Como virei aluno de uma escola pública

23/01/2009 09:12

Aos 52 anos , tornei-me por acaso aluno de uma escola pública. A história começa no segundo semestre de 2007, quando um grupo de alunos, pais e professores, inconformados com o anúncio do fechamento de sua escola de ensino fundamental e médio (Carlos Maximiliano, mais conhecida por Max) decidiu procurar ajuda, mas com pouca esperança: debandada de alunos, alta rotatividade de professores e coordenadores -a diretora tinha marcado sua aposentadoria, em meio à indisciplina- e até cenas de violência de alguns estudantes.

DragoNova entrada da escola recuperada pela comunidade
Nova entrada da escola recuperada pela comunidade

A desolação era visível nas salas vazias (dois andares desocupados), nas paredes sujas, nos vidros quebrados, nos muros pichados. O antigo auditório estava trancado, transformado em arquivo morto. Um caso aparentemente perdido virou a minha melhor lição de 2008.

Aquele grupo que ainda resistia saiu batendo de porta em porta e construiu, aos poucos, uma corrente de apoio. Cada parceiro buscava um novo parceiro. A primeira conquista foi ganhar tempo: postergou-se o fechamento em acerto com a Secretaria Estadual da Educação.

A escola técnica Guaracy Silveira, uma das mais bem avaliadas de São Paulo, ocupou um daqueles andares vazios e deu cursos de webdesign e administração de pequenos negócios. O Colégio Santa Cruz ofereceu 20 de seus alunos para dar aula em contraturno, auxiliando os professores; o grupo COC criou oficinas de aprendizagem de português e matemática, para tentar reduzir o atraso crônico de uma parcela de estudantes nessas matérias.

O auditório foi reformado e se converteu num centro cultural, aberto à comunidade; nesse lugar, a Fundação Vanzolini, ligada à Poli, criou um curso de engenharia comunitária. Os próprios alunos pintaram, com cores fortes, as paredes do Max, fixando peças produzidas com a ajuda de uma artista plástica.

Podia assistir a tudo isso em câmara lenta porque o Max fica a três quadras da minha casa, passagem obrigatória de minhas caminhadas pela Vila Madalena. Operava-se ali uma aula prática do que significa capital social, a riqueza que vem da capacidade de os indivíduos se mobilizarem.

Apesar de o Max ser uma escola estadual, a prefeitura entrou com oficinas de artes dramáticas e dança. Criado para estudar a cultura popular paulistana, o Kolombolo passou a dar aulas de samba. O Círculo de Leitura, do Instituto Fernand Braudel, trabalhou literatura clássica. O governo estadual ofereceu ensino de música (Projeto Guri).

Tirando proveito da vocação artística do bairro, entraram na roda comunicadora, artistas plásticos, estilistas. Um fotógrafo ainda adolescente (Victor Dragonetti) dedicou várias semanas para flagrar imagens de alunos encantados com o saber -e assim tentar mudar a imagem que eles têm si próprios. Com ajuda de cineastas da empresa NaLaje Filmes, foi produzido um filme em que os estudantes fazem o roteiro, a edição e preparam os atores.

Na frente do Max, há vários consultórios de psicólogos e psicanalistas que se dispuseram a trabalhar com intermediação de conflitos.

Dessa união surgiu um espaço que mistura ensino técnico, um centro cultural, oficinas de artes e comunicação, combinadas com o ensino regular.

O que vai sair dessa mistura não se sabe. No próximo ano, serão divulgados os resultados das provas aplicadas pelos governos estadual e federal -e aí se poderá ter o primeiro sinal de avanço nas matérias tradicionais. O fato é que se costurou uma aliança envolvendo os diferentes níveis de poder, a começar pela comunidade. Justamente por isso, a Fundação Vanzolini escolheu ali para montar seu projeto experimental.

Continuam vários problemas, claro. Mas já se sabe que, neste ano, a escola não fechou, até porque existe fila de espera; os professores não querem sair e a diretora aposentou seus projetos de aposentadoria.

A lição de engenharia comunitária é o que se consegue, mesmo com pouco dinheiro, quando se faz do outro não um problema, mas uma solução.

PS – Coloquei neste link as fotos tiradas por Victor Dragonetti, que procurou descobrir o encanto do aprender. Está lá também o filme realizado com o apoio do NaLaje, que gira em torno de um cobiçado biscoito da merenda.

Coluna originalmente publicada na Folha Online, editoria Cotidiano.