Em 40 anos, engenheiro brasileiro transformou rochedo em ilha sustentável

Ilha dos Avoredos, em Guarujá, foi pioneira no uso de energia solar, eólica e na captação de água da chuva; local começou a ser construído por Fernando Lee na década de 1950

10/10/2014 17:47 / Atualizado em 04/05/2020 15:02

Sistema de guindaste é a única maneira de entrar na ilha. Estátua de Fênix faz o contrapeso
Sistema de guindaste é a única maneira de entrar na ilha. Estátua de Fênix faz o contrapeso

As torres que dominaram a orla, o trânsito, os centímetros concorridos na areia e a falta de água são os sintomas mais evidentes do turismo predatório que a cidade do Guarujá, a 90km de São Paulo, sofre todos os anos na alta temporada.

Mas a cidade também possuí uma ilha que, desde os anos 50, apresenta uma alternativa sustentável para a relação entre homem e natureza.

A reportagem do Catraca Livre foi conhecer de perto o local, que é gerido pela Fundação Fernando Lee e pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp).

Atualmente a ilha é gerida pela UNAERP e pela Fundação Lee, que foi criada pelo engenheiro antes de sua morte
Atualmente a ilha é gerida pela UNAERP e pela Fundação Lee, que foi criada pelo engenheiro antes de sua morte

A jornada

Acordo às 6h45 da manhã. Pela frente, um percurso de 16 km de Santos até Guarujá .

Pedalo na ciclovia que cruza a orla de Santos no contra fluxo da massa de ciclistas até a balsa que leva carros, motos e bicicletas ao Guarujá. Da Unaerp, seguimos de carro até o a Praia de Pernambuco.

Na beira do mar, o bote inflável do Marinheiro Capitão Quico nos aguarda. O tempo está bom, sem vento e o mar aparentemente calmo. Porém, algumas ondas com mais de um metro mareiam a travessia de 1,6 quilômetros de distância.

Um guindaste é o único acesso à ilha. Começa agora a viagem por um local visionário, engenhoso e inspirador.

Visão aérea da ilha. Foto: Divulgação
Visão aérea da ilha. Foto: Divulgação

Laboratório para a humanidade

A Ilha dos Arvoredos foi transformada pelo engenheiro brasileiro Fernando Eduardo Lee. Ele sobrevoou o local pela primeira vez nos anos 50 e vislumbrou a criação de um laboratório à céu aberto com o objetivo de promover a sustentabilidade.

Em 40 anos, o rochedo inóspito e de natureza exuberante virou um local habitável e auto-sustentável, onde o engenheiro morou e desenvolveu diversos experimentos.

Lá foram instaladas as primeiras placas de energia solar do Brasil, além hélices de energia eólica e um sistema de captação, armazenagem, aquecimento e filtragem de água da chuva.

A ilha de 37 mil metros quadrados foi concedida pela Marinha para fins científicos.

Em fase de recuperação

O guindaste leva os visitantes do bote para uma plataforma que é seguida por uma escada sinuosa, estreita e construída com as pedras do local – como a maioria das trilhas e escadas da ilha.

Meu primeiro guia é Rodrigo Moreira Lima, da Fundação Fernando Lee. Ele explica que o local passa por um processo de recuperação. Depois de receber um projeto de biologia marinha, as engenhosidades e pesquisas de Fernando Lee foram deixados de lado.

“Não erguemos nada, estamos apenas recuperando as construções dele”, disse.

E a tarefa não é fácil. “Existem coisas que até hoje não entendemos a utilização. Estamos realizando um trabalho de pesquisa dos documentos e vídeos para entender tudo”, explica.

Estrutura

A Ilha dos Arvoredos tem uma casa de dois andares que foi construída com rochas locais e a madeira de um navio naufragado.

No local, ainda é possível encontrar um farol que pode sustentar hélices de energia eólica, uma taberna resfriada naturalmente com o vento sul, horta, um açude que vai ser transformado em criadouro de peixes e três equipamentos distintos para armazenamento da água da chuva.

A riqueza de detalhes e engenhosidade das construções impressiona. A fiação elétrica é protegida por pedras lapidadas, filtros e fontes de água escondem-se em esculturas, todos os recintos possuem linha telefônica e iluminação.

A retomada

No primeiro contato que tive com o professor André Camili Dias, 35, biólogo, docente da UNAERP e responsável técnica pela ilha há um ano, ele enumerou diversas frutas que plantou no local.

“Grumixamã, Cambuca, Cambuci, Cabiroba. Todas nativas da Mata Atlântica, não conhecia né?”, brinca o professor me oferecendo uma pitanga retirada do pé.

Ele explica que o objetivo agora é dar continuidade aos projetos da ilha para que possam ser utilizados por outras comunidades da baixada santista e do Brasil.

“Como adequar as pesquisas à nossa realidade? Na baixada santista, os colégios públicos costumam dispensar estudantes por falta de água”, comenta.

O professor também lembra que em outros locais é normal a captação da água da chuva para reutilização, mas não para fins nobres.

Segundo ele, 95% da água utilizada na Ilha do Arvoreido é oriunda da chuva. Na cozinha, lavagem de louça, banho e para escovar os dentes.

Já a filtragem de água para consumo está em fase de pesquisas e passando por testes rigorosos todos os meses. “Os resultados são satisfatórios, estamos próximos de conseguir produzir toda a água que consumimos”, comentou.

Energia

As placas de energia solar conseguem gerar 540 w de energia em três placas. O potencial significa três dias de autonomia sem sol.
Com exceção do guindaste, todos os equipamentos eletrônicos da casa utilizam a energia solar. É possível assistir televisão e recarregar celulares.

Para Rodrigo, a estrutura construída por Fernando Lee é suficiente para sustentar a energia de toda a ilha, inclusive o guindaste. “Estamos procurando empresas que se interessem em patrocinar a instalação de mais placas solares e das hélices para energia eólica”, comenta.

“O Brasil também é carente de eletrodomésticos que tenham um consumo menor de energia”, lembra o professor.
Uma terceira fonte de energia, que utiliza o balanço das ondas para gerar energia, como uma hidrelétrica também está em fase de pesquisas de um projeto de doutorado em Energias Renováveis da Poli USP.

“Mas o mais importante não é conseguir apenas a autossuficiência da ilha, mas levar os benefícios daqui para a humanidade”, concluí André Dias.