de Maio foram, em sua maioria, pintados de cinza. O mural da avenida — que tinha 5,4 quilômetros de extensão e foi realizado por mais de 200 artistas — foi encomendado em 2015 durante a gestão Fernando Haddad (PT), com investimento de cerca de R$ 1 milhão.
Segundo a nova administração, os painéis de graffiti que estavam em mau estado de conservação ou pichados foram retirados. No entanto, após a limpeza dos muros, o secretário municipal de Cultura, André Sturm, admitiu que a avenida “ficou muito cinza” e afirmou que a prefeitura estuda ainda para este semestre um Festival do Grafite na via, com artistas selecionados e materiais fornecidos pelo poder público.
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Na última quinta-feira, dia 26, o prefeito lançou um novo programa e prometeu que irá remunerar os grafiteiros e pagar suas tintas. A medida foi tomada após ele receber críticas e vaias de artistas urbanos durante evento de aniversário de São Paulo.
Diante da polêmica do programa Cidade Linda, que foi batizada por ativistas de “Cidade Cinza”, algumas perguntas ainda ficam: por que os graffitis que estavam “em mau estado de conservação” não foram restaurados em vez de apagados? Por que não houve diálogo com os artistas que tinham sido autorizados a grafitar nesses espaços, tampouco com os pichadores que foram tratados pelo prefeito como “agressores” e “destruidores da cidade”?
O Catraca Livre reuniu nesta reportagem iniciativas de três cidadãos que estão na luta para preservar os murais e trabalhos que ainda restam nos muros de São Paulo. Confira o que pensam e o que fazem esses transformadores que, cada um à sua maneira, conceberam projetos de conscientização e valorização da arte e do lúdico nos espaços públicos:
A urbanista Leticia Leda é diretora do SampaPé, projeto criado em 2012 por amigos que acreditam que incentivar as pessoas a andarem a pé por São Paulo é a forma mais indicada para melhorar a relação delas com a cidade.
Nesse espírito, Leticia organizou uma caminhada no último domingo, dia 22, para defender a arte urbana dos muros da avenida 23 de Maio, considerada por ela como uma das vias mais agressivas da cidade.
Confira a entrevista:
Catraca Livre: Você poderia falar sobre a Caminhada da 23 que foi realizada em São Paulo? Por que escolheu essa avenida para defender os graffitis?
Leticia Leda: A Caminhada da 23 teve como objetivo e símbolo mostrar aos gestores e à cidade que apoiamos a arte urbana e as expressões nos muros, que queremos e precisamos das cores, do lúdico, do irreal, da arte para sobreviver em uma cidade marcada por vias expressas e agressividade.
A 23 foi escolhida como local de caminhada porque ela é totalmente não “caminhável”, é um local totalmente árido e excludente da cidade. Quem já caminhou na 23? Quem já se atreveu a fazê-lo? Ela é uma via que conecta o norte ao sul da capital, mas não foi feita para as pessoas. Ela chegou rasgando a cidade, dividindo e excluindo com a intenção de “conectar”, mas só conectando velocidade e motores.
Na gestão anterior, houve um programa que colocou a avenida no círculo internacional de arte urbana, então ela se tornou símbolo dessa potência e contradição que é São Paulo. Portanto a escolha do local para a caminhada foi tanto por ser um símbolo da arte urbana da cidade que começou a ser ameaçado, quanto para dar a possibilidade de as pessoas poderem apreciar os graffitis ainda existentes.
Já havíamos feito anteriormente um passeio por lá de observação dos graffitis, para dar essa oportunidade de as pessoas apreciarem o que normalmente elas veem passando a 50 km/h. E trazer para as pessoas algumas reflexões: por que eu não posso andar aqui? Por que há vias na cidade que não são para as pessoas?
Quais são suas expectativas em relação ao programa municipal Cidade Linda, que tem como objetivo “revitalizar áreas degradadas” de São Paulo?
Infelizmente enquanto esse programa não tiver uma discussão profunda e democrática sobre o que é ter uma cidade bonita, ele vai continuar tendo ações mínimas, sem critério, com uma visão pouco inclusiva e nada adaptada à realidade paulistana.
O programa só terá alguma potência e caráter colaborativo para a coexistência na cidade no dia em que ele dialogar com os cidadãos que já vêm embelezando a cidade e quando conseguir construir de forma conjunta a ampliação de ideias e a conexão com cada localidade.
A fotografia como registro histórico do graffiti e das pichações da cidade
Diante da ameaça às manifestações artísticas nos muros da cidade, o fotógrafo Guilherme Olhier, de 28 anos, decidiu sair às ruas de São Paulo para clicar graffitis e pichações que ainda não foram eliminados por jatos de tinta cinza. Daí surgiu o projeto Cidade Livre, “uma antítese ao projeto da prefeitura”, como ele diz.
A ideia do profissional é convidar pessoas para serem fotografadas em frente ao seu mural favorito na cidade. Conforme os cliques são feitos, as fotos são publicadas no blog e na página no Facebook do projeto.
Confira a entrevista com o fotógrafo e saiba como participar da iniciativa:
Catraca Livre: Muitas das fotos publicadas em sua página profissional são registros da capital paulista. A sua profissão transformou a maneira que você enxerga e vive a cidade?
Guilherme Olhier: Sem dúvida. Se você perceber, sempre tento dar um brilho a mais no concreto, mostrar a beleza que existe na selva de pedra, mesmo que seja difícil.
Acho que muitas vezes as pessoas, na correria do dia a dia, não veem muita beleza em São Paulo, mas, quando estou fotografando, consigo prestar mais atenção na arquitetura linda do centro e de outros lugares também, e é isso que tento fazer as pessoas enxergarem. É claro que a arte urbana está inserida nisso.
O ensaio Cidade Livre surgiu para questionar o programa Cidade Linda, do prefeito João Doria. Você poderia falar mais sobre seu projeto?
Assim como tento fazer com as minhas fotos de São Paulo, quero mostrar que a cidade já é linda do jeito que é. A ideia do projeto é esta: mostrar que as pessoas se sentem bem diante do colorido da cidade e, mais do que isso, mostrar que podem e devem ser livres, assim como os artistas, para demonstrar o seu amor pelas pessoas, sem barreiras, sem regras, sem distinção do que é “lindo” e do que não é.
Por isso estou recrutando todo tipo de pessoas. Não tem curadoria. A ideia é mostrar o amor e a arte livres. Espero que com isso consiga mostrar que a cidade é linda, sim, só precisa de mais diálogo e, acima de tudo, respeito.
Como fazer para participar do projeto?
Quem quiser participar é só entrar na página e comentar ou então entrar em contato direto que a gente combina de fazer as fotos. Sempre deixo as pessoas escolherem onde querem ser fotografadas. Não quero impor nada. Até porque existem lugares e mesmo graffitis que têm um significado para algumas pessoas, então tenho que respeitar isso também. Aí é só preencher e assinar um termo de autorização de imagem e deixar a imaginação fluir.
Quais são suas expectativas em relação ao programa Cidade Linda? Você acha que haverá uma mudança de atitude do prefeito diante de toda a repercussão em relação aos graffitis e pichos?
Na verdade, eu acho que a questão dos graffitis e da pichação não deveria estar atrelada a um projeto de zeladoria da cidade e sim fazer parte de um projeto cultural. Afinal, estamos falando de arte.
Eu acredito que haverá uma mudança de postura diante dos fatos, porém tardia. A prefeitura tomou uma decisão errada, de cima pra baixo, faltou diálogo com os grafiteiros e até mesmo com os pichadores. O mural da 23 de Maio, por exemplo, foi apagado sem consulta, com a justificativa de que estava sujo, porém não se consultou os artistas para que eles pudessem revitalizar as próprias obras. Simplesmente pintaram tudo de cinza e agora acho bem difícil [o prefeito] fazer as pazes com os artistas.
Acho que existem questões mais importantes na cidade para serem resolvidas, problemas crônicos como a falta de vagas nas creches. Aposto que uma mãe não irá se importar se a fachada da escola do filho dela estiver pichada, desde que tenha vaga para deixá-lo.
O mapeamento dos graffitis de São Paulo
O advogado e ativista Guilherme Coelho teve a ideia de criar o mapa colaborativo do graffiti, uma ferramenta que reúne parte dos murais e graffitis de São Paulo. O mapa foi impresso pelo coletivo Minha Sampa e entregue ao prefeito João Doria durante um evento no aniversário de São Paulo. Veja no vídeo abaixo:
Para participar e continuar alimentando a ferramenta, basta tirar uma foto ou vídeo do graffiti que você deseja proteger e compartilhar a imagem e sua localização no mapa. Confira clicando aqui.