Como é feita a cirurgia de redesignação sexual?
Sistema Único de Saúde realiza procedimento gratuitamente desde 2008
Pessoas transgêneros não se identificam – física ou psicologicamente – com o gênero que lhes foi designado ao nascer e, para adequar o sexo anatômico ao psicológico, muitas vezes se submetem a uma cirurgia de redesignação sexual.
Este procedimento envolve intervenções que vão desde a terapia hormonal (para dar ao organismo do paciente as características do sexo biológico oposto), remoção de pênis e colocação de próteses mamárias para mulheres trans (que nasceram biologicamente homens, mas se identificam com o gênero feminino) e remoção de útero, ovários e mamas para homens trans (que nasceram biologicamente mulheres, mas se identificam com o gênero masculino). Além disso, há a construção de um novo órgão genital.
Vídeo mostra o passo a passo de uma cirurgia de redesignação sexual
Na construção da genitália feminina, os testículos são removidos e a pele do pênis é invertida para formar o interior da nova vagina (incluindo seus vasos sangüíneos e terminações nervosas). O clitóris é feito a partir da glande (a ponta do pênis). Já para a construção da genitália masculina, é feita uma incisão na pele ao redor do clitóris, de modo a liberar o órgão do osso púbico para formar o neopênis. Os tecidos mucosos da vagina e os pequenos e grandes lábios revestirão e darão volume ao membro.
Outro método para a construção do neopênis é a faloplastia, que usa enxertos da pele, músculos, vasos e terminações nervosas do antebraço ou da coxa do paciente. A partir desta pele é criado uma espécie de cilindro onde é inserido um tubo que funcionará como a uretra.
SUS realiza cirurgias de redesignação de forma gratuita
No Brasil, o Conselho Federal de Medicina autorizou a redesignação sexual em mulheres trans em caráter experimental em 1997 e, desde 2008, o Sistema Único de Saúde (SUS) também passou a realizar os procedimentos. Somente a partir de 2019 o SUS também passou a operar homens trans, mas, até o momento, os procedimentos só podem ser realizados em quem solicitou o atendimento por meio de ação judicial.
Enquanto na rede particular o custo pode chegar a R$ 150 mil, no sistema público, qualquer cidadão que apresentar queixa de incompatibilidade com relação ao gênero de seu nascimento, tem o direito ao atendimento humanizado, acolhedor e livre de qualquer discriminação, gratuitamente.
Para ter acesso aos serviços de redesignação sexual do SUS, é preciso solicitar encaminhamento na unidade básica de saúde mais próxima da residência do paciente. Desde 2020, a idade mínima para os procedimentos cirúrgicos é de 18 anos e, para o início de terapias hormonais, 16 anos.
Teoricamente, todo processo até a cirurgia acontecer demanda ao menos dois anos devido às avaliações psicológicas e psiquiátricas semanais que são exigidas, no entanto, como são poucos os locais aptos a realizar os procedimentos, a espera na fila do SUS pode chegar a mais de uma década.
De acordo com o Ministério da Saúde, os únicos hospitais que podem realizar essas cirurgias no Brasil pelo SUS são o Hospital das Clínicas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia, o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo e o Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro.
A primeira redesignação sexual do Brasil: um retrato de preconceito e injustiças
Hoje em dia, o procedimento no Brasil é corriqueiro e legalizado, mas na década de 70, quando o cirurgião plástico Roberto Farina realizou, de forma pioneira, a primeira cirurgia do tipo, teve grandes problemas. Em 1971, o médico deu a Waldir Nogueira o corpo que deveria ser dele desde seu nascimento possibilitando sua transformação em Waldirene.
Depois de ser acompanhada durante dois anos por uma equipe interdisciplinar do Hospital das Clínicas, que a identificou como transexual, a cirurgia foi realizada no Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo, sem nenhum custo para a paciente. Alguns anos depois, em 1975, uma reportagem publicada pelo Estado de S. Paulo relatou o pioneirismo do médico e mencionou que várias pessoas aguardavam para serem operadas por ele. A repercussão da matéria motivou uma denúncia em 1976, na qual o Ministério Público pedia que o médico fosse investigado por lesão corporal por ‘mutilar’ homens.
Intimado a fornecer nomes e endereços de todos os que havia operado, ele se recusou. No entanto, uma triste coincidência interferiu nesta história: Waldirene entrou na Justiça para mudar o nome nos documentos e assim o Ministério Público descobriu sua identidade. Além da perseguição a Farina, a Justiça a coagiu e a submeteu a exames humilhantes para constatar seu gênero.
O processo provocou comoção na comunidade científica internacional levando à manifestação de muitos pesquisadores em apoio ao médico. No Brasil, entretanto, apenas a equipe que participou do atendimento de Waldirene no Hospital das Clínicas ficou ao lado do cirurgião. De qualquer forma, nada adiantou: em 6 de setembro de 1978, o magistrado condenou Roberto Farina a dois anos de reclusão por lesão corporal de natureza gravíssima em Waldir Nogueira.
Após ter sido ridicularizado por anos devido ao processo e tido, inclusive, sua carreira prejudicada, em 1979, o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, por votação majoritária, anulou a condenação de Farina.
O médico faleceu em 2001, aos 86 anos. Seu trabalho, no entanto, gera frutos até hoje através do núcleo de estudos que oferece assistência a pessoas trans da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp): o Núcleo de Estudos, Pesquisa, Extensão e Assistência à Pessoa Trans Professor Roberto Farina da Universidade Federal de São Paulo.