Lula decide se entregar à Polícia Federal

"Eu não pararei porque não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia", disse o ex-presidente em seu primeiro discurso após mandato de prisão

Após a missa que homenageou o aniversário de Dona Marisa Letícia, morta em fevereiro do ano passado, o ex-presidente Lula anunciou que vai se entregar à Polícia Federal.

Sob gritos “Lula guerreiro do povo brasileiro” e “Lula livre”, Lula buscou cumprimentar a todos que estavam com ele no palanque, e fez um discurso inflamado.

Porém, ao final da tarde, quando Lula estava prestes a deixar o prédio e seguir rumo à Polícia, manifestantes fecharam as duas saídas do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC para evitar que Lula não deixe o local e se entregue à Polícia Federal.

Lula tentava sair do prédio do sindicato, quando manifestantes impediram sua saída

Confira o discurso:

“Eu estou sendo processado. Eu sou o único ser humano que sou processado por um apartamento que não é meu. A polícia da Lava Jato e o Ministério Público mentiram que era meu. E eu pensei que o Moro fosse resolver, mas ele mentiu. Eu já fiz muito aos 72 anos. Mas eu não perdoo por terem passado aos cidadãos a imagem de que eu sou um ladrão. Deram a primazia de os bandidos chamarem a gente de petralha e de exaltarem a violência. Nenhum deles dorme com a consciência tranquila da honestidade com que eu durmo. Eu não estou acima da Justiça. Se eu não acreditasse na Justiça, eu teria proposto uma revolução neste país. Eu acredito numa Justiça que acredita na prova concreta que tem a arma do crime. O que eu não posso admitir é um procurador que fez um power point e foi à televisão dizer que o PT é uma organização criminosa, e que o Lula é o chefe. E, portanto, se o Lula é o chefe, disse o procurador: ‘eu não preciso de provas, eu tenho convicção’.

Eu quero que ele guarde a convicção dele para os comparsas dele, e não para mim. Certamente, um ladrão não estaria exigindo provas, estaria de boca fechada, torcendo para a imprensa não falar o nome dele. Eu tenho mais de 70 horas do Jornal Nacional me triturando. Eu tenho mais de milhares de jornais me atacando. Eu tenho a Record e a Band me atacando. E o que eles não se dão conta, quanto mais eles me atacam, mais cresce a minha relação com o povo brasileiro. Eu não tenho medo deles. Eu até já falei que gostaria de debater com o Moro sobre a denúncia que ele fez contra mim, queria que ele mostrasse a prova. Eu já desafiei os juízes do TRF-4 para um debate para provar qual é o crime que eu cometi neste país. E eu sonhei que era possível governar este país, envolvendo milhões de pessoas pobres, criando milhões de empregos, eu sonhei que era possível um mero metalúrgico, sem diploma, cuidar mais da educação do que os diplomados desse país. Eu sonhei que era possível diminuir a mortalidade infantil levando comida às crianças. Eu sonhei que era possível pegar os estudantes da periferia e colocá-los nas melhores universidades deste país. Daqui a pouco teremos juízes e procuradores nascidos na favela. Esse crime eu cometi! Eu cometi esse crime que eles não querem que eu cometa mais. É por conta desse crime que já tem uns 10 processos contra mim. De fazer pobre e negro ter seus direitos básicos. Se esse é o crime que eu cometi, eu vou continuar sendo criminoso nesse país, porque eu vou fazer muito mais.

Em discurso, Lula exalta movimento sindical

Em 1996, eu fui o deputado mais votado do país, e nós descobrimo que, dentro do PT, havia uma desconfiança que só tinha poder no PT quem tinha mandato. Quando eu percebi que o povo desconfiava que só tinha valor no PT quem tinha mandato, eu decidi sair do mandato.

Nós agora estamos num trabalho delicado. Eu, talvez, viva o maior momento de indignação de um cidadão. Não é fácil o que sofre a minha família, os meus filhos, o que sofreu a Marisa. E eu quero dizer que a antecipação da morte da Marisa foi a safadeza que a imprensa e o Ministério Público fizeram contra ela. Essa gente não tem filho, não tem alma, não tem noção. Eu, companheiros, resolvi levantar a cabeça. Não pensem que eu sou contra a Lava Jato. Se pegar bandido, tem que pegar e prender. Todos nós queremos isso. Todos nós dizíamos que só prende pobre, mas não prende rico. Agora, qual o problema? É que você não pode fazer julgamento subordinado à imprensa, porque você destrói a imagem das pessoas, e aí quando o juiz vai julgar, ele diz que não pode votar por causa da pressão popular. A toga é o emprego vitalício. O cidadão tem que votar apenas com base nos autos dos processos. Eu acho que ministro da suprema corte não pode dar declaração de quem vai votar. Nos EUA não pode declarar. O juiz tem que ter a cabeça fria e mais responsabilidade. O Ministério Público é uma instituição muito forte. Por isso esses meninos que entram lá precisavam conhecer um pouco de política para fazer o que eles fazem na sociedade brasileira. E não pensem que, quando eu falo assim, eu sou contra. Eu dizia que quanto mais forte for a instituição, mais responsável ela tem que ser.

Eu falei pro Moro: ‘Você não tem condições de me absolver, porque a Globo está exigindo que você me condene, e você vai me condenar’.

Tanto o TRF-4 quanto o Moro, a Lava Jato e a Globo, elas têm um sonho de consumo. Primeiro: o golpe não terminou com a Dilma. O golpe só vai concluir quando eles conseguirem convencer de que o lula não pode ser candidato à presidência. Eles não querem o Lula de volta, porque pobre, na cabeça deles, não pode ter direitos.

Outro sonho deles é a fotografia do Lula preso. Fico imaginando o tesão da Veja e da Globo com a minha fotografia preso. Eles vão ter orgasmos múltiplos. Eles decretaram a minha prisão. Eu vou atender o mandato deles. E vou atender porque eu quero fazer a transferência de responsabilidade.

Eles acham que tudo que acontece neste país acontece por minha causa.

Não adianta achar que tudo vai parar o dia que o Lula terá infarte. É bobagem. Porque o meu coração baterá pelo coração de vocês. Não adianta eles acharam que vão fazer com que eu pare. Eu não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia. Todos vão virar Lula e andar por esse país. A morte de um combatente não para uma revolução. Não adianta achar que tudo vai parar. O meu coração baterá pelo coração de vocês e pelos milhões de corações dos brasileiros.

E eu tenho certeza de que vocês sabem. E essa é uma prova. Eu vou cumprir o mandato, e vocês vão ter que se transformar. Vocês não vão mais ter seus nomes, todos vocês, daqui pra frente, vão virar Lula. E vão andar por este país, porque eles têm que saber que a morte de um combatente não acaba com um escalão.

Eles têm que saber que vocês são até mais inteligentes do que eu, e poderão queimar os pneus, fazer as manifestações, fazer ocupações.

(…)

A história vai provar que quem cometeu o crime foram eles.

Quando eu pego na mão de um de vocês, quando eu beijo um de vocês, eu não estou beijando com segundas intenções. Eu estou beijando porque, quando eu era presidente, eu dizia que vou voltar da onde eu vim. Os de gravatinha que vinham atrás de mim agora sumiram. E os que são amigos mesmo são o povo.

Eles cometeram um crime de perseguir um homem com mais de 50 anos de história política. Eu não tenho como pagar o respeito, o carinho e a gratidão que vocês têm dedicado a mim.

E quero dizer que é motivo de orgulho pertencer a uma geração que está vendo dois jovens disputando o direito de concorrer à presidência da república.

Eu vou sair de cabeça erguida, e vou sair de peito estufado, porque eu vou provar minha inocência. Muito obrigado!”

Após o discurso, o público presente gritava “Eu sou o Lula”.