Dimenstein: ‘Eu me sinto profundamente traído e fraudado’

Tenho 62 anos e sou jornalista desde os 17 anos. Isso significa que fui da geração que combateu o autoritarismo e apostou numa ideia simples e bela: a democracia iria fazer o país melhor. Muito melhor.

Imaginava um país com liberdade e prosperidade. Um país belo como as praias nas quais eu me aventurava pelo sul da Bahia e o que é hoje a Rio-Santos, acompanhado de meninas de cabelos encaracolados, chinela de couro e roupas folgadas e muito coloridas. Eram praias lindas e limpas, como Trancoso ou Trindade.

Nunca me identifiquei com as propostas autoritárias do movimento estudantil. Ditadura para mim era igual, fosse de direita ou de esquerda. Isso se deve, em parte, à minha formação judaica. Sabia o que aconteceu com os judeus no nazismo e no stalinismo. Essa mesma formação me fez valorizar a diversidade e a tolerância. O contrário me remetia à Inquisição.

Estava convencido que, aos tirarmos os militares, veríamos uma primavera. Como me emocionei com a Anistia, as Diretas-Já, a eleição de Tancredo. Eu via ali a beleza da Trancoso ainda inabitada.

A democracia iria escolher os melhores. E nos livraríamos da pobreza, da desigualdade, apenas usando a palavra.

Eu me sinto traído, profundamente, ao ver o país mergulhado em ódio. Um país em que os melhores sumiram e a mediocridade ganhou a política.

Desistimos de sonhar. Passamos a escolher o menos ruim, a redução de danos. Agora estamos confrontados com um militar da reserva ignorante e despreparado que estimula o ódio. Aliás, sou do tempo de militares que podíamos não gostar, mas tinham nível, como Castello Branco e Geisel.

De outro, um político mais preparado – Fernando Haddad – comandado por um político – Lula – preso por ter metido os pés e as mãos na lama, como nunca se viu na história do Brasil. Um PT que ainda não rejeitou a Venezuela ou Cuba, que não sabe fazer um mínimo de autocrítica, assumindo sua culpa pelo populismo que levou o Brasil à sua mais profunda recessão.

Nesse mundo da mediocridade, também não me entusiasmo por Ciro Gomes, que repete as bobagens econômicas que levaram o país à crise. Nem por Geraldo Alckmin – mais uma evidência de pobreza intelectual, incapaz de ter uma pensamento criativo.

Eu me sinto profundamente traído quando vejo os dois principais grupos que podem tomar o poder questionarem a democracia. Para o PT, eleição sem Lula é fraude. Para Bolsonaro, eleição sem sua vitória é fraude.

Nessa dualidade, eu me sinto vítima de uma fraude.