Milícia cobra R$ 300 por semana para fazer segurança de escola

Conversa foi divulgada pela Polícia Civil, que nesta quinta-feira, 4, realizou operação contra milícia que atuava na região

04/07/2019 21:51

Nos últimos anos, o poder da milícia se expandiu para diversas regiões do Rio de Janeiro – e foi além dos limites da capital fluminense.

Abriu caminho para diferentes frentes de extorsão, da distribuição de gás, TV a cabo, transporte alternativo à segurança de bairros inteiros.

Em Itaboraí (RJ), um diálogo entre a diretora de uma escola e um miliciano revela o controle social exercido pelo grupo paramilitar na região.

Identificado como Thiago, o suspeito afirma em conversa telefônica grampeada pela polícia que integra uma equipe de segurança do bairro – segundo ele – age com o objetivo de evitar assaltos e tráficos de drogas.

Milícia que atuava em Itaboraí cortava cabeça e retirava coração de vítimas – Foto: Revista Cidade 
Milícia que atuava em Itaboraí cortava cabeça e retirava coração de vítimas – Foto: Revista Cidade 

Na negociação, o miliciano cobra, inicialmente, R$ 300 semana_valor rebatido pela diretora que pede desconto na cobrança. Após a discussão, ambos entendem que R$ 720 mensais é um preço razoável pelo serviço prestado.

Para justificar a cobrança, o miliciano argumenta que recentemente sua equipe expulsou uma boca de fumo localizada atrás da escola. E naturaliza a coleta alegando que faz a segurança de outras escolas da região.

A mesma milícia é responsável pela extorsão de pessoas que encaminhavam seus currículos para disputar vagas de trabalho no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), segundo investigação da Polícia Civil.

Confira o diálogo interceptado pela polícia através de grampo autorizado pela Justiça 

Miliciano: Aqui é o Thiago!
Diretora: Aqui é a diretora da escola.

Miliciano: Passamos aí hoje para fazer o cadastro da senhora.
Diretora: Que cadastro, Thiago?

Miliciano: O que acontece. A gente faz parte da equipe de segurança do bairro. Estamos combatendo o tráfico, os assaltos. O patrão pediu para passar aí para ver se pode colaborar com a gente.
Diretora: Colaborar quanto, Thiago?

Miliciano: A gente tem uma tabela. Na tabela, está R$ 300 por semana.
Diretora: Por semana, Thiago?

Miliciano: É. O que a senhora pode fazer pela gente.
Diretora: Você sabe que aqui é uma escola, né? A gente trabalha, corre atrás. Tem pais que não pagam, que querem bancar de galo com a gente. Eu sei que é o trabalho de vocês. Mas é que R$ 300 por semana é muito caro.

Miliciano: A gente pode tirar R$ 100 aí. Ajuda a senhora?
Diretora: Acho que já me ajuda e muito.

Miliciano: Fica R$ 200 por semana então.
Diretora: Tá bom.

Miliciano: A gente passa toda terça-feira.
Diretora: Só vou te falar o seguinte: nada de negócio de arma, de que estão fazendo segurança.

Miliciano: Não, não, não. Isso aí a senhora pode ficar despreocupada. A gente está aqui para trazer o bem e a paz.
Diretora: Quando você chegou aqui e falou que era segurança, a menina chegou a tremer. Precisava ver o transtorno dela. (…)

Diretora: Mas não dá parar fazer por 100?
Miliciano: A gente tem uma tabela. O patrão passa uma tabela para a gente. E a gente passa o que ele passou. Já estou tirando 100 sem ele permitir. Estou tirando na minha conversa. Entendeu?

Diretora: Entendi.
Miliciano: Porque todos os comerciantes pagam.

Diretora: Vocês estão indo em todas as escolas, Thiago?
Miliciano: Todas as escolas. A gente já está prestando essa segurança já tem mais ou menos uns cinco meses. Hoje é que a gente está indo fazer o cadastro. Pode chegar num mercado, numa padaria.

Diretora: Espera aí, Thiago. Como vocês fazem essa segurança?
Miliciano: A escola da senhora é a Pedro e Santana (Centro Educacional de Itaboraí Pedro e Santana)?

Diretora: Isso.
Miliciano: Atrás da senhora tinha uma favela, não tinha?

Diretora: Era. Mas nunca deu problema aqui, não, Thiago.

Miliciano: Mas quantos pais não foram assaltados aí? Quantas crianças não foram estudar aí por causa dos assaltos? O pai falava assim. Vai estudar aonde? No Pedro e Santana. Atrás da favela? Ah, não. Não vamos levar não porque ali tem boca de fumo. Nós chegamos a pegar vagabundo aí vendendo drogas para os alunos. Quantos alunos a escola já não recebeu depois que chegamos? Temos várias viaturas rodando. Se a senhora perceber a viatura está passando na igreja aí. A gente pegou uma área que primeiro passamos no Visconde, Porto das Caixas, Areal, a gente atua no Sossego. A gente roda isso tudo fazendo a segurança do bairro. Até atrás da delegacia. A gente roda isso tudo e é muito funcionário para poder pagar.

Diretora: Vamos tirar pelo menos R$ 20, Thiago.
Miliciano: 180?

Diretora: Está bom.
Miliciano: Prefere por mês ou semanal?

Diretora: Por mês. Todo o fim de mês.
Miliciano: Então vai dar R$ 720.

Com informações do jornal Extra