Jovem denuncia parceiro que retirou camisinha durante sexo

'Ele tentava disfarçar, mas eu percebia. Fiquei desesperada', diz vítima

11/05/2017 10:13 / Atualizado em 20/02/2019 11:29

Stealthing” é um termo em inglês (“stealth” significa “oculto”) que tem sido usado cada vez mais por aqui. Embora a palavra não seja de fácil compreensão para a maioria dos brasileiros, seu significado e a prática são: trata-se da remoção da camisinha durante a relação sexual sem o consentimento do parceiro.

A jornalista Ana Carolina*, de 24 anos, foi recentemente uma das vítimas dessa prática. Há um mês, a jovem conheceu um rapaz pelo Tinder e combinou de ir ao seu apartamento.

Porém, chegando ao local, não gostou da maneira que o rapaz tentou conduzir a relação. Contra a sua vontade, ele introduziu o pênis nela sem ter colocado o preservativo. “Calma, espere um pouco mais”, ele dizia.

Ao censurá-lo, o homem enfim colocou a camisinha, mas depois retirou o preservativo pelo menos mais três vezes sem o consentimento da parceira. “Ele tentava disfarçar, mas eu percebia. Fiquei desesperada”, conta ao Catraca Livre.

Prática foi nomeada pela primeira vez em estudo feito nos Estados Unidos
Prática foi nomeada pela primeira vez em estudo feito nos Estados Unidos - Syldavia

A prática, muito longe de tratar de casos isolados, chegou a ser tema de uma pesquisa da advogada americana Alexandra Brodsky, que publicou o resultado de sua investigação no dia 20 de abril no jornal de gênero e direito da Universidade de Columbia (EUA).

“É terrível escrever sobre uma forma de violência de gênero pouco reconhecida e ouvir um coro de mulheres dizendo que passou por situações desse tipo”, diz a autora, no estudo. O problema, aponta ainda, acontece com mais incidência em casais heterossexuais.

Para ela, se um dos parceiros deseja ter uma relação sexual protegida, a retirada da camisinha faz com que o sexo que ocorria consensualmente passe a não ser consentido – e isso seria uma forma de violência.

O que a lei brasileira diz

Na pesquisa realizada por Brodsky, uma das vítimas diz considerar o stealthing como um “quase estupro”. Outra afirmou que é uma “violação do que tínhamos concordado”.

Nesse sentido, a autora do estudo diz que acredita ser necessária a criação de uma legislação específica para onde as vítimas da prática possam recorrer.

Para a lei brasileira, a prática não é caracterizada como estupro. Isso porque, segundo o artigo 213 do Código Penal, é crime “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

“Sendo assim, em virtude de a prática sexual ter sido autorizada pelos parceiros, o stealthing não pode ser considerado estupro”, diz a advogada Gabriela Souza, da Advocacia para Mulheres.

Consultada pelo Catraca Livre, Souza faz algumas recomendações para as mulheres que sofrerem esse tipo de abuso. Inicialmente, ela recomenda que a vítima compareça a um hospital para receber um coquetel anti-DSTs. É importante que a mulher também realize exames clínicos e faça teste de gravidez.

Já no âmbito da lei, a advogada sugere que as mulheres que desejarem denunciar o ocorrido registrem um boletim de ocorrência para iniciar um processo criminal contra seu agressor.

É o que ocorreu com Ana Carolina*. Após ser vítima de stealthing, ela decidiu prestar queixa numa delegacia de Polícia Civil em São Paulo. Mas, ao conversar com o delegado e o médico do local, acabou se sentindo desestimulada a prosseguir com a denúncia.

Em razão de casos como este, Souza recomenda que a denúncia seja feita em uma Delegacia da Mulher e, de preferência, que a vítima esteja acompanha de alguém que possa apoiá-la.

“Infelizmente, a realidade de atendimento policial ainda é muito opressiva à mulher. Ela pode ser desaconselhada e colocada em situações vexatórias”, diz.

Ainda assim, ela aconselha que a mulher que queira levar adiante a denúncia o faça imediatamente, pois em alguns casos pode ser necessário o exame de corpo de delito.

Alternativas legais

Embora a prática do stealthing ainda seja pouco reconhecida como violência sexual e não seja caracterizada como estupro pela lei, a vítima pode recorrer a alternativas legais.

Souza cita, por exemplo, os artigos 130 (perigo de contato venéreo) do Código Penal, o 131, que diz ser crime “praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio” e o 215, que aponta ser criminoso “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima”.

“É importante que a mulher que for realizar a denúncia na delegacia já esteja consciente desses crimes, para a tipificação da conduta do parceiro desleal”, diz a advogada.

Ainda existe a possibilidade da responsabilização civil deste ato por problemas como uma gravidez indesejada ou aborto, a necessidade de custeio de tratamento médico e efeitos de abalo moral sofrido.

Vítima de abuso após conhecer um rapaz pelo Tinder, Ana Carolina* correu para fazer exames após ter transado sem proteção para checar se estava tudo bem com a saúde. Por sorte, estava. “Mas foi muito humilhante o que aconteceu”, conclui.

*O nome foi alterado para proteger a identidade da vítima.

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