Joanna Maranhão: ‘Sou forte, mas não preciso ser forte sempre’
Em entrevista exclusiva à Catraca Livre, a ex-atleta falou sobre sua missão de ajudar outras vítimas de abuso sexual
Aos 31 anos, Joanna de Albuquerque Maranhão Bezerra de Melo, a Joanna Maranhão que o Brasil acostumou a ver nas piscinas olímpicas, tem rodado o país para levar às crianças e às mulheres, principalmente, mensagens de luta e combate ao abuso sexual infantil, ela mesma uma vítima desse tipo de agressão.
Com rumo profissional ainda indefinido desde julho deste ano, quando decidiu se afastar da natação competitiva, a ex-atleta está dando um gás em um projeto pessoal e social: a ONG Infância Livre. O projeto tem como objetivo combater a pedofilia através de suporte às vítimas e ações de prevenção. Para levar inspiração, coragem e “flores no lodo”, vai a programas de TV para falar sobre o tema e dá palestras para crianças e jovens.
Após participar do programa “Olhar espnW” sobre violência e assédio sexual, a pernambucana concedeu entrevista exclusiva à Catraca Livre, em que falou sobre sua missão de ajudar outras vítimas, mas também, aprender a se resguardar e se manter fortalecida. “Eu vou ser para sempre uma vítima. O que eu faço com relação a isso é uma outra história. Eu quero ser forte, eu sou forte, mas eu não preciso ser forte sempre.”
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Catraca Livre – Como tem sido sua vida após a aposentadoria das piscinas?
JOANNA MARANHÃO – Já havia alguns anos que eu vinha tentando conciliar minha agenda de treinos com minha ONG Infância Livre, mas sempre tinham muitos convites que eu não conseguia atender por conta de treino, porque eu ia ter muita queda de performance, devido às viagens e também porque é uma demanda energética muito grande você tratar desse assunto [abuso infantil]. Não tinha certeza e não sei dizer ainda com o que eu vou trabalhar de fato agora que eu parei de nadar, mas tinha certeza de que eu ia dar um gás e uma energia maior para esse trabalho da ONG.
Catraca Livre – Como está seu trabalho social?
JOANNA MARANHÃO – Eu estou conseguindo fazer mais palestras, teve período que passei a semana inteira pegando avião, rodando o país todo, é uma sensação de dever cumprido, de que essa mensagem está sendo multiplicada. Gosto de repetir o tempo inteiro que eu não sou dona dessa narrativa, sou mais uma multiplicadora. Converso com crianças, com pessoas que trabalham com crianças e está aí a importância de participar de programas de TV, de usar as minhas redes [para falar do tema do abuso infantil e da violência doméstica]. Eu estou sempre respondendo mensagens, principalmente de mulheres que passaram por isso, e acho legal que ultimamente companheiros dessas mulheres estão vindo falar comigo: “O que que eu posso fazer pela minha companheira? Ela está passando por uma fase de depressão”. Eu sempre tentei humanizar a minha imagem de atleta de alto rendimento, e agora eu tenho a oportunidade de me aproximar das pessoas. É muito revigorante saber que algo está sendo feito. É um lodo muito grande, e a gente está tentando colocar algumas flores ali.
Catraca Livre – Nessa tentativa de humanizar a Joanna atleta, você deve receber muitos relatos de abuso, muitos pedidos de ajuda… Consegue respondê-los?
JOANNA MARANHÃO – Essa questão de me posicionar nas redes sociais e tentar humanizar um pouco o atleta de alto rendimento tem dois lados. Um é muito bom, as pessoas conseguem fazer um paralelo com as competições em menor escala das suas vidas. Por outro lado, tem aqueles que olham o esporte de rendimento apenas pelo viés meritocrático e acham que, de alguma forma, um tipo de fracasso é uma desculpa para a pessoa que está falando de experiências extracompetição. Chegam até mim casos graves, principalmente de mulheres, que falam comigo, dizem que foram para a terapia, estão muito mal e não sabem mais o que fazer. E eu sei exatamente o que é estar no auge desse maremoto, que é quando você está tentando esse enfrentamento e você não consegue respirar, não consegue habitar em si mesmo. Nesses casos, eu dou meu próprio número, meu próprio contato, tenho uma rede, converso diretamente com elas, a gente acaba se tornando amigas. Tem algumas que melhoram, aprendem a lidar com aquilo e começam a ajudar outras mulheres. Essa corrente eu acho muito bonita. Tem gente que quer saber quantas pessoas eu ajudo. Não importa. Tem muitas pessoas que eu não preciso dar nome, não preciso dar rosto. Preciso dar um abraço, um afago, e essas pessoas multiplicam isso por aí.
Catraca Livre – Ao ouvir tantos casos que remetem ao que você sofreu, não há o risco de surgirem gatilhos? Como lidar com isso?
JOANNA MARANHÃO – Deixo sempre muito claro que vão ter momentos em que eu vou dar um passo para trás e vou cuidar de mim. Se eu não estiver bem, eu não consigo ajudar ninguém. Neste ano, isso aconteceu algumas vezes. Eu engravidei e perdi… passei por um aborto. Querendo ou não, era mais uma experiência que eu digo que é do sagrado feminino, muito forte na minha vida. Isso foi um gatilho, comecei a projetar mil e um problemas. A questão da minha sexualidade, é outra que eu tenho que ficar trabalhando o tempo inteiro. Eu tenho um parceiro incrível que compreende. Tem momentos em que eu estou em crise e ele está super comigo. Tem alguns períodos em que as pessoas não me veem em muitos programas falar sobre a violência ou não estou muito em evidência nas redes. São nesses momentos em que eu estou cuidando de mim e me abraçando porque eu vou ser para sempre uma vítima. O que eu faço com relação a isso é uma outra história. Mas, de vez em quando, acho que é importante eu olhar para mim mesma. Eu quero ser forte, eu sou forte, mas eu não preciso ser forte sempre.
Catraca Livre – De que forma você avalia os casos mais recentes de denúncias de abusos entre atletas brasileiros, principalmente na ginástica artística? Como reduzir esse tipo de agressão?
JOANNA MARANHÃO – É muito paradoxal, e eu gosto de fazer um paralelo com a questão do aborto: quando você descriminaliza o aborto, num primeiro momento, esses números aumentam. Não é que aumentam, de fato, mas está descriminalizado e a gente passa a ter um número maior. A partir do momento que a gente passa a verbalizar [a questão da violência], colocar luz num crime que se alimenta de silêncio e sombra, os casos vão aumentar e isso pode gerar pânico: “Ah, será que falar sobre isso está incentivando?” Mas não. Eu trabalho junto com a Justiça também. Enquanto cidadã, vou a Brasília para acompanhar projetos de lei em que a Justiça possa dar uma punição maior ou acolher melhor a vítima. Eu trabalho mais com casos de crianças, e hoje tem uma Lei da Escuta Dirigida em que tem de haver um cuidado do Conselho Tutelar, da delegacia, do IML para a criança que vai chegar para falar, porque a criança, quando fala para uma pessoa que está preparada para fazer as perguntas certas, para que o caso siga, esta criança não vai ter o processo de revitimização e vai ter menos trauma. Isso é uma lei. Nós temos leis suficientes no nosso país. A gente tem de lutar para que essas leis sejam implementadas. Esta lei, por exemplo, é super interessante, mas tem muito município que não tem dinheiro para fazer essa capacitação. Então eu tento também trabalhar por esse lado, e também na parte de informação, de falar sobre. Tem uma região em que não fui ainda, que é o Norte do país, mas li muitos livros que dizem que lá é até normatizada essa violência, meninas que são exploradas sexualmente e tem isso como normal. A gente tem de fazer essa mudança de cultura.