‘Eu saí de Marrocos por causa do machismo’, diz cozinheira
Basma El Halabi é proprietária de um trailer em São Paulo que vende pratos árabes 'com um toque de modernidade'
Empreender na gastronomia sempre foi o sonho da marroquina Basma El Halabi, de 28 anos. Este desejo, no entanto, era praticamente impossível em meio à cultura machista de seu país, que expõe mulheres à violência e as coloca em posição de inferioridade em relação aos homens. “Você tem que se cobrir com o lenço para que ninguém te faça mal na rua, para que você não seja estuprada”, afirma.
Nascida em Casablanca, em uma família liberal, Basma cursou gastronomia e hotelaria. Seu pai, professor de filosofia e dono de um pequeno restaurante, a ajudou a estudar. Inspirada por ele, a jovem sempre quis ter o seu próprio negócio. Mas, após sofrer uma série de abusos psicológicos, ela entendeu que não poderia mais viver em uma sociedade tão pesada e decidiu sair de Marrocos.
A ideia de abrir algo relacionado à culinária veio a se concretizar quando Basma chegou a São Paulo em 2015, apenas para uma visita, e não foi embora mais. Na cidade, conheceu seu atual marido, que é refugiado sírio, começou a dar aulas de comida árabe e a vender pratos típicos de seu país.
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Há pouco mais de dois meses, a marroquina inaugurou seu food truck, o Banarabi Culinária Árabe, no qual os clientes encontram o tempero marcante de suas origens, com um “toque de modernidade”.
O machismo em Marrocos
“Eu tinha uma amiga chamada Sarah. A gente ia para a faculdade juntas, até que ela conheceu um menino por quem estava apaixonada e ficou grávida. Quando a família soube, o pai a matou. Matou e entrou na prisão. Ela morreu de uma forma muito violenta, com várias facadas”, narra.
O relato acima é um exemplo do que pode ocorrer com as mulheres em Marrocos. “Você não tem direito a errar, você tem que ser uma adolescente tranquila e uma mãe perfeita. Senão acabou. Qualquer erro pode destruir a sua reputação, a da sua família e a sua vida inteira”, conta Basma.
Nascer em uma cultura machista fez com que a marroquina se identificasse com o feminismo ainda muito nova.
“Por que a mulher tem que se cobrir para se proteger? Por que ela tem que se casar e ter filhos? E se ela não quiser? Se ela quiser fazer outra coisa, como estudar mais, ir para a Nasa… Por que não?”, questiona. “A mulher é muito mais forte do que isso. A mulher sabe fazer o negócio que dá certo. Ela é uma criatura única.”
Na religião e na cultura de seu país, os homens têm muito mais importância do que as mulheres. Por exemplo, se o pai da família morre, a menina fica com 1% e o menino, com o dobro dos bens materiais. “Eu sou contra isso, sempre vou ser, seja no meu país ou em outro”, completa.
Novos rumos
Em busca de seus sonhos, Basma se mudou para a França há alguns anos, onde fez um curso de gastronomia e trabalhou com culinária. Mas, enquanto vivia em Paris, sofreu inúmeras situações de preconceito por ser árabe. “Já me perguntaram: ‘Você sabe fazer bomba?’ e disseram também: ‘Volta para o seu país'”, relata.
Em 2015, a marroquina veio ao Brasil para visitar sua irmã mais velha, que se casou com um brasileiro. “Cheguei aqui apenas para conhecer a região, pois a minha intenção era viajar para os Estados Unidos.” Mas isso logo mudou. Pouco tempo depois de desembarcar, conheceu seu atual marido, trabalhou e começou a vender comida árabe.
“Eu achei o povo brasileiro muito simpático e que aceita os imigrantes. É um país de acolhimento. Aí eu falei: vou ficar um pouquinho. Agora já é o segundo ano. Acho que vou ficar aqui para sempre”, afirma.
Basma está em São Paulo como imigrante, mas, por ter se casado com um refugiado sírio, conseguiu solicitar documentos que têm direitos equivalentes aos de refúgio.
Ao se estabelecer na cidade, a jovem trabalhou em várias associações, como o Migraflix e a Adus (Instituto de Reintegração do Refugiado), além de ter participado de várias feiras e eventos de gastronomia.
Um dia, a cozinheira apareceu em um programa de televisão, na Sony TV, e o dono do China in Box decidiu investir e montar um food truck para ela. O empreendimento já está funcionando há dois meses e tem feito sucesso.
Sabor árabe e um toque de modernidade
Basma aprendeu a cozinhar com a sua família – mãe, tias e avós – desde bem pequena, mesmo os pratos mais complicados, como o tajine, receita marroquina feita com carne e legumes.
Quando ficou mais velha, entrou em uma escola para aprender a culinária profissional. Após fazer um curso de três anos de hotelaria e gastronomia, atuou nas cozinhas de grandes chefes e de hotéis.
Embora tenha se especializado em comida árabe, a imigrante prefere preparar a culinária europeia, como a francesa e a italiana, porque gosta muito de mexer com massas. “Eu cozinho a comida de meu país como se deve, como a minha mãe me ensinou, mas com um toque de modernidade”, diz.
Para adaptar o sabor árabe ao paladar brasileiro, a cozinheira substituiu alguns temperos por ervas, como salsinha, hortelã e manjericão, deixando o alimento mais perfumado e menos apimentado.
Hoje, ela aluga uma cozinha profissional, onde prepara toda a comida da semana e congela o que é possível. Já seu marido a ajuda na parte de compras, contabilidade e pagamentos.
Mudanças e sonhos
A vinda para o Brasil mudou praticamente tudo na vida de Basma. Todas as frases que ouvia desde a infância, como “a mulher nunca vai dar certo”, se tornaram ainda mais equivocadas para ela.
“Eu não sou mais a mesma pessoa. Aprendi muita coisa, aprendi a confiar em mim. Antes, eu tinha muito medo de fazer algo e não dar certo. Hoje não: faço um estudo, sei mexer com os números e sei quando vai dar certo ou não”, ressalta.
Mesmo com o pouco tempo disponível, a marroquina consegue administrar seus dias com o trailer, que funciona de segunda a segunda, e as palestras e workshops no Migraflix.
Mas as conquistas recentes na capital paulista fizeram a cozinheira sonhar ainda mais alto. No futuro, ela pretende expandir e montar um outro trailer com a mesma marca, o mesmo produto e o mesmo jeito de preparar os alimentos.
- Serviço:
Banarabi Culinária Árabe
Endereço: Vila Butantan – Rua Agostinho Cantu, 47
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