Entre as artes plásticas e a música

Guilherme Ramos Gonçalves gosta de ser chamado de Kafé por causa de um desses apelidos que a gente ganha na escola sem muito motivo e vão sofrendo tantas corruptelas entre um intervalo de tédio e outro que anos mais tarde fica impossível explicar.

Guilherme foi selecionado e está participando da 18ª edição do Programa Nascente, um programa de estímulo e premiação para artistas e produtores que cursem graduação ou pós na USP. Ele terá uma exposição no Centro Universitário Maria Antonia que começa na segunda-feira, dia 24 de maio de 2010. “Fiquei muito feliz que fui selecionado. Será minha segunda exposição, assim, mais oficial. A primeira ainda está rolando, também, lá no Instituto Oceanográfico da USP”, diz empolgado.

Os trabalhos que ele apresenta na Maria Antonia são parte de uma série de 19 desenhos feitos no segundo semestre de

2009 em que se propôs a investigar as possibilidades do grafite sobre papel na feitura de retratos. Sobre seus retratos e a escolha do grafite sobre papel – talvez a técnica mais simples de desenho -, Kafé afirma: “Creio que a poética se deve a essa flutuação: um olho ativo que não se acomoda em uma solução gráfica encontrada, resultando num desenho que pode parecer inacabado ou dúbio ao mesmo tempo em que é completado pelo olhar do observador e em minha aproximação com quem convivo, através do desenho, resignificando a lógica de uma ação corriqueira que o flagrado efetua”.

Ele tem vinte anos, nasceu em São Paulo, mas sempre morou em Osasco. A família da mãe é da Bahia, mas a família do pai é de Andradina (interior de São Paulo) e apesar disso, seu cenário habitual de fato é São Paulo. Ou seja: uma salada geográfica. “A maior parte das coisas que faço é em São Paulo. ‘Culpa’ talvez do ensino médio no Cefet, onde fiz amizades com pessoas de todo o canto da cidade – Zona Oeste, Leste, Norte, Centro”.

Kafé gosta de passear pela cidade e, em suas andanças, sempre leva consigo um caderno de desenho porque considera um exercício importante para quem estuda arte: tentar captar a atmosfera do lugar onde vive. “Gosto do Largo da Batata, que é meio-caminho para muitos lugares. Gosto do clima de lá, dos nordestinos – que são muitos. Como em Osasco, aliás. Osasco parece uma colônia do nordeste, nunca vi tantos quanto ali pelas bandas do Jardim Mutinga, do Rochdale. Gosto do clima de lá, às vezes é meio trash, com os tecnobregas e tal”, descreve ele.

Ele estuda Artes Plásticas na ECA (Escola de Comunicação e Artes) da USP e é integrante da banda Dito e Feito, que toca de tudo, mas no momento gosta de tocar “música de velho”, como choro e valsa. Kafé é violonista, cantor e gosta de pensar que é também compositor, “Embora minha produção, bem pequena, me contradiga”, diz ele.

por Kafe

Quando questionado se considera seu trabalho artista plástico ou mais músico, Guilherme me dá uma resposta digna de ser repetida por outros dois-em-um: “Não me acho necessariamente mais músico ou artista plástico. Já houve momentos em que eu achei que teria que fazer a terrível escolha entre um e outro, mas, agora, ao que me parece, está na lógica da minha vida pender num momento mais para um lado que para outro. Sem dúvida, as coisas se interrelacionam. Não como uma coisa multiarte – eu até já tive essa pretensão, meio Richard Wagner – mas superei. Acho que podem ser mais simples as relações. Os conhecimentos, de uma forma ou de outra, se misturam”, afirma ele. Uma dessa misturas é feita na identidade visual de sua banda. O encarte do cd da banda, por exemplo, foi projetado e feito artesanalmente por ele.

Guilherme se preocupa com a forma como a arte chega ao público. Influenciado pelo professor do departamento de Artes Plásticas Evandro Carlos Jardim, ele acha que os artistas deveriam ter uma visão menos idealizada de si mesmos e se colocar como “prestadores de serviço”. “Tenho me preocupado cada vez mas com o lugar da arte no mundo. Sempre há um papo de ‘arte na esfera da vida’ que, na prática, vemos pouco. A arte tem esse paradoxo de estar posta pro mundo e a todo instante querer legitimar seu estatuto e ser uma atividade um tanto narcisista. Eu gostaria de fazer algo que fosse significativo pra alguém, e que os meus interlocutores não fossem somente alguns privilegiados que frequentam galerias de arte. Ando muito tomado por uma fala do professor Evandro Carlos Jardim em que ele diz que o artista é um espécie de ‘prestador de serviços’ que deve agir com ética e criar uma coerência entre a sua vocação (desenhar, pintar, etc) e o uso dessas faculdades para o bem”, conclui.

Para ouvir o Dito e Feito: www.myspace.com/ditoefeito