Moradores da Favela do Moinho se unem para construir parque
Negligenciada pelo poder público, população local é responsável pelas principais obras de melhoria na infraestrutura
“Posso ajudar, tio?”, perguntou o jovem Pedro Henrique, de sete anos, ao ver os adolescentes e adultos da Favela do Moinho trabalhando na construção do Parque Vermelhão. Diante da resposta afirmativa, o garoto pegou uma pá e se juntou ao grupo.
Pedro Henrique e as outras crianças da comunidade querem participar das obras do parque, pois sabem que aquele será um dos poucos espaços de lazer do local. Atualmente, só há bares e um campo de futebol, onde ocorrem as peladas dos mais velhos.
Todos os dias, os moradores se encontram na área destinada ao Vermelhão para preparar o terreno e discutir o que será feito ali. A ideia é que o espaço tenha diversas utilidades, como receber reuniões, apresentações, projeção de filmes, jogos de futebol das crianças, entre outras. O local será construído em formato de arena, com um tipo de arquibancada ao redor de uma área aberta rebaixada.
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A obra faz parte do Projeto Comboio, de intervenção e pesquisa, tocado por Caio Castor e Flávia Lobo, que moram no Moinho há cerca de um ano. A iniciativa arrecadou R$ 800, em ferramentas e materiais de construção para possibilitar a ideia do parque.
“O objetivo é até mostrar para a Prefeitura que dá para fazer um bom trabalho com pouco dinheiro”, afirma Caio. “Queremos potencializar o que já está aqui, dar vida aos espaços subutilizados.”
Não há previsão para o término das obras. A comunidade aceita doações de materiais, ferramentas e dinheiro. Os contatos podem ser feitos pelo e-mail [email protected], ou pelos telefones (11) 97229-1503 (Caio Castor) e (11) 99740-5409.
Saiba mais sobre o que a população do Moinho tem feito:
Com as próprias mãos
Escondida entre duas linhas de trem e rodeada por grandes prédios residenciais, a Favela do Moinho é a última que restou no Centro de São Paulo. A pobreza de lá é destoante nos Campos Elíseos, terceiro bairro mais valorizado da cidade, segundo pesquisas.
Assim como o Vermelhão, todas as obras de melhoria estrutural na favela foram promovidas pelos moradores, sem apoio do poder público. Até mesmo os serviços mais básicos, como água, luz e esgoto, são resultado do trabalho da população.
“A canalização é feita dos encanamentos que a gente encontra”, conta Humberto Rocha, coordenador da Associação dos Moradores da Comunidade do Moinho. “A fiação foi feita com arrecadação nos moradores. Nada é legalizado”, completa.
Água, eletricidade e esgoto são algumas das muitas reivindicações ignoradas pelos órgãos responsáveis. “Já vieram fazer perícia das instalações aqui dentro, disseram que iam liberar as obras, mas não liberaram, nem vão”, disse Humberto, que mora com sua família há oito anos no Moinho e já se acostumou com as promessas de melhorias não cumpridas.
Durante a campanha de 2012, o prefeito Fernando Haddad propôs a urbanização da área e a regularização fundiária. No entanto, assim como as gestões anteriores do município e o Governo estadual, a atual Prefeitura dá mostras de que dificultará a permanência da população no Moinho.
Para os moradores, o descaso das autoridades é uma forma de pressioná-los a saírem do terreno valioso. A opinião é reforçada pelas frequentes incursões da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana.
Diante das adversidades, a forma que os moradores encontram para resistir no Moinho é trabalhar pela comunidade. “Quanto mais bem cuidado, com mais vida, mais forte fica”, opina Caio Castor.
Parque Vermelhão
Veja uma galeria de fotos das obras:
A queda do muro do Moinho
Após o primeiro grande incêndio sofrido pela Favela do Moinho, em dezembro de 2011, a gestão do então prefeito Gilberto Kassab construiu um muro que dividiu a comunidade em duas, impedindo a reocupação da área afetada pelo fogo. Além disso, a enorme parede bloqueava uma rota de fuga fundamental para o caso de um novo incêndio.
Com o muro ali, as viaturas dos Bombeiros não podiam entrar na comunidade e os moradores teriam mais dificuldade para sair. Um mês depois, o Corpo de Bombeiros emitiu um laudo recomendando sua derrubada para solucionar a situação.
O documento foi ignorado pelas gestões de Kassab e Haddad. Os moradores, então, decidiram derrubar o muro com marretas e britadeiras. A parede demorou dias a cair por inteiro. Para marcar a derrubada, foi realizado um ato com show de rap e discotecagem em um domingo de sol.
Veja como foi:
Cultura é resistência
Em outubro de 2013, o Movimento Moinho Vivo, que defende os interesses da comunidade, realizou uma série de eventos para reivindicar a instalação da rede de luz e esgoto. Foram promovidos dois saraus, uma mostra de teatro e uma audiência pública, com presença de representantes da Prefeitura, da Secretaria de Habitação e da Sabesp.
Além das reivindicações, os saraus tiveram como mote a denúncia da violência policial na comunidade. Houve apresentações de rap e poesia. Estiveram presentes familiares de Amarildo Dias de Souza, ajudante de pedreiro morto pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, na Favela da Rocinha.
Além dos eventos culturais, o Moinho Vivo usa a produção audiovisual para registrar manifestações, reuniões com autoridades e incursões policiais. “O vídeo é uma importante ferramenta que estamos usando”, afirma Caio Castor.
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