A imigrante haitiana que quer construir uma escola em seu país
No Brasil há quase dois anos, Geneviève Cherubin lançou uma 'vaquinha on-line' para construir uma escola e melhorar a vida das crianças da comunidade de Corail, no Haiti
“Recomeçar a vida e encontrar coisas boas.” Este foi o motivo pelo qual a professora Geneviève Cherubin, 34 anos, decidiu deixar a família no Haiti, seu país natal, e vir morar no Brasil, em 22 de julho de 2015.
Desembarcou em São Paulo (SP) sem amigos ou parentes, com pouco dinheiro e dois desafios principais: aprender o novo idioma e conseguir um emprego para se manter na cidade.
Conhecida como Gene, a imigrante cresceu em uma região longe da pobreza de Porto Príncipe, capital do Haiti. No passado, seus pais viveram na miséria, mas depois se tornaram comerciantes e puderam dar uma condição melhor aos filhos. Por esses fatores, ela teve acesso a boas escolas durante a infância e a adolescência.
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Nesta época, ainda não tinha tido contato com a realidade da maior parte da população do país mais pobre das Américas e um dos mais pobres do mundo (168º de 187 países no Índice de Desenvolvimento Humano).
Esse panorama foi agravado com a ocorrência do terremoto de 2010, que matou 220 mil pessoas, e do furacão Matthew, em 2016. Os dois desastres não chegaram a afetar o bairro da professora. “Mas todo haitiano tem um amigo ou um familiar que foi atingido”, diz.
A haitiana se formou em uma escola de pedagogia e começou a trabalhar como professora primária em 2003, ano em que Jonathan, seu filho, nasceu. Hoje, aos 14 anos, ele mora com o pai nos Estados Unidos. Já sua mãe e seu irmão permanecem no Haiti e a irmã também vive nos EUA.
Voluntariado
Em 2010, depois do terremoto, a professora viajou pelo Haiti a convite da fundação “Imagine” e conheceu regiões em situação de extrema vulnerabilidade social.
Como voluntária do projeto, atuou durante quatro anos em uma escola da Comunidade de Bernard Gousse, do estado de Pestel, sudoeste do país, onde deu aulas para as crianças.
“Encontrei um mundo que não conhecia até então. Lá, não tem luz, não tem banheiro, não tem escola. Não tem nada”, lembra. A comunidade também foi atingida pelo furacão de 2016.
Quando seu pai faleceu, em 2014, Gene voltou para Porto Príncipe. Após alguns meses, tomou a difícil decisão de partir em busca de uma vida melhor no Brasil, incentivada por sua mãe. Enquanto esperava o visto ficar pronto, morou seis meses no Equador dando aulas de francês.
Do Haiti ao Brasil
“Eu não gosto de reclamar. Quando eu cheguei aqui, as coisas, é claro, estavam difíceis para mim, porque era um novo mundo, um novo idioma. Então eu comecei a procurar como eu poderia começar a minha nova vida”, afirma.
O primeiro mês não foi fácil. Geneviève dormiu em um quarto com outras seis haitianas, que conheceu chegando em São Paulo. Para aprender português, recebeu ajuda da “Missão da Paz”. Foram quatro horas diárias de aulas, durante 30 dias, e a professora já passou a se comunicar tranquilamente.
A etapa para conseguir se estabelecer no Brasil veio em seguida, quando a haitiana conheceu o “Abraço Cultural“, projeto em que imigrantes e refugiados dão aulas de idiomas para brasileiros, e se candidatou para a vaga de professora de francês.
No trabalho, Gene encontrou uma verdadeira rede de amizade após se aproximar de outros imigrantes e refugiados. Hoje, ela aluga um quarto em uma casa no bairro do Cambuci, centro de São Paulo. Neste lugar, também vivem um angolano, um haitiano e outros brasileiros.
O sonho da Gene
Se antes o desejo de Gene era ter um emprego e se estabelecer no Brasil, agora, após conquistá-lo, seu sonho se transformou. Ela quer dar às crianças da comunidade de Corail, onde foi voluntária, uma educação tão boa quanto a que teve acesso.
A professora criou uma campanha de financiamento coletivo para arrecadar R$ 55 mil e construir uma escola na região de Corail. A ideia é conseguir o dinheiro e se unir com a amiga Marjorie Belance, que já ajuda cerca de 150 crianças em um colégio improvisado no local desde 2014.
O objetivo do projeto é comprar o terreno com as doações e construir a escola, que ficará no nome de uma fundação que atua na comunidade. “Quero ajudar a formar crianças, cidadãos responsáveis pelo mundo, e ensinar elas a pensarem, a fazerem as coisas para a comunidade, e não só para si mesmas.”
Além disso, a iniciativa busca combater o preconceito que existe no país: a discriminação com quem fala crioulo e não francês – que é o idioma oficial do ensino no Haiti. Por isso, a instituição terá aulas em crioulo e o francês será ensinado como língua estrangeira.
“Eu pretendo viajar para o Haiti e levar materiais para as crianças, mas depois volto ao Brasil. A minha amiga, Marjorie, que vai continuar com o projeto. E também vamos buscar outras pessoas para auxiliar na formação dos professores, que serão os próprios jovens da região. Eles vão ter um salário”, explica.
Até a publicação desta reportagem, a campanha já havia arrecadado mais de R$ 12 mil. Quer ajudar? Clique neste link.
Próximos passos
A trajetória da professora no Brasil está apenas no início. Para o futuro, ela planeja continuar trabalhando no “Abraço Cultural” e cursar alguma universidade. “Eu aprendi muito aqui, aprendi a ver as coisas de outro jeito. Aliás, percebi que os haitianos e os brasileiros não são tão diferentes.”
O que mais a impressionou no país é que o “povo brasileiro não tem cara de ninguém”. “Quem são os brasileiros? São pessoas como eu. Os pais deles, avós ou bisavós vieram de outros países. A maior parte dos brasileiros é imigrante ou refugiado, mas as pessoas esquecem disso”, afirma.
Gene também encontrou no Brasil vários grupos que desenvolvem projetos que poderiam ajudar, e muito, as regiões mais pobres do Haiti. “Quero fazer um intercâmbio entre as boas iniciativas de jovens daqui, e levá-las para o meu país”, completa.
No entanto, desde que chegou, não teve condições de passear, principalmente por falta de dinheiro. Seu único lazer? Caminhar pela Avenida Paulista em alguns domingos. “Como se diz no Haiti, eu tenho pé quente, que é uma pessoa que sempre anda e nunca fica dentro de casa.”
“Esse ano eu quero me divertir mais: ir para a praia, visitar cachoeiras, aprender a nadar, fazer escalada, conhecer outras cidades e estados, como Santos e Minas Gerais. Bahia não vou poder esse ano, mas quero ir para o Rio de Janeiro visitar o outro ‘Abraço Cultural’ que tem lá”, narra entusiasmada.
Gene finaliza com uma mensagem de retribuição e carinho: “Eu gostaria de agradecer ao povo brasileiro, falar que vocês são incríveis”.
Assista ao vídeo da campanha de financiamento:
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