Filha adotiva de Damares foi levada de tribo ilegalmente
Reportagem da revista Época entrevistou índios da aldeia Kamayurá
Em reportagem de Natália Portinari e Vinicius Sassine, da revista Época, índios da aldeia Kamayurá, localizada no centro da reserva indígena do Xingu, norte do Mato Grosso, afirmaram que a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, levou Kajutiti Lulu Kamayurá irregularmente da tribo.
A ministra do governo de Jair Bolsonaro apresenta Lulu, hoje aos 20 anos, como sua filha adotiva. No entanto, Damares já admitiu em entrevista que nunca formalizou a adoção legalmente.
De acordo com os índios, a jovem foi levada quanto tinha 6 anos de idade por uma amiga de Damares, Márcia Suzuki. À época, a mulher usou como pretexto que a criança faria um tratamento dentário na cidade, mas nunca mais voltou para a aldeia.
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“Márcia veio na Kuarup [festa tradicional em homenagem aos mortos], olhou os dentes todos estragados [de Lulu] e falou que ia levar para tratar”, relatou Mapulu, pajé kamayurá e irmã do cacique. Damares e sua amiga fundaram a ONG Atini, voltada para assistência da população indígena.
Segundo os índios, a mãe biológica da menina não tinha condições de cuidar dela. Por isso, Piracumã, o tio de Lulu, decidiu deixá-la aos cuidados da vó paterna, Tanumakaru. Como a aldeia sofria com escassez de comida e remédios, a criança ficou desnutrida e precisou ser levada por servidores que cuidam da saúde dos indígenas da região.
“Chorei, e Lulu estava chorando também por deixar a avó. Márcia levou na marra. Disse que ia mandar de volta, que quando entrasse de férias ia mandar aqui. Cadê?”, declarou, em tupi, a avó, hoje quase octogenária. Ela ainda afirmou que não sabia que a neta nunca mais retornaria.
Para estar de acordo com a lei, a adoção de uma criança indígena precisa passar pelo crivo da Justiça Federal e da Justiça comum. A adoção, guarda ou tutela também depende de autorização da Funai.
Outro lado
Questionada pela revista, a ministra disse que a família biológica da filha adotiva a visita regularmente e que a jovem retornou ao Xingu para visitas. “Ela deixou o local com a família e jamais perdeu o contato com seus parentes biológicos.” Já os moradores da tribo dizem que a primeira visita de Lulu aconteceu apenas há cerca de dois anos. Damares não respondeu a questão de não ter adotado formalmente a filha.
Após a repercussão da reportagem da Época, Damares divulgou uma nota em que declarou ser a “cuidadora” de Lulu e negou que ela tenha sido retirada irregularmente da família.
“Lulu não foi arrancada dos braços dos familiares. Ela saiu com total anuência de todos e acompanhada de tios, primos e irmãos para tratamento ortodôntico, de processo de desnutrição e desidratação. Também veio a Brasília estudar”, diz o texto.
Confira na íntegra:
“Nota pública sobre repercussões relacionadas à matéria da revista Época
Sobre as repercussões relacionadas à matéria da revista Época no processo de adoção de Lulu Kamayurá, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos esclarece os seguintes pontos:
1. A ministra Damares Alves não estava presente no processo de saída de Lulu da aldeia. As duas se conheceram em Brasília.
2. Lulu não foi arrancada dos braços dos familiares. Ela saiu com total anuência de todos e acompanhada de tios, primos e irmãos para tratamento ortodôntico, de processo de desnutrição e desidratação. Também veio a Brasília estudar.
3. Damares é uma cuidadora de Lulu e a considera uma filha. Como não se trata de um processo de adoção, e sim um vínculo socioafetivo, os requisitos citados pela reportagem não se aplicam. Ela nunca deixou de conviver com os parentes, que ainda moram em Brasília.
4. Lulu não foi alienada de sua cultura e passou por rituais de passagem de sua tribo.
5. Lulu não é pessoa pública. É maior de idade. Não foi sequestrada. Saiu da aldeia com familiares, foi e é cuidada por Damares com anuência destes. Nenhum suposto interesse público no caso deveria ser motivo para a violação do direito a uma vida privada, sem tamanha exposição.”