Enfermeira cria abaixo-assinado contra desmonte do Samu em SP
Atuando há 18 anos no Samu, profissional revela precarização do serviço depois que portaria de reestruturação entrou em vigor
“Há alguns anos temos vivido a precarização do Samu, assim como da saúde em geral. Mas em fevereiro deste ano, o lançamento da portaria 190-SMS oficializou este processo, estabelecendo o desmonte de toda a estrutura da urgência e emergência necessária ao funcionamento do serviço”, aponta Andreia Cristina Quinto, enfermeira do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) na cidade de São Paulo e autora de um abaixo-assinado, hospedado na plataforma Change.org, contra o projeto de reestruturação.
Em fevereiro, a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo publicou a portaria 190/2019, que descentralizou o serviço no município. Com a reestruturação, 58 bases próprias do Samu, com equipes e estrutura montadas, foram fechadas e os profissionais diluídos a mais de 70 pontos de assistência espalhados em hospitais municipais, AMAs (Assistência Médica Ambulatorial), UBSs (Unidade Básica de Saúde) e CAPS (Centro de Atenção Psicossocial).
Segundo Andreia, que conhece com propriedade o serviço há quase duas décadas, as alterações têm provocado um “desmonte” no Samu e grave diminuição da qualidade da assistência, fazendo com que a população seja a mais prejudicada e sofra ainda mais. “Cada vez mais a população vai pagar a conta de uma péssima gestão”, declara a profissional, detalhando que as alterações provocaram um aumento do tempo-resposta dos chamados.
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De acordo com a enfermeira, a “pulverização” das equipes a diversos pontos da cidade foi feita de forma aleatória e não levou em consideração o “fator prontidão”, que é dar resposta rápida às demandas da comunidade. Ela explica que os novos pontos — hospitais, AMAs, UBSs e CAPS — não têm, por exemplo, vias de acesso rápidas, e exemplifica um caso em que os profissionais foram colocados no 5º andar de um hospital. “No novo modelo, há equipes que demoram até 10 minutos para conseguir sair do equipamento de saúde”, diz.
Outro problema que, segundo Andreia, tem gerado uma piora do serviço e colocado em risco o atendimento a situações de urgência na cidade é que nem todos os pontos atuais possuem duas ou três ambulâncias, como cada uma das bases tinha antes. “Além de não terem corrigido o déficit de recursos humanos, eles pulverizaram as equipes, desmontaram e, por fim, as descaracterizaram, diminuindo sua resolutividade, eficiência e seu tempo-resposta”, afirma.
A falta de recursos humanos, de acordo com Andreia, já existia, mas os problemas nas escalas de serviço pioraram ainda mais com a reestruturação das equipes. A profissional explica, por exemplo, que em um dos serviços qualificados do Samu, o Suporte Intermediário à Vida (SIV), as equipes eram formadas por um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e um condutor, e tinham autonomia para a resolução de casos menos complexos. Entretanto, no novo modelo, o enfermeiro perdeu o apoio do auxiliar, o que limitou suas atividades e diminuiu a resolutividade.
Caminhando para a terceirização?
Profissionais do Samu denunciam que a Prefeitura tem a intenção de transferir a administração do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência para organizações sociais (OS) e que este é o objetivo final do projeto de reestruturação. “As terceirizações fazem parte deste processo”, afirma Andreia. Segundo a enfermeira, o “desmonte ainda não está concluído” e o processo de privatização já está se estabelecendo por partes em alguns setores do serviço.
“Por exemplo, a base de Perus, na zona sul, está oficialmente sob a responsabilidade da Associação Saúde da Família, que assumiu as locações, reformas e gerenciamento do pessoal. Há o projeto em curso de terceirizar a saúde mental com equipes contratadas pelos parceiros. Da mesma forma deve acontecer com o suporte avançado de vida, que está caminhando a passos largos para as mãos de ‘parceiros’”, detalha a enfermeira.
Andreia acredita que o projeto tem interesses econômicos e não a melhoria das condições de atendimento, como afirma a Prefeitura, já que foi feito por pessoas que não conhecem o serviço de fato. “O Samu é um serviço pesado, nunca se sabe de fato o que você vai encontrar lá, por isso, há muitas baixas e muitos estão se aposentando. Essas pessoas não estão e não vão ser repostas por esta gestão porque a intenção é terceirizar o serviço”, comenta.
Aberto há pouco mais de três meses, o abaixo-assinado criado por Andreia já acumula mais de 106 mil assinaturas. A enfermeira mantém a petição aberta e espera que ela possa pressionar pela revogação da portaria. Para ela, a campanha funciona como um “grito de socorro” para que a sociedade conheça a situação do Samu.
“É surpreendente este número de assinaturas no abaixo-assinado. Significa que muitos entenderam nossos motivos e apoiam nossa causa. Isso é muito importante para legitimar nossa reivindicações”, destaca Andreia, que integra uma equipe de Suporte Avançado de Vida (SAV) do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência.
Há alguns meses, a situação do Samu chegou ao Ministério Público de São Paulo, que fez reuniões com servidores e visitas aos pontos. Segundo Andreia, porém, nada mudou.
Outro lado
Em seu portal na internet, a Prefeitura de São Paulo publicou nota sobre a descentralização do Samu, informando que “a integração com as unidades de saúde vai gerar sinergias entre as equipes do Samu e das unidades assistenciais, qualificando ainda mais o atendimento, proporcionando ganhos aos usuários”.
O informe diz, ainda, que a descentralização e a integração das equipes aos equipamentos da rede de assistência têm ainda como objetivo melhorar a eficiência gerencial e administrativa. “As mudanças foram planejadas para aprimorar o aproveitamento dos recursos humanos e materiais do Samu com foco no aumento da disponibilidade e numa cobertura mais efetiva dos territórios”, acrescenta o texto.