Mulheres de Uganda não conseguem usar banheiros sem temer doenças e estupro

Texto por Mansi Choksi

Mary Businge estava na cadeira de seu consultório diagnosticando uma paciente quando as trabalhadoras chegaram. Elas estavam de péssimo humor enquanto arregaçavam as mangas e desciam até a vala cheia de esgoto. A vala, que se estende pela favela Nankulabye na capital de Uganda, Kampala, é onde os aproximadamente 40 mil moradores jogam seu lixo: latas vazias, sapatos estragados, cartas de baralho, bitucas de cigarro, documentos, absorventes e sacos com fezes.

Quando chove, a água malcheirosa sobe como uma coisa viva; então, o governo da cidade mandou funcionários para limpar a vala. Na última visita, as trabalhadoras, que entram na água na altura do tornozelo apenas com botas de borracha, luvas de látex e pás, encontraram um feto enrolado num saco plástico.

Businge, uma enfermeira de 52 anos que comanda seu consultório de uma sala em frente a esse local, ficou imaginando quanto tempo levaria para a vala se encher de novo. Uma semana, ela estimou. Não há banheiros suficientes na favela – cada um é compartilhado por algo entre dez e 50 pessoas –, e quase todos recebem pouca manutenção. Se você vai à escola ou ao trabalho, pode esperar para usar o banheiro lá. Mas, se você tem de ficar em casa e é mulher, geralmente é mais fácil usar um saco plástico e depois jogá-lo na vala. “Ficamos doentes todos os dias”, ela disse. “Mas temos vergonha de falar sobre as doenças que pegamos dos banheiros. Temos vergonha.”
Mulheres contribuem fundamentalmente para o sucesso de programas de saneamento no mundo todo, notou um estudo conduzido pelo Sanitation and Hygiene Applied Research for Equity, um consórcio de cinco ONGs e instituições acadêmicas. “Mas a consideração sobre mulheres e saneamento não pode focar apenas o que as mulheres podem fazer pelo saneamento”, atesta o relatório. “Isso também precisa considerar o que o saneamento inadequado está fazendo com elas.”

Businge diagnostica mulheres de uma mesa coberta por jornais, uma caixa de fósforo, uma espátula, tesouras, aspirina, um rolo de ataduras e antibióticos. Ela pode tratar o desconforto físico, mas não tem cura para as ansiedades que atormentam as pacientes: o que os maridos vão pensar, o que essa doença diz sobre elas e suas práticas sexuais, quão vergonhoso é ter uma doença ali embaixo. “Higiene é o único jeito de combater doenças”, ela afirmou. “Mas, se têm uma doença, elas não devem esconder, porque isso pode piorar. Mesmo se têm medo de que os maridos pensem que elas são infiéis.”

Toda semana, Businge, que estudou no Nsambya Hospital, trata entre oito e nove mulheres com dores abdominais, corrimento, coceira, vômito, sintomas de infecção no trato urinário e candidíase, que, segundo ela, vêm da exposição a latrinas cobertas de fezes, urina e vômito. Às vezes, elas até aparecem com infecções intestinais e respiratórias. A consulta custa 10 mil xelins de Uganda, ou R$ 9, menos que a taxa de uma visita ao hospital. No último ano, a enfermeira vem se tratando repetidamente de candidíase, que ela suspeita ter contraído usando a latrina que Businge e a filha dividem com pelo menos mais 15 famílias. “Sofremos em silêncio, mas sofremos muito”, ela frisou.

Em Uganda, só 19% da população têm acesso a saneamento melhorado (o que significa um banheiro não compartilhado que contenha um mecanismo que separa o excremento do contato humano), de acordo com a última Pesquisa de Demografia e Saúde conduzida em 2011 pela Bureau de Estatísticas de Uganda. Os pesquisadores do Sanitation and Hygiene Applied Research for Equity entrevistaram 32 mulheres das favelas de Kampala e descobriram… [Continue lendo aqui.]