Green money: uruguaios buscam atrair brasileiros para ExpoCannabis

Ativista uruguaia e idealizadora da ExpoCannabis, Mercedesde León, falou sobre empreendedorismo, maconha medicinal e os frutos da legalização

04/12/2019 14:32 / Atualizado em 01/07/2020 12:01

Expoocannabis chega a sexta edição, em 2019, nos dias 6, 7 e 8 de dezembro, abordando temas como empreendedorismo, maconha medicinal, indústria do cânhamo e outras questões
Expoocannabis chega a sexta edição, em 2019, nos dias 6, 7 e 8 de dezembro, abordando temas como empreendedorismo, maconha medicinal, indústria do cânhamo e outras questões

Nos próximos dias 6,7 e 8 de dezembro, Montevidéu será palco da sexta edição da Expocannabis. O encontro visa a troca de informações sobre as diversas finalidades do uso da cannabis seja ela medicinal, terapêutica e industrial.

O evento reúne atores do setor público, organizações sociais, academia, comunidade cannabica, artistas e, claro, todo aquele que busca mais conhecimento sobre as propriedades da planta.

A Catraca Livre conversou com a ativista e idealizadora da feira, Mercedes Ponce de León, que esteve em São Paulo  em outubro deste ano, para promover a Expocannabis entre o público brasileiro_cada vez mais presente na feira.

Na conversa, León falou sobre o papel do empreendedorismo após a legalização, a indústria do cânhamo, uso medicinal e o futuro da maconha com a eleição no Uruguai. E, principalmente, fez um balanço sobre o impacto do uso da planta entre os uruguaios seis anos após a legalização.

Em 2008, Mercedes começou a trabalhar na indústria da cannabis na Califórnia e desde então nunca mais parou. Hoje é uma das porta-vozes do empreendedorismo canábico no Uruguai
Em 2008, Mercedes começou a trabalhar na indústria da cannabis na Califórnia e desde então nunca mais parou. Hoje é uma das porta-vozes do empreendedorismo canábico no Uruguai

Green money

“Desde o primeiro evento, realizado em 2014, sempre chamou a atenção a presença de brasileiros. Buscam informações sobre a regulação e como funciona a legalização no Uruguai. Primeiro foi o público, depois os meios de comunicação e depois as empresas brasileiras que marcaram presença na feira.

A gente fica muito agradecido por poder trabalhar com eles. A feira hoje é uma importante plataforma da normalização da regulação e institucionalização da indústria da cannabis no uruguai. Temos apoio do governo e da sociedade civil, porque nos tornamos uma plataforma de negócios muito grande. E pensamos, que forma podemos ajudar esses brasileiros que estão aqui para aprender mais sobre a regulação da cannabis. De que forma podemos ajudá-los ?

É uma responsabilidade do Uruguai, que está vivendo a liberdade do futuro do Brasil, que hoje é a realidade no Uruguai. Porque a tendência é a regulação em outros países, e cabe a nós ajudar o processo de regulação no Brasil. E a maneira que encontramos foi contatar, se aproximar da sociedade brasileira, das empresas para dividir como tem sido nossa experiência. Para mostrar que é possível.

Para as empresas, ensinar os caminhos da regularização para a indústria, a fim de que não cometam os mesmos erros cometidos por nós. De forma que suas empresas já sejam conhecidas, desenvolvidas e estejam de acordo com as leis. Que estejam preparadas para quando a legalização chegar aqui. Ajudar a preparação da indústria canábica no Brasil.”

Caminhos da legalização

“Mas para isso também é importante entender o que motivou a regulação da cannabis no Uruguai. Um caminho diferente do que acontece no Brasil. A regulação não aconteceu a partir do debate sobre maconha medicinal, a exemplo do que está acontecendo aqui. Cada país tem suas leis, suas especificidades, um processo de regulação diferente.

O Uruguai não tem a igreja no governo, o estado é laico, e o consumo de todas drogas é legal desde 1974.  A princípio havia perseguição, mas isso diminuíu a partir dos anos 2000. E se normalizou a partir de 2005, quando a esquerda chegou ao poder no Uruguai. Coincidentemente, a sociedade começou a aceitar o consumo, se normalizou.

O que trouxe visibilidade às injustiças sociais cometidas que isso trazia. Por que para eu consumir maconha ou outro tipo de droga, era obrigada a infrigir a lei. Ou fazer algo ilegal para conseguir.”

Uma questão de direitos humanos

“Dessa forma, os usuários estavam sendo criminalizados. E isso é uma questão de direitos humanos. Uma injustiça. E esse foi o caminho que levou à legalização no Uruguai.

Uma vez que nao foi por saúde, o tema da maconha medicinal também entrou em questão. Ou seja, seis anos depois, a experiência da maconha recreativa no Uruguai foi boa. A implementação foi lenta mas boa. Acertada. A experiência foi muito boa, serve de exemplo para o mundo.

Conseguimos romper paradigmas de medo, que não tinham base científica, como por exemplo de que o narcotráfico se apoderaria dos meios de distribuição como as farmácias, ou que as pessoas causariam problemas nas ruas e nada disso aconteceu.”

Regulação pelo fim da guerra às drogas

“O autocultivo e os clubes são uma boa solução. Hoje são quase 49 mil pessoas registradas para fumar maconha legalmente, quando se dizia que no Uruguai havia cerca de 50 mil usuários de maconha.

Cada pessoa tem direito a 40 gramas pessoais. Se você multiplicar por cada pessoa registrada, você tem quase duas toneladas de maconha retiradas por mês do narcotráfico. E esse número é muito maior que qualquer apreensão policial ocorrida na história do Uruguai.

Entao está provado, por números, que para dar um golpe no narcotráfico a regulação é um caminho de paz, estabilidade e muito mais efetivo que a guerra às drogas.

Porque o narcotráfico corrompe a polícia, os poderes políticos, já que move muito dinheiro.O narcotráfico corrompe a sociedade inteira, a saúde da gente, a gente consome merda, e a insegurança. Por que a pessoa precisa ir até ao traficante em lugar insegura.

Ou seja, a guerra às drogas fracassou. Se ainda defendem a guerra às drogas é por questão, moral, religiosa, mas nenhuma razão científica. A regulação mostra que há um caminho de melhor qualidade, paz, acessibilidade legal.”

Maconha medicinal

“Ao contrário de outros países, no Uruguai a questão da maconha medicinal veio depois da regulação. Agora está começando organizações sociais de pacientes, que estão exigindo produtos da cannabis medicinal em farmácias, controlados, para doenças. Por que por mais que tenha ocorrido a regulação, a resistência do ministério público é grande ainda.

Falta de vontade de política, eles não liberavam licenças medicinais. Mas foi mudando pouco a pouco. Hoje já temos alguns produtos na farmácia, ainda que não sejam suficientes, mas é algo.

Ainda que o acesso seja um problema, algumas empresas já possuem licença para produzir e estamos exportando maconha medicinal, pro Canadá e Alemanha. Então isso é um caminho interessante para se reconhecer o potencial da  maconha medicinal.

Recentemente foi aprovado um projeto de lei sobre a maconha medicinal, apoiado por todos os partidos políticos, que nasceu da luta pela implementação da cannabis. O projeto pressiona o MP a oferecer a possibilidade de as pessoas fazerem a própria medicina, através do cultivo medicinal. E isso será um dos temas abordados na ExpoCannabis.”

Cânhamo 

“A regulação ofereceu um monte de oportunidades para as empresas. Para a indústria, para o campo. Hoje temos mais de um milhão de hectares preparados para o canhamo. 22 licenças outorgadas para empresa. Ou seja, a Indústria está crescendo ainda que o mundo esteja passando por uma crise mundial. É um mercado que está crescendo muito e se tornou uma verdadeira oportunidade.”

Futuro 

“É importante entender que a aceitação da regulalção da cannabis era menos de 50% da população. Esse caminho foi aberto pelo governo e parte da sociedade civil, mas que, naquela época, ainda enfrentava certa resistência. Cinco anos depois a aceitação ultrapassou 60% e a aceitação da cannabis medicinal é de 98%. Isso mostra que foi perdido o medo, a estigma, que se valoriza a importãncia de se aproveitar os valores e o potencial da planta_em vez de criminalizá-la ao saber que não existe uma morte no mundo pelo seu consumo.

Não existe base científica para a proibição da cannabis. A experiência do Uruguai está sendo vista pelo mundo. Nós temos uma história de conquistas sociais: somos o primeiro país do mundo a aprovar o divórcio, depois veio o voto das mulheres, o aborto legal, patrimônio humanitário, um país que sempre aprovou leis que depois são experimentadas no mundo inteiro.”