‘A cobrança desigual nas festas reforça o machismo’, diz advogada
Casas noturnas em todo o país ainda cobram valores mais baratos para mulheres, prática considerada abusiva por especialistas
- “Mulheres – R$ 120 (consome R$ 50)
Homens – R$ 250 (consome R$ 150)” - “Mulheres VIP – até 00h30 + 1 drink (após R$ 15 entrada ou R$ 30 consuma)
Homens – R$ 20 entrada ou R$ 40 consuma”
As informações acima foram retiradas dos flyers de duas casas noturnas de São Paulo e representam uma prática comum em festas pelo país: oferecer preços mais baixos e até gratuidade a todas as mulheres. Mas, na última quinta-feira, dia 23, esta questão – considerada machista e abusiva por grande parte das pessoas – foi parar na Justiça.
“Não pode o empresário-fornecedor usar a mulher como ‘insumo’ para a atividade econômica, servindo como ‘isca’ para atrair clientes do sexo masculino para seu estabelecimento”, diz a decisão da juíza Caroline Santos Lima, do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania de Brasília do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
Segundo a magistrada, não há respaldo legal para haver a cobrança de valores distintos e a atividade afronta a dignidade das mulheres. A declaração de Lima responde a um pedido de liminar em tutela de urgência feito por um estudante contra uma empresa de eventos de Brasília para que pagasse o mesmo preço do ingresso feminino. A meia-entrada para homens era R$ 220 e, para mulheres, R$ 170.
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A juíza negou o pedido alegando que a urgência não era justificável, mas disse que é ilegal a cobrança discriminatória. Ela usou como exemplo se houvesse um valor mais caro para um idoso ou estrangeiro, caso em que “o abuso seria flagrante e nem sequer haveria maiores discussões”.
“Ocorre que no caso das mulheres a situação é ainda mais delicada, já que uma prática repetida há tanto tempo pode traduzir uma (falsa) aparência de regularidade, de conformidade”, afirma Lima sobre a diferenciação de gênero.
“Não é ‘porque sempre foi assim’ que a conduta discriminatória haverá de receber a chancela do Poder Judiciário, pois o mau costume não é fonte do direito”, completa a magistrada. Para ela, essa cobrança desigual “pode travestir-se de pseudo-homenagem, prestígio ou privilégio”, mas na verdade é um “ato ilícito”.
Agora, o caso vai para uma audiência de conciliação, e a juíza determinou que a Promotoria de Defesa do Consumidor deve investigar esta questão. O Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) abriu um inquérito para apurar os valores desiguais nos eventos.
O inquérito pode gerar uma ação civil pública pedindo a restrição ou a proibição total da diferença dos ingressos e o tema volta a ser avaliado pelo Tribunal de Justiça do DF. Outro resultado possível é ocorrer uma conciliação coletiva entre o MP e os sindicatos que representem as empresas ou que o Ministério Público faça uma recomendação às produtoras das festas. Um terceiro cenário é que o caso seja arquivado.
- O que diz a lei
De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), não há respaldo legal para preços específicos para homens e para mulheres. “Inclusive, essa é uma prática abusiva sob o ponto de vista do Código de Defesa do Consumidor, mas é comum no mercado”, ressalta Flavio Siqueira, advogado do instituto.
Siqueira afirma que a lei do consumidor não entra em detalhes sobre esse assunto, mas “traz princípios e direitos básicos que impedem a cobrança diferenciada com relação ao gênero, seja para mais ou para menos, como a vedação da publicidade discriminatória trazida pelo art. 37”.
O advogado ressalta a necessidade de uma mudança para que as práticas comerciais não sejam discriminatórias. “A luta pela igualdade de gênero também está na relação consumidor e fornecedor, exigindo um esforço conjunto da sociedade e do estado para coibir ações discriminatórias por parte do mercado”, completa.
- Machismo
A desigualdade nos valores das casas noturnas fortalece o pensamento machista da sociedade. “A ideia perpetua que as mulheres não têm condições financeiras de pagar por uma festa de modo igual aos homens, justificando o fato de existir uma diferença salarial ainda hoje”, explica a advogada Gabriela Souza.
A especialista diz que, em última análise, a propaganda de festas com imagens do corpo feminino reforça a cultura do estupro, do homem ter direito ao corpo da mulher, uma vez que ela tem benefícios e vantagens nas festas. “O pedido de liminar ser feito por um homem que tinha outros interesses, não o feminismo, mostra o longo caminho a ser trilhado por homens e mulheres pela igualdade de gênero”, finaliza Souza.
Confira o post do CNJ sobre o tema:
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