Niède Guidon, a arqueóloga símbolo da luta por um parque

Sua história se confunde com a do Parque Nacional da Serra da Capivara, o principal sítio arqueológico do Brasil

13/03/2017 18:34

“Eu sou uma arqueóloga.” A afirmação, de Niède Guidon, define perfeitamente um dos principais nomes desta área no Brasil.

A arqueóloga Niède Guidon no Parque da Serra da Capivara
A arqueóloga Niède Guidon no Parque da Serra da Capivara

Formada em história natural pela USP (Universidade de São Paulo), com doutorado em pré-história pela Sorbonne, Université de Paris, França, Niède dava aulas em Paris, em 1992, quando recebeu um chamado brasileiro: mudar-se para São Raimundo Nonato, no Piauí, para dar início a um projeto de proteção da Serra da Capivara.

A importância do local se explica: trata-se de uma unidade de conservação arqueológica com uma área de 130 mil hectares que abriga mais de 900 sítios _500 deles contêm pinturas rupestres.

Os primeiros contatos da arqueóloga com a região ocorreram antes, muito antes dos anos 90. Em 1963, durante uma exposição no Museu Paulista sobre pinturas rupestres de Minas Gerais, ouviu de um morador de São Raimundo Nonato que havia pinturas similares naquela cidade. Dez anos depois, Niède fez a primeira visita ao local que se tornaria sua principal conquista e, também, a principal batalha.

Desde 1973, ela faz parte da Missão Arqueológica Franco-Brasileira, que concentra seus trabalhos no Parque Nacional Serra da Capivara.

A alma desse projeto pertence à arqueóloga, que hoje, aos 84 anos, também é professora visitante da Universidade Federal de Pernambuco, conselheira de administração da Fundação Bunge, pesquisadora da Fundação Museu do Homem Americano e diretora-presidente da mesma fundação.

Pintura rupestre na Serra da Capivara, no Piauí
Pintura rupestre na Serra da Capivara, no Piauí - JOAQUIM NETO

Filha de mãe brasileira e pai francês, numa família de classe média alta, Niède nasceu em Jaú, no interior de São Paulo. Devido à sua militância política, ela se mudou para a França após o golpe militar de 1964, onde construiu sua carreira como arqueóloga.

É de Niède a descoberta do esqueleto mais antigo do país. Uma mulher, que viveu há cerca de 9.800 anos.

O primeiro americano

Desde que se restabeleceu no Brasil, ela tenta provar, a partir das evidências encontradas nos sítios da Serra da Capivara, como ferramentas, esqueletos, pinturas rupestres e outros vestígios, que o homem chegou à América muito antes do que se aceita (há 13 mil anos). Sua equipe encontrou, por exemplo, pinturas rupestres datadas de cerca de 35 mil anos, além de dentes humanos com 15 mil anos.

“A ideia de que o homem veio para a América há 13 mil anos é da década de 50”, disse Niède em entrevista à revista “Superinteressante”.

Além dessa batalha, a doutora trava outra, mais complicada. Tenta, a todo custo, manter em pé o Parque da Serra da Capivara. Em 2015, sem recursos, a fundação foi obrigada a parar seus trabalhos por um tempo. As atividades foram retomadas, ainda que com menos dinheiro do que o necessário, e não se sabe até quando as verbas serão suficientes.

“A França me emprestou, vim para cá, fiz todo esse projeto. Deixei de morar em Paris para morar em São Raimundo Nonato para defender esse patrimônio e não consegui. Realmente um fracasso total”, afirmou, desolada, a doutora em uma entrevista à rádio Teresina FM.

Desenvolvimento local

Além de manter intactos os vestígios de nossos ancestrais, ela também procura incrementar o turismo da região de São Raimundo Nonato. A cidade teria com a movimentação do turismo uma saída para se desenvolver. Com a participação ativa de Niède, a cidade conseguiu um hotel e um aeroporto, mas a chegada de mais visitantes do que os 25 mil anuais depende da manutenção do parque.

Turistas visitam sítio arqueológico no Parque Nacional da Serra da Capivara
Turistas visitam sítio arqueológico no Parque Nacional da Serra da Capivara

Com a crise enfrentada no ano passado, a fundação teve de demitir funcionários _ 200 dos 240 que trabalhavam no parque. “Para se ter uma ideia, em todo o entorno do parque existem 28 guaritas, uma a cada dez quilômetros” explica a arqueóloga. No ano passado, apenas seis estavam funcionando. “Com as guaritas vazias, houve invasões e depredações. Portas e janelas (das sedes) foram arrombadas; janelas, vasos sanitários, fogões foram arrancados”, contou a arqueóloga à BBC.

Após muitas entrevistas denunciando a escassez de recursos para o mais importante sítio arqueológico do Brasil, Niède obteve a promessa do governo de que haveria novos repasses.

Com o avanço da idade, a Niède às vezes pensa em voltar a viver na França e passar o bastão da fundação a profissionais da equipe. Mas se preocupa com os R$ 400 mil mensais necessários para o parque, e isso a manteve mais alerta. “Eu quero é trabalhar. Se tiver recursos, estou aqui.”

Com informações de BBC, Superinteressante, Fundham e Teresina FM

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