No lugar de Bolsonaro, milhares assinam Camões a Chico Buarque

Depois do presidente deixar em dúvida se assinará diploma do artista, 27 mil pessoas se juntaram à campanha: “Eu assino o Prêmio Camões para Chico Buarque”

No Instagram, artista carioca responde a provocação de Bolsonaro
Créditos: Rede social
No Instagram, artista carioca responde a provocação de Bolsonaro

Uma campanha em apoio ao músico, dramaturgo e escritor Chico Buarque coletou em uma semana mais de 27 mil assinaturas como demonstração de reconhecimento ao “Prêmio Camões”, que será recebido pelo artista em abril do ano que vem, em Portugal. Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro deu a entender que pode não assinar o diploma simbólico da honraria considerada a premiação literária mais importante da língua portuguesa.

Sob o título “Eu assino o Prêmio Camões para Chico Buarque de Holanda”, o abaixo-assinado foi lançado na plataforma Change.org pelo perito em veracidade Mauro Nadvorny. O autor da campanha conta que a ideia surgiu depois de uma publicação em suas redes sociais. “Eu postei na minha timeline do Facebook um post assim: ‘Eu assino o Diploma Camões do Chico’. Logo, pelo menos duas pessoas sugeriram um abaixo-assinado”, conta.

Em menos de dois dias, 6 mil pessoas já haviam se juntado à campanha, declarando que cada assinatura representa um prêmio a Chico Buarque “por sua obra cultural que tanto engrandece o país”. Instituído por Brasil e Portugal, “Camões” homenageia todos os anos escritores cuja obra contribua para a projeção e o reconhecimento da língua portuguesa. A escolha do artista carioca para a 31ª edição se deu pelo conjunto de sua produção literária.

“Chico Buarque é um dos principais personagens da minha juventude. A gente enfrentava a polícia para assistir Chico cantar e cantava por ele as músicas que eram censuradas. Ele foi parte da resistência contra os militares, e sua obra musical e literária é um patrimônio do povo brasileiro”, comenta Nadvorny, que tem 61 anos, em referência à ditadura.

No meio artístico, Chico Buarque foi um dos principais nomes de resistência ao regime militar brasileiro, entre o final dos anos 60 e começo da década de 70 – o período de maior repressão da ditadura. Várias canções de protesto compostas por ele foram censuradas na época, como “Apesar de Você” e “Cálice”, esta última escrita em parceria com Gilberto Gil.

Eleito por um júri composto por acadêmicos e poetas de quatro países que têm o português como língua oficial – Brasil, Portugal, Angola e Moçambique, Chico será o 13º brasileiro a receber o prêmio. Além da concessão simbólica do diploma, a premiação oferece ao vencedor 100 mil euros, valor que é pago pelos governos de Brasil e Portugal.

O presidente Jair Bolsonaro lançou um suspense sobre se irá autografar o documento. Questionado por jornalistas, respondeu que a decisão “é segredo”, completando que assinará o documento no dia 31 de dezembro de 2026. A menção à data tem sido interpretada como o último dia dele como presidente, em caso de reeleição para um segundo mandato.

“Existem presidentes e existe a presidência. Presidentes são passageiros, mas o cargo permanece e deve ser honrado, assim como todos os protocolos e acordos que o Brasil é signatário. Quem assina o diploma são os presidentes dos dois países, Portugal e Brasil. O prêmio não foi inventado agora e nunca um presidente se negou a assinar antes. A honra é de todo povo brasileiro. Bolsonaro governa para os seus, não para o Brasil”, protesta Nadvorny.

Em resposta às declarações de Bolsonaro, Chico Buarque postou em seu Instagram que “A não assinatura do Bolsonaro no diploma é para mim um segundo prêmio Camões”. Mesmo sem o autógrafo do presidente, o artista tem direito a receber a premiação.

O retorno da censura prévia a produções culturais

Créditos: Divulgação

Chico Buarque possui uma obra marcada por produções culturais de engajamento e protesto. Passados 34 anos desde o fim da ditadura militar e 31 do término da censura – oficializado pela Constituição Federal de 1988 -, o Brasil volta a se assombrar com o que o próprio Ministério Público Federal (MPF) chamou de “censura prévia” no caso da peça de teatro “Abrazo”, suspensa pela Caixa Econômica Federal (CEF) em Recife (PE), no mês passado.

Além deste caso, um edital que tinha produções com temática LGBT foi suspenso pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), por determinação do ministro da Cidadania Osmar Terra, que precisou voltar atrás depois de determinação da Justiça Federal do Rio de Janeiro. Na decisão, publicada no começo do mês, a Justiça entendeu que o cancelamento havia ocorrido em decorrência de discriminação por orientação sexual e identidade de gênero.

A Ancine foi alvo de ameaças do presidente Jair Bolsonaro, que anunciou a mudança de sua direção para a Brasília e até disse que poderia extingui-la caso não houvesse um filtro. Na opinião do autor do abaixo-assinado em apoio a Chico Buarque, a censura já é um fato.

“O país está se encaminhando para um regime fascista que passa uma áurea de neoliberal”, dispara. “Toda produção que não se enquadre nos preceitos pentecostais, não tem apoio. Patrocinadores já estão com medo de terem seus nomes associados a produções que tratem, ou envolvam de alguma forma, referência a gênero, democracia, religiões outras que não a cristã-judaica e principalmente falem do que foi a ditadura no país”, completa.

Em videoconferência durante um simpósio realizado no começo do mês, Bolsonaro confirmou a restrição a “certo tipo de obra”. “Com dinheiro público não veremos mais certo tipo de obra por aí. Isso não é censura, isso é preservar os valores cristãos, é tratar com respeito a nossa juventude, é reconhecer a família como uma unidade familiar”, falou o presidente.

O MP pediu que o Tribunal de Contas da União (TCU) investigue se órgãos do governo, como a Caixa Econômica e o Banco do Brasil, estão aplicando censura prévia a espetáculos.

“Às vezes um simples abaixo-assinado tem sua importância. Cada brasileiro que já se deu conta do que está acontecendo começa a pensar no que pode fazer. Eu digo, resista de todas as maneiras. Resista nas redes sociais, resista no seu trabalho, resista junto a seus amigos e sua família. Combata as fake news, não propague mentiras”, comenta Nadvorny sobre a iniciativa de criar a petição online e o rápido e crescente apoio que ela está ganhando.

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