Conheça a moradora de rua que deu uma aula de democracia

Em situação de rua desde os 12 anos, a nordestina Adriana Cavalcanti encontrou na literatura uma alternativa à vida marcada pela solidão e preconceito

Durante a última greve dos caminhoneiros, que, em maio, parou o Brasil por onze dias, a invisibilidade de Adriana Cavalcanti, 29 anos, chamou a atenção de milhões de pessoas em todo o país.

Sem casa para morar há 17 anos, a transexual virou notícia ao quebrar os paradigmas que alicerçam o preconceito sofrido por milhões de pessoas em situação de rua.

Vídeo gravado com a Adriana teve mais de dois milhões de visualizações, e foi assistido em países como Angola, Portugal e EUA

Questionada em um vídeo viralizado nas redes sociais, Adriana expressou sua opinião sobre a paralisação e deu uma aula de cidadania: “Democracia, é sinônimo de participatividade e construção coletiva. Agora os políticos, usando dessa palavra democracia, que desde o fim da ditadura são as mesmas figurinhas carimbadas que presidem o Brasil. Eles falam que você tem que pagar tanto, você vai lá e paga. Vocês reivindicam seus direitos, eles negam, você fala que é lei. A lei tem que ser aprovada por você, não pelos vereadores, não pelos políticos, não pelo presidente, não pelo juiz, nem pelo promotor. Quem manda na sociedade é a democracia, somos nós. Então se nós não estamos sendo ouvidos, nós temos que fazer alguma coisa a respeito”.

Mais uma capitã da areia

Mulher trans, negra e nordestina, Adriana precisou enfrentar desde cedo a dureza do chão de cimento que há quase duas década serve de cama para seu descanso.

Na frente de uma agência bancária, próxima ao cemitério da Saudade, ela vive em uma barraca com quatro cachorros, um punhado de roupas e algumas poucas doações que recebe desde que chegou ao local, há um ano.
Em uma vida marcada pela invisibilidade e preconceito, o primeiro contato de Adriana com a realidade das ruas se deu ainda na infância, quando tinha 12 anos.

Na mesma época, viu nascer a única companheira que carrega em sua rotina até os dias de hoje: a paixão pelos livros. Tudo começou graças aos professores de português que teve nas casas de acolhimento e durante as passagens pela antiga Febem. “Na falta de com quem conversar, eu entendi que os livros falam. Eles estão sempre a falar”, disse em entrevista ao G1.

E na aproximação com a literatura criada pela exclusão, Adriana se deparou com um mundo de múltiplos caminhos e portas sempre abertas. Encontrou a si mesma nas obras de grandes nomes da literatura brasileira, como “Capitãs da Areia”, de Jorge Amado – que retrata a vida de crianças e adolescentes em situação de rua em Salvador durante a década de 1930 – e que para ela se trata de uma “história real”.

O amor pela leitura rendeu frutos e, por um tempo, Adriana montou uma biblioteca itinerante em que compartilhava livros com outras pessoas. Apesar disso, a iniciativa não demorou para ser coibida pelas autoridades locais que apreenderam o acervo.

Entre as obras consideradas inesquecíveis, ela cita clássicos como As Vítimas Algozes e A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, O Abolicionismo, de Joaquim Nabuco, além de poemas de Cruz e Sousa e composições de Vinicius de Moraes. Suplementos que, como ela define, a ajudaram a ter uma melhor “compreensão do mundo”.

Vídeo e campanha de arrecadação

A história de Adriana ganhou repercussão nas redes sociais por meio da publicação feita por um de seus amigos, o atendente Orlailson Araújo, de 29 anos. A amizade teve início desde que a transexual se mudou para o local onde hoje vive, próximo à casa dele.

Com os encontros frequentes, surgiu a ideia de gravar o depoimento – que, em meio às milhões de visualizações, chamou atenção de internautas de países como Portugal, Angola e Estados Unidos.

E de Chicago, nos EUA, nasceu a ideia de levar a história de Adriana a um novo patamar, com a criação de uma campanha para ajudar a mulher a sair das ruas.

Em entrevista ao G1, a brasileira Jéssica Moreira-Spencer, comentou sobre o assunto: “Eu descobri sobre a Adriana por um vídeo que apareceu na minha timeline que dois amigos compartilharam. E fiquei com ele na cabeça, fui dormir pensando nela. Aí, no dia seguinte, tive a ideia de buscar quem a entrevistou. Conversei com o Orlailson e disse que poderíamos fazer algo para ajudá-la”.

Saiba como ajudar !

Criada há pouco mais de um mês, a campanha pretende reunir R$ 15 mil na tentativa de conseguir um terreno e uma casa contêiner para a Adriana. Quer ajudar? Para fazer sua parte é simples, basta acessar o site da vakinha e fazer sua doação até 3 de setembro. Até aqui, foram arrecadados cerca de R$ 9,800.

Confira o vídeo em que Adriana deu uma grande aula de conscientização e cidadania: