Juiz é acusado por mulheres de assediá-las sexualmente dentro do fórum

"Ele me agarrou sem meu consentimento e por repetidas vezes tentou me beijar”, disse uma das denunciantes

15/08/2022 12:41

Ao menos dez mulheres acusam o juiz Marcos Scalercio de cometer assédio sexual dentro do fórum trabalhista em São Paulo e também nas redes sociais. Os abusos teriam acontecido entre 2014 e 2020.

Juiz é acusado por mulheres de assediá-las sexualmente dentro do fórum
Juiz é acusado por mulheres de assediá-las sexualmente dentro do fórum - Reprodução/Instagram

Três mulheres que estão acusando o professor de assédio sexual procuraram a Me Too Brasil, uma organização sem fins lucrativos que presta assistência jurídica gratuita a vítima de violência sexual, para formarlizar as denúncias contra o juiz.

Scalercio é juiz substituto do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região e professor de direito material e processual do trabalho no Damásio Educacional.

O Me Too Brasil, então, levou as queixas ao Conselho Nacional do Ministério Público. Atualmente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília, e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), em São Paulo, apuram essas três acusações contra o juiz, sendo todos eles nas esferas administrativa e criminal.

As denunciantes, que não querem ser identificadas por medo de represálias, são: uma funcionária do TRT, uma advogada, uma estagiária de direito, seis alunas do cursinho Damásio, e uma professora de direito.

Algumas das mulheres publicaram e compartilharam prints das conversas que dizem ter tido com ele e que, segundo elas, dão comprovação aos assédios sexuais cometidos por Scalercio. As fotos dos diálogos foram divulgadas em grupos fechados de concursos públicos voltados a mulheres, compartilhadas entre as próprias vítimas e também encaminhadas para o Me Too Brasil.

Das dez mulheres, três delas acusam Marcos de agarrá-las e beijá-las forçadamente dentro do seu gabinete no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, na Barra Funda, zona oeste da capital, ou em uma cafeteria próxima ao cursinho, que fica no centro.

Outras sete vítimas também relatam que ele utilizou as redes sociais para cometer assédio, tendo comportamento inapropriado e enviando mensagens sexuais.

Início das denúncias

As denúncias de assédio contra o juiz iniciaram em 2014, mas só foram ser discutidas entre as vítimas apenas em 2020. Primeiro pela internet, quando vítimas que não se conheciam citaram o nome do magistrado em pelo menos dois grupos fechados de discussão voltados a concursos públicos para mulheres. Todas elas definiam o juiz como assediador sexual.

Pronunciamento Cursinho Damásio

O cursinho Damásio por meio de nota divulgada por sua assessoria de imprensa ao g1, disse que não recebeu denúncias de assédio sexual contra o professor que tenham sido feitas por alunas do curso, no entanto que se coloca à disposição para apurar “eventuais desvios de conduta”.

“A Instituição esclarece que atua na promoção de um ambiente acadêmico respeitoso e que não identificou manifestação de estudantes sobre este caso. Para questões desta natureza, a instituição disponibiliza um canal oficial, que se destina a apurar eventuais desvios de condutas”, informa.

Denunciantes

“Quando chegou no gabinete, o doutor Marcos [Scalercio] levantou e segurou os [meus] dois braços. Colocou força nos dois braços e começou a [me] beijar”, disse uma servidora do Tribunal Regional do Trabalho ao g1.

A servidora do TRT, que não era subordinada diretamente ao acusado, disse que o assédio aconteceu depois que ela perguntou as possibilidades de trabalho durante um evento no prédio do fórum.

O juiz então convidou-a para ir até a sala de trabalho dele dentro do fórum e lhe mandou mensagens via WhatsApp, de acordo com o relato da funcionária.

A funcionária contou que o magistrado a “encoxou” na sala: “Doutor Marcos não parou. Veio e pegou na linha da [minha] cintura por três vezes”.

A servidora disse que o magistrado disse: “Sei que você quer”. Em um momento de susto, ela disse que tentou se livrar dele e chegou a colocar a mão no rosto dele e empurrou-o.

Ainda de acordo com a mulher, Scalercio “começou a falar que era juiz, que tinha um monte de mulheres que queriam sair com ele”.

Como o gabinete não possuía câmeras e não tinha mais ninguém na sala de audiência além dos dois, ela falou que tentou pegar o celular para gravá-lo, porém ele não deixou-a fazer o registro do assédio, tirando o telefone dela e o colocou na mesa.

A funcionária contou que o juiz falou que ela “não poderia fazer nada” contra ele. Na sequência, a mulher deixou a sala de audiência e voltou para o seminário.

Nervosa, ela resolveu sair do lugar. No dia posterior ao ocorrido, ela contou a uma amiga o que houve. Dez dias depois, decidiu mandar mensagem para o juiz dizendo que “houve falta de respeito, que não deu abertura” para ele abordá-la daquele jeito.

O magistrado então “respondeu que não sabia sobre o que ela estava falando”, segundo a funcionária.

Na época, ela não o denunciou porque acreditava que “não tinha provas” contra ele, exceto as suas próprias palavras. Porém mudou de opinião quando viu outras mulheres acusando o magistrado por assédio sexual nas redes sociais.

Além dela, uma estudante de direito que estagiava no Fórum Trabalhista Ruy Mendes, em São Paulo, em 2019 contou em depoimento à época sofreu assédio do juiz também no gabinete dele.

“Eu entrei na sala e fiquei de costas para a porta, pois estava debruçada na mesa para retirar meus relatórios da pasta para a assinatura. E por essa razão não vi que ele havia trancado a porta do gabinete. Ele me agarrou sem meu consentimento e por repetidas vezes tentou me beijar”, disse a estagiária ao g1.

Ela relatou que pediu para o magistrado parar de agarrá-la, no entanto ele continuou. “Eu falava em alto e bom tom que não queria e que era para ele parar”, relatou. “Tentei juntar todas as minhas peças [relatórios] que estavam em cima da mesa para sair, e ele não deixava, pois ficava insistentemente me agarrando.”

A vítima disse que escapou do juiz depois de alguns minutos, quando conseguiu sair da sala. “Em seguida, ele me enviou mensagem dizendo para marcarmos outro dia, pois ele queria me ver”.

A então estagiária contou que respondeu a mensagem do juiz questionando se ele não tinha “medo” por tê-la assediado dentro do gabinete dele. Mas, de acordo com ela, Scalercio disse que ninguém acreditaria nela se falasse o que aconteceu lá dentro.

“Eu o questionei se ele não tinha medo de criar essa situação dentro do próprio gabinete. Ele disse que ninguém acreditaria, caso eu contasse”, contou a aluna.

Uma então estudante de direito e aluna do Damásio à época também foi atrás do Me Too Brasil para denunciar o magistrado por tê-la agarrado e tentado beijá-la à força. Segundo o depoimento dado à Corregedoria do TRT, o assédio aconteceu em 2014 em uma cafeteria no Centro da capital, próximo a faculdade que ela estudava.

Uma outra ex-estudante do cursinho Damásio procurou o Me Too para denunciar o magistrado, de quem era aluna, de ter usado as redes sociais dele na internet para assediá-la no ano de 2014. Como as aulas eram a distância, ela contou que adicionou Scalercio no Facebook para tirar uma dúvida. Após isso, de acordo com o relato, ele começou a dar “cantadas baratas” e pedir foto dela de “calcinha”.

Ainda segundo a vítima, o professor ofereceu revisão da prova via Skype e, quando ela abriu a câmera, viu que ele estava nu e masturbando-se. Ela disse que desligou o vídeo na sequência.

Assédio sexual é crime

As violências que ocorrem no ambiente público e que popularmente chamamos de “assédio” abarcam uma multiplicidade de ações. Dentre elas estão as cantadas inapropriadas, insistentes e degradantes, passando por condutas como apalpar, encoxar e até casos de ejaculação. Situações como essas não são incomuns no transporte público, nas ruas e até em carros de aplicativo de transporte.

A criação do crime de importunação sexual foi impulsionada pelo noticiamento constante de tais práticas abusivas e pela incapacidade da legislação anterior de abarcar, de forma adequada, alguns desses casos de violência sexual.

Antes do crime de importunação sexual, havia três formas de enquadrar condutas assim na esfera criminal: Ato Obsceno (artigo 233 do Código Penal, ainda em vigor); Contravenção Penal de Importunação Ofensiva ao Pudor (artigo 61 da Lei de Contravenções Penais, que foi revogado pela Lei 13.718/2018); e Estupro ou Estupro de Vulnerável (artigo 213 e 217-A do Código Penal, ainda em vigor).