Kaol Porfírio, a ilustradora que luta como uma garota
Além de ilustradora, ela é desenvolvedora de jogos e a mente por trás da série de desenhos Fight Like a Girl, sucesso na internet
Se alguém disser que você luta como uma garota, agradeça. Pense em exemplos como Hua Mulan, Malala Yousafzai, Leia Organa e Michonne: se lutar como uma garota é ter a coragem e a força delas, isso só pode ser um elogio.
Esta é a mensagem que Carolina Porfírio – mais conhecida como Kaol Porfírio – quer passar. A desenvolvedora e ilustradora de 30 anos faz sucesso na internet com a série Fight Like a Girl, que reúne desenhos de personagens reais e fictícias fortes e inspira meninas e mulheres de todas as idades a se empoderarem.
Kaol já morou em vários lugares do Sul do Brasil. Nasceu em Viamão, no Rio Grande do Sul, e, ainda pequena, mudou-se para Torres, onde cresceu assistindo a “Sailor Moon” e “Patrini”. Depois, já na casa dos 20 anos, foi estudar em Alvorada, região metropolitana de Porto Alegre. E em 2017, mudou-se para Santa Catarina; muito também para ficar próxima da sede da Toda Frida, site onde os produtos da Fight Like a Girl estão à venda.
- Descubra como aumentar o colesterol bom e proteger seu coração
- Entenda os sintomas da pressão alta e evite problemas cardíacos
- USP abre vagas em 16 cursos gratuitos de ‘intercâmbio’
- Psoríase: estudo revela novo possível fator causal da doença de pele
Antes de se tornar ilustradora, porém, a artista pensava apenas em se tornar desenvolvedora. A sua ideia era primeiro fazer uma faculdade de sistemas da informação para aprender a programar e, depois, tentar uma pós-graduação relacionada a jogos, uma de suas grandes paixões. “Uma utopia total, porque eu e faculdade não damos certo. É incompatível”, ri.
O plano B foi se mudar para a região de Porto Alegre e fazer direto um curso de jogos. Assim, desde 2012, ela e seu namorado têm a Kuupu, uma empresa que desenvolve games.
O empreendimento acabou permitindo que um outro talento seu surgisse: o de ilustradora. “No início da empresa, faltava arte. Precisava de alguém para fazer os desenhos, como artista”, explica.
Para Kaol, desenhar é praticamente uma terapia. Por isso não demorou para que ela exercitasse seu lado artístico nas horas vagas também. “Era uma coisa de que eu sempre gostei de fazer, mas havia desistido quando mais nova porque achava que nunca iria melhorar, que nunca seria boa o bastante”, confessa. “Voltar a fazer isso foi ótimo tanto para a empresa quanto para mim.”
Apesar de ainda trabalhar como desenvolvedora, hoje são as tarefas de ilustradora as que mais tomam o tempo de Kaol. “Por mais que eu ame fazer jogos e isso seja o que eu pretendo fazer – sempre, para a minha vida – a ilustração eu entendo como hobby também. É uma coisa que me acalma, que me traz tranquilidade”, observa. “Não vou reclamar nunca disso. Eu adoro. É o que eu gosto, e se eu puder sempre fazer isso, ótimo.”
Às vezes, o único problema na sua rotina é separar trabalho de lazer. “Como trabalho em casa, é aquele lance: você está sempre trabalhando.” Quando sobra tempo, ela gosta de jogar, é claro. Especialmente RPG, como a série “Final Fantasy”. “Agora estão saindo os jogos em plataformas novas que eu não tenho. Dá uma tristeza, nem olho. Como vou jogar isso? Já me frustra um pouco”, brinca.
Kaol já conhecia a frase “fight like a girl” (“lute como uma garota”, em português) da internet. Mas sua série de ilustrações inspiradas na mensagem começou de uma maneira completamente despretensiosa: em uma conversa que teve com um amigo sobre a série “Buffy, A Caça Vampiros”. “Buffy Summers é uma protagonista que toma decisões, e que foi importante para muitas gerações”, considera. “Pensei: ‘Vou desenhá-la como uma garota que luta como uma garota’.”
Em janeiro de 2015, a ilustradora postou a homenagem na sua página do Facebook, que ainda era bem pequena na época. O desenho bombou. Nos comentários, apareceram vários pedidos para que outras personagens também fossem representadas.
Logo os seguidores de Kaol também começaram a querer camisetas de suas ilustrações. Como ela não tinha como fazer isso por conta própria, foi atrás de uma empresa que não só oferecesse esse serviço como também se identificasse com o ideal do seu projeto.
Quem a ajudou nessa etapa foi Daiana Moreira, dona do site Dona Frida, de quem já era amiga. Hoje, a loja on-line conta com dezenas de produtos ilustrados por Kaol.
“No início, eu tinha muitas curtidas, mas não imaginava que alguém amasse tanto, que aquilo representasse tanto”, Kaol diz. Foi só em uma edição da Comic Con no Rio Grande do Sul que a ficha sobre seu sucesso caiu. Uma garota veio de muito longe apenas para vê-la, mostrar sua camiseta e comprar desenhos para decorar a parede do quarto. “O desenho pode mover alguma coisa. Ele pode mudar algo. Acho que o ‘Fight Like a Girl’ é um acúmulo tão grande de desenhos que ele já mudou a vida de muitas pessoas.”
Isso é fato; por meio de suas ilustrações, Kaol ajudou uma jovem a sair de um relacionamento abusivo. A artista fez uma série de posts sobre o assunto usando como exemplo a Arlequina, personagem da DC Comics que tem um envolvimento muito torto – e normalmente bem romantizado – com o vilão Coringa. A ideia era explicar quais características indicam que um relacionamento não é saudável, mostrar o que fazer nesse caso e a quem pedir ajuda. O conteúdo impactou a fã, que lhe contou sua história na Comic Con Experience de 2016, em São Paulo. “Ela enxergou a sua situação por causa das imagens e conseguiu sair do relacionamento conversando com as amigas dela e mostrando [o meu trabalho]. Foi bem emocionante”, conta.
Os desenhos de Kaol também já foram além do Brasil. No começo de 2017, a própria cantora americana Ariana Grande já mostrou no Snapchat que tem um moletom da Malala Yousafzai ilustrada pela artista. “Fiquei louca”, ela ri ao se relembrar desse dia, “abri o celular, vi a foto e pensei: ‘Meu Deus, quem é essa mulher?’… Não estava reconhecendo. Depois que vi o nome!”.
Ariana conseguiu o moletom por meio da Feminist Apparel, uma loja feminista dos Estados Unidos que pediu a Kaol a permissão de usar sua arte da Malala. “Não é só pelo desenho em si, mas, neste caso, é pela pessoa que está nele”, diz.
A ilustradora pretende desenhar mais mulheres reais e também quer contar a história delas em vídeo. Outra ideia que ela tem para o futuro é reunir todas as artes de Fight Like a Girl em um livro e, quem sabe, até mesmo colocar depoimentos de pessoas que se inspiraram pelas personagens em algum ponto de suas vidas. “Acho que seria importante juntar tudo isso com uma lembrança.”
São tantas as personagens de ‘Fight Like a Girl’ que Kaol não consegue escolher só uma para representá-la. “Já respondi a essa pergunta de diversas formas diferentes. Depende muito do meu estado de espírito e da personagem”, considera. Ela reflete por uns momentos. “Cara, a Furiosa. De ‘Max Max – Estrada da Fúria’. Quando penso em uma personagem foda, é dela que me lembro.”
Na sua luta pela igualdade entre mulheres e homens, Kaol percebe que o machismo vem diminuindo; mas ainda há um longo caminho para ser percorrido. “Não é só a barreira de diferença entre gêneros, de protagonismo ou de ter mulheres… Ter personagens fictícias mulheres é relativo. Às vezes elas podem ser um estereótipo negativo.” No entanto, continua: “Realmente está tendo uma leva de filmes e séries se preocupando com isso e acho que não tem como voltar atrás. Daí em diante, só tende a melhorar”.
- Neste Mês da Mulher, o Catraca Livre prestou homenagens diárias a personagens do gênero feminino que nos inspiram. Saiba mais sobre a campanha #MulheresInspiradoras e leia outros perfis aqui.