Mães e pais negros se fortalecem em redes de apoio no Facebook

Grupos na rede social debatem a maternidade e a paternidade para ajudar na criação das crianças em uma sociedade racista

O que é ser mãe ou pai? Princípios africanos, o paternar e o maternar não são exclusivos de quem tem filhos biológicos, mas sim, construído de forma conjunta, segundo o professor e afroempreendedor Humberto Baltar, do Rio de Janeiro. “É através disso que você atinge a completude”, diz.

Antes mesmo do nascimento de seu filho, Apolo, ele já desempenhava esta função dentro do coletivo “Pais Pretos Presentes”, aconselhando e aprendendo com outros pais. O grupo do Facebook reúne homens negros em uma grande rede de apoio para ajudá-los e promove discussões acerca da masculinidade e da paternidade.



Humberto Maltar é idealizador de um grupo do Facebook para acolher pais negros
Créditos: Arquivo Pessoal
Humberto Maltar é idealizador de um grupo do Facebook para acolher pais negros

A ideia de formar o coletivo teve início no dia em que sua esposa, Thainá, contou que estava grávida. A felicidade imediata veio acompanhada de uma angústia decorrente da quantidade de casos de racismo que seu filho seria exposto.

Para se tranquilizar, ele decidiu perguntar em suas redes sociais quem conhecia pais pretos presentes, e, como imaginava, surgiram várias pessoas nas respostas, que logo se reuniram em um grupo pelo celular. “Um grupo de escuta ativa é um espaço de cura. Estava mais do que na hora de existir algo do tipo”, conta.

O que começou com uma publicação em seu perfil transformou-se em quatro diferentes grupos do Facebook, cada qual com um público como foco: além do “Pais Pretos Presentes”, surgiu o “Mães e Pais Pretos Presentes”, o “Mães Pretas Presentes”, liderado por sua esposa, e o “Mães e Pais de Pretos Presentes”, único que permite a entrada de pessoas brancas, como pais e mães que têm filhos adotivos ou enteados negros, e também educadores. Hoje, no total, são 82 mil pessoas impactadas por alguma das páginas dos coletivos.

Dentro do “Pais Pretos Presentes”, a rede de apoio parental é afroperspectivada e afroreferenciada, como explica Humberto. “Era preciso algo que olhasse para a nossa ancestralidade, pois o empoderamento racial pode ser colonizante, dependendo de como for feito, por exemplo, a partir do olhar da branquitude. Por isso, no nosso grupo temos estudos focados em filosofia ancestral africana”, afirma.

Nesse sentido, a imagem mostrada por eles é a do pai preto amoroso, em contraponto ao estereótipo do pai preto abusivo, exaltado pela mídia.

Para oferecer o apoio necessário, o grupo tem uma psicóloga voluntária e uma assessoria jurídica e pedagógica, que ensinam e tiram dúvidas dos integrantes. “O acolhimento, o aquilombamento, é a bandeira mais importante do coletivo. A gente recebe toda semana dezenas de agradecimentos de homens que encontraram uma rede para lidar com diversas questões”, reitera.

A sustentação de todo esse trabalho se dá em cinco frentes: representatividade, aquilombamento, letramento racial, consultoria e educação parental.

Para o professor, o seu paternar começou antes do nascimento do filho
Créditos: Arquivo Pessoal
Para o professor, o seu paternar começou antes do nascimento do filho


‘Nasci enquanto pai ao ver meu filho’

Humberto sempre quis ser pai, porém, sua razão inicial era egoísta, termo usado por ele mesmo: “Minha visão era de ser o que eu não recebi do meu pai”. Durante sua infância, cresceu com um pai provedor, ou seja, que deu a ele uma ótima educação e alguns itens materiais.

Por esse motivo nunca lhe faltou nada e ainda passou em todas as universidades públicas do Rio de Janeiro. Mas, ainda assim, sentia falta de algo mais subjetivo: as conversas sobre seus sentimentos.

Tudo isso gerava nele um medo de não conseguir ser um pai afetivo para o Apolo, pois sua referência não envolveu afeto. “O meu pai nunca me disse um ‘eu te amo’”, lembra.

De acordo com ele, este é um problema do racismo estrutural, principalmente porque o homem preto é criado para ser forte o tempo todo e muitas crianças crescem sem pai por causa da violência contra esse grupo. “Se tem uma coisa que a gente não é nesse momento da paternidade é ser forte e viril, no entanto, não somos educados para reconhecer esse lado.”

O professor costuma dizer que já paternava antes de Apolo nascer. Falava com o bebê no ventre da esposa, fantasiava com ela sobre como seria seu rosto, e estudava sobre a ausência de papéis de gênero na África e a masculinidade.

“Quando conheci meu filho, parece que tudo se renovou. Eu nasci enquanto pai. Devo isso à ancestralidade africana, uma vez que consegui me desvencilhar do nosso modelo de paternidade da branquitude e da sociedade patriarcal.”

O que Humberto imaginava que seria a paternidade deu lugar a uma novidade de sentimentos. Hoje, não tem mais aquela sensação de olhar para o filho e ter medo de não oferecer a ele o que gostaria enquanto pai. “Ele tem uma casa, cachorro, piscina… Eu não tive nada, morava no quartinho de empregada com minha mãe e meus brinquedos eram os dos filhos da patroa”, completa.

A atuação do professor cresceu tanto desde a idealização do coletivo que agora ele é convidado a fazer palestras sobre a temática, inclusive com a participação de homens brancos. Estar em meio à branquitude o fez entender que a crise do homem é universal, apesar de que os homens negros tenham suas especificidades devido ao racismo.

“De toda forma, o machismo atinge a todos. Machismo este que nos coloca como protagonistas e seguros. Isso está nos matando. O homem é o que mais mata e o que mais morre, e o homem preto é o que mais se suicida.”

Para ele, é mais do que urgente que os homens conversem sobre suas inseguranças e não dá para separar o empoderamento do aprendizado. “Percebi que só conversar e não olhar para o mecanismo que opera dentro de nós não provocaria mudanças”, reflete.

“O segredo é sair do automático e entender o que está fazendo você agir de tal forma. Temos inúmeros relatos de pessoas do grupo que mudaram enquanto pais, companheiros, filhos e amigos, e eu me incluo nisso”, finaliza.

‘Sempre fui mãe de certa forma’

Mãe solo, mulher, negra, periférica e de luta. A experiência da maternidade para a professora de educação infantil e criadora da loja Aneesa, Jozi Beatriz, de São Paulo, foi complicada e sem qualquer possibilidade de planejamento.

Hoje aos 32, ela foi mãe com apenas 17 anos, antes de terminar o ensino médio. Além disso, o pai de seu filho os abandonou assim que a criança nasceu. “Eu nem tive tempo de fazer essa reflexão sobre querer ou não ser mãe, mas brinco que sempre fui mãe de certa forma”, relata.

Jozi ao lado dos filhos: Noah, de 6 anos, e Eric, de 14
Créditos: Arquivo Pessoal
Jozi ao lado dos filhos: Noah, de 6 anos, e Eric, de 14


Para que Jozi pudesse trabalhar, seu filho foi criado pela avó durante a infância. “A maior dificuldade foi não vê-lo crescer, não saber como prefere o leite, ter que faltar nas apresentações de violino…”, lembra.

Atualmente, o filho tem 14 anos e a paulistana consegue enxergar que eles superaram muitas barreiras juntos. Apesar das dificuldades, ela sabe que fez seu melhor e tem orgulho de quem ele se tornou. “Agora, corro atrás e tento integrá-lo na minha rotina e me inteirar sobre coisas que gosta.”

Depois de algum período, a professora teve o segundo filho, que está com 6 anos. “Muitas vezes o mais velho precisa cuidar do mais novo para eu poder trabalhar. Isso me corta o coração.” De acordo com Jozi, sua “ausência” é vista pela sociedade como falta de interesse, principalmente pelo fato de ser uma mulher negra.

“O julgamento piora duas vezes, aliado ao fato de as crianças estudarem em escola particular.” A rede de apoio a partir da adolescência permitiu que ela estudasse e trabalhasse. Foram 13 anos vivendo na casa de sua mãe e, desde então, Jozi já tem sua casa, onde mora com os filhos.

Ademais de toda a luta para dar um futuro melhor às crianças, a mãe solo esteve em um relacionamento abusivo até 2013. Tudo o que sofria aguentava calada e já não tinha amigos próximos, nem reconhecia sua essência.

Em 2015, conheceu um grupo de apoio no Facebook, que a ajudou a lidar com essas dores. Neste momento, se aproximou de cinco conhecidas e, juntas, decidiram criar outro grupo, intitulado “Resista, Preta”, com o objetivo de acolher outras mulheres negras. “Ser mulher negra não é fácil. O mundo acha que a gente aguenta de tudo e que devemos ficar quietas. Nós queríamos mostrar às outras que podemos nos apoiar”, pontua.

Na rede social, as 5 mil integrantes usam o grupo de diferentes formas, seja para uma escuta sensível, um afago ou até mesmo um bate-papo sobre série ou reality show.

“Era muito raro, em 2017, ver a mulher negra em notícias boas. Geralmente a manchete era sobre um caso de racismo ou feminicídio”, explica. “Somos milhares de mulheres pretas compartilhando vitórias, seja conseguir pagar o aluguel ou a aprovação no mestrado. Como é bom respirar essas alegrias!”, comemora.

Empoderar mulheres negras é a missão de Jozi e do grupo do Facebook como um todo. Para isso, elas dão diferentes ferramentas que as ajudam a atingir seus objetivos. “Mulheres seguras de si e cientes de seus direitos estão sendo preparadas para mudar as novas gerações”, conclui.



Esta matéria faz parte da campanha #SomosMaisJuntos, que destaca o importante papel dos Grupos do Facebook como locais de conversa que funcionam como uma importante rede de acolhimento e respeito.

Além dos que foram citados na matéria, a campanha também dá destaque a diversos outros grupos que cumprem este mesmo papel como o Mães pela Igualdade, Afrodengo LGBTT+, Gaymers Br e Filhos do Arco-Íris – Grupo de Apoio aos LGBT+. Curta e compartilhe esta ideia e faça ela chegar em mais pessoas.