Médico brasileiro já realizou 18 cirurgias separando gêmeos siameses

O cirurgião Zacharias Calil foi indicado pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados ao Prêmio Nobel de Medicina

O doutor Zacharias Calil, 66 anos, é um médico nascido em Goiânia (GO), que ganhou o mundo devido a sua especialização – ao longo dos seus 36 anos de carreira como cirurgião, ele já fez 18 cirurgias de separação de gêmeos siameses, que também são conhecidos como gêmeos xifópagos ou gêmeos conjugados. Estes termos se referem a crianças que nascem unidas uma na outra, independente da parte do corpo, que pode ser pelas cabeças, ombros, tórax, abdomens, bacias, costas ou as base das espinhas.

Segundo o doutor Zacharias, “Essas más formações são raras, aproximadamente 1 em cada 150.000 recém nascidos. A causa é desconhecida, mas tem algumas teorias, uma delas é que o óvulo fecundado não se divide a partir do 13º dia e as estruturas dos corpos acabam ficando unidas ao se desenvolverem ainda dentro da barriga da mãe”.

Cirurgião Zacharias Calil foi indicado ao Prêmio Nobel de Medicina
Créditos: Divulgação
Cirurgião Zacharias Calil foi indicado ao Prêmio Nobel de Medicina

Formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás, ele sempre estudou em escolas públicas desde o primário e já apareceu em um capítulo especial do programa internacional da Discovery Channel  chamado Meu Corpo, Meu Desafio. Além disso, foi indicado pela Câmara dos Deputados ao Prêmio Nobel de Medicina devido ao seu trabalho. Confira abaixo a sua entrevista exclusiva.

O sonho de se tornar um médico cirurgião

Desde criança sempre fui fascinado pela medicina, apesar de nunca ter tido um médico na minha família. Lembro de sempre ter lido muitas reportagens relacionadas a anatomia e já na infância sabia que eu seria um cirurgião. Por isso, sempre digo que é importante perseguir os seus sonhos, pois já perdi as contas de quantas palestras em congressos médicos eu já dei ao longo da minha carreira. O interessante é que atualmente tem vários alunos do curso de medicina que se inspiram em mim e isso me deixa muito orgulhoso ao ver esses jovens seguirem o meu exemplo.

A primeira cirurgia de separação de gêmeos siameses

Iniciei as cirurgias no ano 2000, mas o primeiro caso surgiu em 1999 com as duas irmãs siamesas, Larissa e Lorraine, que foram em um programa de televisão pedir ajuda para leite, fraldas e, claro, para serem operadas. Ao assistir o noticiário liguei e me ofereci para atendê-las. Elas eram unidas pelo abdomen e bacia, tinham 3 pernas e compartilhavam vários órgãos, como o fígado, intestine delgado e grosso, bexiga e uma única genitália. Quando as vi pela primeira vez, confesso que fiquei muito surpreso devido a maneira que estavam unidas e realmente o hospital  público que trabalho não estava preparado com uma infraestrutura adequada para um procedimento como aquele. Mas eu não desisti. Em vez disso, procurei o governador naquela época e pedi ajuda para equipar o hospital e formamos uma equipe com médicos de diversas especialidades, como anestesiologistas, ortopedistas, cirurgiões plásticos e urologistas pediátricos. No total, foram mais de 58 pessoas envolvidas, entre enfermeiros, técnicos de enfermagem, laboratório, banco de sangue, radiologia, UTI e pediatras.  A cirurgia foi um sucesso e a partir daí foram surgindo diversos casos e até hoje já separamos 18 crianças.

De médico a amigo das famílias

Eu tenho contato frequentes com a maioria dos familiares, eles estão sempre me mandando fotos das festa de aniversário, das aulas nas escolas e geralmente acompanho progresso de cada um deles.

Um caso que me emocionou muito foi o dos gêmeos siameses Arthur e Heitor, pois eu os conheci desde o nascimento. Eles nasceram unidos pelo tórax, abdômen, bacia e tinham três pernas, além de dividiam vários órgãos. Durante cinco anos convivi quase que diariamente com eles e me lembro que, neste caso, foram 18 horas de cirurgia, mas a minha equipe e eu conseguimos separa-los. Infelizmente, este caso era muito complicado e o Arthur apresentou várias complicações no pós operatório e faleceu no terceiro dia. Eu fiquei muito mal e foi um baque muito grande para mim, chorei muito e até hoje tenho a imagem dele na minha cabeça. Sofri muito junto com a família e somos muitos amigos ate hoje. Já o Heitor, que era o menor deles, também apresentou várias complicações após a cirurgia, mas sobreviveu e hoje é uma criança feliz e inteligente, inclusive, é o melhor aluno da escola.

A cirurgia de separação é uma decisão da família

Agora em 2020 teve o famoso caso dos irmãos siameses Ronnie e Donnie Galyon, dois americanos de 68 anos considerados os mais velhos do mundo, que faleceram sem nunca terem realizado a cirurgia de separação. Acompanhei o caso deles e na época em que eles nasceram, há 68 anos atrás, a cirurgia de separação era impossível devido a complexidade que o caso exigia, pois não tínhamos a tecnologia que temos atualmente e nem o conhecimento e experiência. A cirugia de separação depende muito da familia, que pode optar ou não por este processo. Eu, particularmente, recomendo a cirurgia por volta de 1 ano de idade, dependendo do caso, porém a minha equipe e eu já separamos duas meninas com 24 horas de vida, pois devido a um problema no coração de uma delas, ambas poderiam ter morrido se a cirurgia não tivesse sido realizada imediatamente.

O que dizer para uma mãe que descobre uma gestação de siameses?

Eu sempre aconselho a ter calma e procurar um serviço especializado com médicos experientes e bem capacitados. Além disso, deve-se explicar tudo o que pode ocorrer desde o nascimento até a cirurgia se for o caso. Por exemplo, nem todas as mães conseguem chegar as 37 semanas de gestação e muitas entram em trabalho de parto prematuridade, algo que pode ser um fator complicador para a gestação.

Atualmente, temos dois casos de gestações de gêmeos siameses que já estão aguardando a melhora da pandemia para serem preparadas para a cirurgia.

A importância do SUS (Sistema Único de Saúde) e do trabalho em equipe

Eu sempre digo para os aspirantes e jovens médicos que estudem o máximo que puderem e nunca pensem “o que eu vou ganhar com isso?“, mas sim, que usem o seu conhecimento para beneficiarem aos seus pacientes. Muitos me perguntam o quanto ganhamos financeiramente por uma cirurgia como esta e a resposta é “nada além do nosso próprio salário”.

É muito importante ressaltar que o sucesso deste tipo de cirurgia é devido ao trabalho de equipe, e não somente a mim, pois sem uma equipe qualificada nada disso seria possível. Além disso, é importante ressaltar que todos esses casos são realizados pelo SUS, um sistema público, e a maioria dos membros da nossa equipe são voluntários.

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