Frota: ‘Quem falou pro Bolsonaro da existência da Ancine fui eu’
Expulso do PSL e filiado ao PSDB, o deputado federal concedeu uma entrevista ao jornalista Gilberto Dimenstein, da Catraca Livre, nesta segunda-feira, 26
Expulso do PSL e filiado recentemente ao PSDB, o deputado federal Alexandre Frota afirmou, em entrevista ao jornalista Gilberto Dimenstein, da Catraca Livre, que não teria votado no presidente Jair Bolsonaro se soubesse que isso significaria votar no filósofo Olavo de Carvalho, tido como o “guru” do governo.
Segundo o deputado, acusado de infidelidade partidária depois de criticar abertamente Bolsonaro, figuras como Olavo de Carvalho e Carlos Bolsonaro, filho do presidente, transitam em um “governo paralelo”, que se tornou um “peso” e no qual “não se pode confiar”. Para Frota, Carlos é parecido com o pai por criar “inimigos imaginários” em lugares que nem existem.
Questionado se pediria desculpas por ter ajudado a eleger Bolsonaro, o deputado explicou que ainda não está nesse processo, mas pode ser que chegue a esse ponto. “Outro dia, o Bolsonaro disse que não conhece o Frota, mas ele também não sabe onde está o Queiroz, não sabe que existe desmatamento, não sabe que a Terra é redonda, que tem aquecimento global…”, provocou. “Eu já mudei de partido, me sinto leve e livre, não ligo pras críticas de [que seria um] ‘traidor’”, completou.
O deputado afirmou que, após sua expulsão, o PSL não deve expulsar mais ninguém. “Quando você é expulso, acaba entrando em outro partido concorrente. Eu entrei no PSDB, que é estabilizado e tem 30 anos de história, e isso a gente tem que respeitar”, declarou. “O novo PSDB me deu autonomia, eu fui muito bem recebido. Saio do PSL grande e chego maior ao PSDB, isso não é falsa modéstia. Sei que o meu trabalho na Câmara tem gerado resultado.”
Durante a entrevista, Frota ainda comentou sobre arrependimentos de sua vida pessoal, a campanha eleitoral do atual presidente e o desmonte da Cultura. Ele também revelou que Bolsonaro nem sabia que a Ancine existia. “Quem falou para ele da existência da Ancine fui eu.”
Confira os temas abordados na entrevista:
Intimidade de Bolsonaro
Realmente, ele é uma pessoa difícil de conviver, é um cara inseguro no dia a dia, nas decisões, precisa sempre ouvir determinadas pessoas, que muitas vezes não estão no governo e fazem um “governo paralelo”.
Nós fizemos a campanha do Bolsonaro em cima das redes sociais e nas controvérsias que a imprensa debatia com ele. Ele é um cara controverso, polêmico, que se aproveitava dessa confusão jornalística que o país atravessa e usava isso como ferramenta. Você vê que ele descobriu há pouco tempo essa “paradinha” na saída do palácio, onde ele passa os recados que quer para a imprensa.
O Bolsonaro está agora com a questão do “filhotismo”. Não se pode falar nada de algum filho dele.
Eu falei na cara dele: você prometeu que ia governar sem viés ideológico e pra todo mundo. Ele não está fazendo isso.
Boa parte dos seguidores radicais de Bolsonaro está atacando as pessoas de uma maneira mais viril do que eu via a esquerda atacando no passado. Eles estão agindo como eles criticavam a esquerda durante a campanha.
Eles entendiam que a esquerda seguia um caminho que não poderia ser seguido. Hoje, eu vejo que eles falavam tanto das diferenças com a esquerda, mas agora têm um discurso pior do que aqueles que no passado nos atacaram.
Saída do PSL
Na verdade, o Bolsonaro não desconfiou de mim. Ele comprou barulho quando entrei em conflito e falei a verdade pra ele, como que não concordava com o Eduardo para embaixador [do Brasil nos Estados Unidos]. Também falei que tem hora que ele fala demais e que como presidente deveria se preservar. Além disso, dei nota 4 pra ele [governo Bolsonaro] na Rádio Bandeirantes. Falei que queria o [Fabrício] Queiroz [ex-assessor de Flávio e investigado por ser o pivô de um esquema de lavagem de dinheiro na Assembleia do Rio] preso.
Logo na primeira semana de governo aparece o caso Queiroz, o partido fica perdido porque não esperava que esse personagem aparecesse. Isso gerou um conflito lá dentro: como você vai defender o indefensável?
Tem pessoas de fora, como o filho Carlos Bolsonaro e o Olavo de Carvalho, que transitam num governo paralelo. Se eu soubesse que votar no Bolsonaro significaria votar no Olavo, eu não teria votado nele. Por exemplo, Bolsonaro levou 3 meses para tirar o [Ricardo] Vélez [indicação do Olavo de Carvalho] do Ministério da Educação, sendo que todos falaram que ele não servia como ministro. Em seguida, um repórter pergunta ao Olavo onde ele conheceu o Vélez, e ele fala: “Eu assisti a três vídeos dele”. Ou seja, o ministro é indicado por um cara que se diz “guru” porque viu três vídeos.
[Gustavo] Bebianno [ex-ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência de Bolsonaro], [general Carlos Alberto] Santos Cruz [ex-ministro da Secretaria de Governo], [deputado federal pelo PSL] Julian Lemos, o próprio [Joaquim] Levy [ex-presidente do BNDES] e Magno Malta [ex-senador] foram pessoas fiéis a ele, mas ele foi descartando aos poucos.
É uma incógnita o que aconteceu desde a noite em que Bolsonaro foi eleito até o dia seguinte. O Magno Malta fez todo um discurso depois que ele ganhou e no outro dia, às 9h da manhã, já não podia entrar na casa do Bolsonaro. Algo aconteceu nessa noite que fez com que Malta se tornasse seu inimigo número 1.
Existe um processo de fritura que começa pelo Olavo de Carvalho. O Olavo de Carvalho é o primeiro que dá o ataque, aí você começa a rebater, então, na sequência, vêm os alunos dele e acabam de arrancar sua pele. Quando você já está exposto, entra o Bolsonaro com a demissão ou pedido de expulsão. O processo com Santos Cruz e com o Bebianno foi assim.
Eu deixei de carregar um peso nas costas que é o governo [ao ser expulso do PSL]. O governo se tornou um peso, a gente não pode falar que confia 100% nele. É um governo que não fez o que deveria na [reforma da] Previdência, quem fez foi o Congresso. Eu tenho certeza que Bolsonaro não leu o texto da Previdência e entregou. Ele tinha tudo pra voar desde que colocasse em volta dele pessoas que pudessem levar o país para frente.
Onde está [o vice Hamilton] Mourão? Ele desapareceu da “novela”, sumiu. Eu deduzo que, em determinado momento, Bolsonaro convidou [Sergio] Moro para fazer uma parceria e tentar se reeleger em 2022 com ele de vice, mas o ministro não aceitou. Então, na paranoia dele, se ele não quer ser seu vice, é porque pretende ser candidato também. A força do Moro incomoda o Bolsonaro, por isso tirou o Coaf de suas mãos e começou a torná-lo figurante no governo. Até que ponto Moro vai aguentar tudo isso? É um processo de fritura dele. Ele entrou como um superministro e hoje não consegue indicar nem um porteiro.
Facada, eleições e Lula
Eu avisei que Bolsonaro poderia tomar um tiro ou uma facada na época da campanha eleitoral. Inclusive, era para eu estar com ele naquele dia em Juiz de Fora (MG). Ele não ouvia, ficou cego para aquilo ali.
Para mim, um simbolismo muito grande na cabeça do Bolsonaro são as fotos e vídeos em que Lula aparecia entre milhares de pessoas. Não sei se é inveja, mas a plasticidade dessas cenas é muito grande. Você ser carregado nos braços do povo é diferente. E eu via que ele buscava aquilo. Ele não botava o colete à prova de balas. Ele se colocou na situação de risco, ele sabia que era um alvo, que tinham vários grupos na sociedade, independentemente de esquerda ou direita, que poderiam atentar contra ele.
Foi a partir do momento da facada que passamos a ter tempo de televisão. A facada fez Bolsonaro ter 26 horas de televisão por dia. A partir daí ele ganhou a eleição, pois teve uma exposição muito grande e seu filho Eduardo, aproveitou bem essa situação para se tornar um porta-voz do [hospital Albert] Einstein.
O “complô” das esquerdas sempre esteve na nossa cabeça porque a gente sempre trabalhou. [O PT] era um partido extremamente formado e forte que governou por 13 anos o Brasil, com todas as suas ramificações, CUT, Povo Sem Medo, UNE, etc., tudo isso sempre dava o alerta vermelho ali, para a gente, não dava para dar moleza.
Carlos Bolsonaro
O Carlos Bolsonaro começa a se tornar importante para o cenário no momento em que o Jair ganha a eleição, porque ali ele passa a pilotar a situação.
Os arquitetos da vitória de Bolsonaro têm nome: Bebianno, Julian Lemos e aqueles outros que o ajudaram, os grupos que se formaram, as caravanas, toda a movimentação…
Ele [Carlos] passou a incomodar a partir do momento em que o pai ganha a eleição, pois começa a querer mexer no governo e opinar no que não gosta, indicar pessoas, etc.
Eu não me dou com ele, ele é bloqueado nas minhas redes, que hoje eu nem tenho mais. Eu não transitei com ele. Eu encontrava mais o Eduardo, fizemos algumas ações juntos durante a campanha. Não concordo com a maneira como o Carlos se comporta, agredindo os próprios aliados. Ele é parecido com o pai nisso de criar “inimigos imaginários”. Eles veem inimigos em lugares que nem existem.
Ancine
O Bolsonaro nem sabia que a Ancine existia. Quem falou para ele da existência da Ancine fui eu. Eu procurei o Bolsonaro para falar sobre essa questão. Ele não sabia como presidente que a prerrogativa para escolher o novo presidente da Ancine era dele. A Ancine, hoje, tem 3.700 contratos sem prestação de contas. Ela ficou sendo dirigida durante muito tempo pelo PCdoB.
Eu falei para ele e para o Onyx [Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil] levarem a Ancine para a Brasília. Para mim, seria bom tirar um pouco do Rio de Janeiro para desmistificar. Agora, ele já falou que se pudesse cortava a cabeça de todo mundo lá, que “Bruna Surfistinha” não é filme.
Ele se incomoda tanto com a questão LGBT a ponto de vetar o comercial do Banco do Brasil, por exemplo. Não é só hétero que abre conta no banco, e foi pensando nessa diversidade que o marketing criou aquela peça, para chamar atenção e mostrar que pode ser plural, que as pessoas podem andar juntas.
Bolsonaro disse que vai impor filtro nos filmes produzidos. Você não vê filtros assim na cultura desde 1960.
Cultura e Lei Rouanet
Eu não pedi um cargo a Bolsonaro nem a ninguém.
Bolsonaro me mandou mensagem e pediu que eu montasse para ele o cinturão de secretarias culturais, que dariam hoje apoio ao secretário de Cultura, Henrique Pires, que acabou de se demitir por causa de censura.
Eu montei seis secretarias: de diversidade, que ficou com o Gustavo Amaral, de economia criativa, fui buscar com o Paulo Guedes, de direitos autorais, fui buscar com o Celso Russomano, de monumentos e museus e a de audiovisual. Eu procurei pessoas técnicas, profissionais, renomadas, que pudessem auxiliar o secretário.
A partir do momento que ele encerra o Ministério da Cultura e transforma em Secretaria de Cultura, mas com os mesmos mil funcionários do ministério, poderia dar certo. Mas não foi isso o que aconteceu.
A nossa cultura ficou reduzida a uma secretaria, que não tem funcionado. Temos tudo paralisado, o país é um celeiro cultural, mas ninguém consegue fazer absolutamente nada.
Nós ajudamos a demonizar a Lei Rouanet. Eu fui o porta-voz da “farra da cultura”. Ela existiu principalmente na época em que nosso ministro Gilberto Gil fez o mandato dele [na Cultura, no governo Lula]. Existiram alguns problemas de prestação de contas, atores que conseguiram seu incentivo e prometeram fazer turnês que não aconteceram, produtores que pegaram dinheiro para tal projeto e fizeram outro… Eu acho que o governo deveria ter pegado cinco nomes como exemplo e mostrado para o público. Mas não poderia ter freado a nossa cultura.
O meu discurso sempre foi o mesmo: pegar e trabalhar com o que foi errado na parte processual, de pessoas que se beneficiaram com as leis de incentivo. Eu pensei nisso durante a campanha: Bolsonaro vai entrar, a gente monta a equipe e a cultura segue. Mas isso não aconteceu.
João Doria em 2022
Acho que o João Doria vai sair como candidato [à Presidência]. Ele é um grande gestor, um empresário que sabe o que está falando. No estado de São Paulo, vem mostrando que consegue fazer, tem deixado umas coisas que prometeu de lado, mas mostra seu trabalho. O Doria apresenta algo para a sociedade todo dia, hospital, escola, creche, etc. Ele montou um ministério praticamente atrás dele. Eu sei exatamente o meu papel no futuro quando a gente entrar na pista.
Arrependimentos
Eu vivi altos e baixos na minha carreira, fiz sucesso e fracasso, fiquei rico e pobre, mas o meu maior arrependimento foi ter me encontrado com as drogas.
Eu só não injetei, mas usei maconha, cocaína, ecstasy, tudo junto. Fiquei completamente destruído, me fizeram perder tudo o que eu tinha, família, trabalho e bens materiais. Quando olho para trás, vejo que me arrependo de como fui quando me autodestruí. Toda vez que ficava muito louco, eu me trancava dentro de casa, nunca tive essas coisas de violência porque não queria que as pessoas me vissem assim. Eu ficava 72 horas louco, sem comer e sem tomar banho.
Deus me salvou. Chegou uma hora que eu caí de joelho e achei que fosse morrer. Eu não queria isso para mim nem para minha mãe. Pensei em me internar, chorei muito. Eu não fiz tratamento. Tive crises de abstinência, mas me controlei. Eu fiquei muito mal.
Hoje, estou há 15 anos limpo, não bebo nada, nada, nada. As coisas não mexem mais comigo. Hoje tenho minha família, só quero trabalhar e viver o que Deus me deu de vida.