Em 2015, mortos pela PM supera “crimes de maio” e reacende debate sobre violência policial

Anistia Internacional condena "fim" dos autos de resistência: "a decisão não promove os avanços necessários para acabar com as execuções por parte da polícia"

Em maio de 2006, São Paulo virou faroeste e, no auge de sua guerra civil não-declarada, policiais militares e soldados do crime organizado travaram um duelo em diferentes regiões da cidade, resultando, assim, no banho de sangue de 495 óbitos. Conhecido como “Crimes de Maio”, o episódio ficou marcado pelo assassinato de trabalhadores, estudantes, pobres e pretos da periferia, fardados ou não. Vítimas da endêmica violência que fazem da capital paulista um lugar onde a vida nada vale e pra morrer custa pouco.

Apesar disso, quase dez anos depois, um relatório apresentado pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) revela que, entre janeiro e novembro de 2015, 532 pessoas morreram em confronto com a Polícia Militar. A pasta justifica que as mortes, ocorridas em intervenção policial, são proporcionais ao aumento da população e do efetivo se comparadas as duas épocas.

Crimes de Maio 

Surpreendida por uma série de atentados que tiveram , ao menos, 82 ônibus incendiados e ataques a 17 agências bancárias, a polícia passou então a reagir às ofensivas dos criminosos. O conflito teve início após o líder do Primeiro Comando da Capital, Marcos Willians Herba Camacho, o Marcola, ser transferido do presídio de Avaré para Presidente Venceslau. À época, 56 ataques a casas de policiais resultaram na morte de 14 agentes fora de serviço.

Movimento Mães de Maio surgiu após massacre que deixou centenas de mortos na capital paulista em 2006

Chacinas de agosto 

Se os dados apresentados pela Secretaria de Segurança Pública superam o número de mortes de 2006, é importante lembrar que mortes registradas como intervenção policial não contabilizam, por exemplo, assassinatos cometidos por policiais civis ou militares em folga – principal linha de investigação sobre o caso da maior chacina de São Paulo que, no dia 13 de agosto de 2015, ocasionou 23 mortes na região metropolitana da capital paulista: Osasco, Barueri, Carapicuíba e Itapevi.

Anistia Internacional critica “fim” dos autos de resistência 

Consultada pela redação do Catraca Livre sobre a resolução que determina o fim dos “autos de resistência” em registros policiais, anunciada nesta segunda-feira, 4, a Anistia Internacional considera que a decisão não promove os avanços necessários para acabar com as execuções por parte da polícia. Leia o posicionamento da organização abaixo.

“A organização considera que a corporação mantém o pressuposto de que qualquer vítima da polícia estaria atuando em “oposição” e “resistência” às operações policiais. A resolução muda a nomenclatura, mas reforça toda a lógica por trás dos “autos de resistência” ao se referir às vítimas como “resistentes”. O novo registro proposto é de “homicídio decorrente de oposição à intervenção policial”, mantendo o pressuposto de que oposição por parte da vítima.

“O registro de casos de lesão corporal ou morte durante operações policiais não pode trazer em si o pressuposto da culpabilidade da vítima. Deve ser um termo técnico e neutro, que permita o registro específico dos casos em operações policiais. A determinação de que houve oposição ou resistência ou qualquer outra afirmação sobre a dinâmica daquela morte só poderá acontecer após uma investigação imparcial e independente, e não no momento do registro.

A Anistia Internacional defende que todos os homicídios decorrentes de intervenção policial sejam registrados de forma específica para permitir o monitoramento dos dados estatísticos e que sejam investigados devidamente, de modo que possam ser reconhecidos aqueles ocorridos em legítima defesa, e encaminhados à justiça aqueles cujas conclusões do inquérito apontem a execução extrajudicial – quando o policial tem condições de deter o suspeito, mas opta por fazer uso da força letal.

Vale dizer que os estados do Rio de Janeiro e São Paulo já aboliramestes termos, no entanto, a prática de execuções extrajudiciais continua presente no modus operandi das forças policiais.  Norelatório “Você matou meu filho – Homicídios cometidos pela Polícia do Rio de Janeiro”, a Anistia Internacional apurou que de 10 casos reportados como homicídios decorrentes de intervenção policial em 2014 na favela de Acari no Rio de Janeiro, nove deles apresentaram fortes indícios de execuçõesextrajudiciais. O relatório também faz um diagnóstico da impunidade e recomendações direcionadas ao Estado e ao Ministério Público no sentido de conter essa rotina de violações”.