Morador da comunidade da Rocinha vira modelo ao assumir vitiligo
Roger Monte, de 36 anos, possui uma alegria contagiante e você percebe isso logo nos primeiros minutos de conversa. Ele mora na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, e atualmente trabalha como vendedor e modelo. Esta última profissão ele descobriu há 2 anos quando assumiu a sua vitiligo, uma condição que faz com que surjam manchas brancas na pele ocasionadas pela diminuição ou inibição da produção de melanina, a substância que dá cor e tonalidade para a nossa pele.
Segundo um artigo publicado recentemente pela Sociedade Brasileira de Dermatologia, “dados oficiais indicam que o vitiligo alcança 1% da população mundial. No Brasil, mais de 1 milhão de pessoas convivem com a doença. A doença não tem causa definida, mas está associada a fenômenos autoimunes, exposição solar ou química, estresse e traumas emocionais”.
O vitiligo surgiu na vida do Roger quando ele tinha 23 anos de idade e durante muito tempo ele usou maquiagem para cobrir algo que o tornava único. Mas foi somente quando ele resolveu assumir as suas manchas que a sua vida mudou para melhor. Conheça abaixo um pouco sobre a sua história inspiradora, gentilmente compartilhada por ele nas suas próprias palavras em entrevista exclusiva para a Catraca Livre:
Minha infância
Eu confesso que eu era um pouco retraído e tímido durante a minha infância. Vim de uma família grande e com muitos tios e primos e talvez por ser o único menino gay da família, isso me deixava ainda mais tímido do que o normal. Mas mesmo assim, a minha infância foi incrível, numa época em que a gente podia brincar nas ruas e ainda fazer milhões de amigos. Talvez a minha memória mais marcante seja quando o meu pai me ensinou a andar de bicicleta sem rodinhas na rua e eu tenho a mesma sensação de felicidade e liberdade até hoje.
Surgimento do vitiligo
Eu tinha 23 anos e havia acabado de sair do meu primeiro relacionamento. Eu já era adulto e, por isso, já tinha uma imagem formada sobre mim, mas ver a minha pele perdendo a pigmentação foi um susto, me desesperei totalmente e achei que minha vida, que mal havia começado, tinha acabado naquele momento.
Preconceito e luta em me aceitar
Eu obviamente sofri e ainda sofro muito preconceito por parte da sociedade em geral. Acho que até hoje me olham torto nas ruas e percebo que muitas pessoas se incomodam até mesmo de sentarem ao meu lado no transporte público, pois por falta de informação, elas acham que é algo contagioso e que elas pegar vitiligo só por estarem próximas de mim. Mas acho que o pior preconceito que eu sofri foi o que eu tinha comigo mesmo por ter esta doença. Ainda mais quando descobri que ela se desenvolve por conta do nosso emocional, eu me culpava todos os dias por isso. Evitava espelhos, fotos e qualquer coisa que pudesse me por em destaque numa multidão, pois eu não gostava da imagem que eu via.
“Aprendendo a valorizar o que me torna único e especial.”
Aprendendo a valorizar o que me torna único e especial. Eu escondi as minhas manchas do vitiligo com maquiagem durante longos 10 anos da minha vida. Eu passava 24h por dia com o meu rosto coberto de
base e não saia de casa sem ela. Eu não ia para a praia, não fazia academia e evitava qualquer atividade que pudesse me fazer suar e ter as minhas manchas reveladas. Mas aí eu conheci pessoas incríveis que começaram a me incentivar e me fazer ver as minhas manchas como algo único e bonito. Gente que olhava pra mim e falava: “Roger, a sua pele é linda, pare de se esconder e mostre quem você realmente é”. Até que um dia eu acordei, peguei meu celular, tirei uma foto, tomei coragem e postei no meu Instagram. E para a minha surpresa, esta foi a minha primeira foto a receber centenas de curtidas e
comentários, me fazendo sentir orgulho de quem eu sou.
Virei modelo e passei a inspirar outras pessoas Foi por causa das minhas postagens nas redes sociais que alguns fotógrafos me descobriram e começaram pedir para me fotografar. Mesmo tímido, me sentindo completamente cru diante das câmeras, acabei me redescobrindo e percebi que eu era feliz mostrando quem eu realmente sou. E a partir disso, as coisas acabaram acontecendo e atualmente tenho esta profissão como trabalho.
Eu já ouvi muitas coisas legais tanto dentro da comunidade da Rocinha, como fora dela também. Já ouvi de jovens que, ao verem a minha história, se inspiraram e hoje sentem orgulho de terem vitiligo, pois começaram a se amar quando viram que eu também me amava. Por isso acho tão importante a representatividade no mundo da moda. E sim, isso muda o mundo. Se eu puder inspirar uma pequena parcela de pessoas com minha história de vida, então a minha vida vai ter valido a pena também. E isso não tem preço. Se amem, se cuidem e sejam a melhor versão de vocês mesmos.
*Siga o jornalista Felippe Canale no Twitter e Instagram.