A nova cara do chá tem 90 anos, usa roupa simples e Coco Chanel

'As pessoas perguntam por que as mulheres vivem mais. Porque trabalham a vida toda, oras', ensina a empreendedora Ume Shimada

Ela encara qualquer parada. Aos 90 anos, a brasileira Ume Shimada já trabalhou como costureira, foi feirante, dona de ótica, uma das pioneiras na produção da lichia no país e é empresária, dona da Obaatian. A fábrica de pequeno porte de chá artesanal orgânico em Registro, no Vale do Ribeira (SP), foi aberta há três anos com a ajuda de uma das filhas.

Ume Shimada separa das folhas do chá artesanal orgânico que produz em seu sítio em Registro (SP)

Até homenagem no Carnaval ela recebeu. Neste último feriado, o Bloco dos Belos decidiu falar sobre o chá, já que a cidade foi destaque na fabricação do artigo nos anos 80, mas a história estava tomando um rumo esquisito: ficando triste, em vez de alegre, devido ao declínio da produção na região.

Foi quando ouviram falar da vovó Shimada, como é conhecida Ume. “O enredo deixou de ser um lamento e se tornou uma celebração ao chá. Contou como ele trouxe empregos para a população e que agora está tendo uma segunda chance, principalmente com a retomada que veio com a empresa da minha avó”, conta o neto Swan Yuki Hamasaki.

“Falaram aí, que o chá ia cair. Mas olhaí, o chá não caiu não!”, cantou o bloco. Durante todo o desfile, uma cadeira ficou vazia: a que era reservada para Ume no carro alegórico. “Minha avó estava muito cansada, mas ficou em pé e dançou o desfile inteiro em cima do carro”, conta Yuki.

“Dançar é a melhor coisa. Se eu pudesse, dançava todo dia! Pena que meu joelho não deixa”, disse ela, depois do desfile.

Ume Shimada no bloco que contou a história do chá de Registro

Sem parar

A dor não a obriga parar de fazer o que gosta, e não é só de dançar. Ume não sabe ficar parada nem para assistir à TV. Na visita da reportagem do Catraca Livre ao chazal, durante uma colheita da lichia em 2016, ela ficava de olho na separação das frutas, perguntava sobre a família dos funcionários, fazia brincadeiras, falava com os netos e filhos, que ajudavam na seleção, ofereceu chá com bolo…

“Trabalho desde os 5 anos. Gosto de tudo que é serviço, limpo o campo, uso a roçadeira, tiro mato com faca, costuro sem óculos. Mulher sempre tem serviço. Meu marido só ficava na frente da TV. Eu pensava: ‘O que vou fazer com esse homem?’ Ele se acomodou, só ficava deitado. Dizia que já tinha trabalhado bastante e que não precisava mais. Esse foi o erro dele [que morreu há oito anos]. As pessoas perguntam por que as mulheres vivem mais. Porque trabalham a vida toda, oras.”

Quando não está trabalhando, a vovó Shimada gosta de um passatempo atual: jogo no computador. Free Cell, no caso. E tem de deixar o relógio do lado para não perder muito tempo com isso. “Falo pra mim mesma: ‘Só uma hora e meia’. Mas quando vejo já foram mais de duas horas, fico brava comigo. Estou aprendendo a usar o computador, mas não sei muita coisa.”

‘Teimosa’

Aprender a fazer coisas diferentes é um pouco a história de sua vida. Ela conta que se dedicou a várias tarefas durante a vida e que nunca teve medo de mudar tudo. “Aproveito as oportunidades e sou teimosa.”

Ela era agricultora em Registro quando soube que o irmão ia vender a barra de feira em São Paulo. Não pensou duas vezes: convenceu o marido que comprar a barraca e virar feirante era o melhor a fazer naquele momento. “Nunca tinha trabalhado com isso, tive de encaixotar tudo em Registro e mudar para São Paulo de um dia para o outro. Foi uma vida dura por cinco anos, vendia doce, macarrão…”

Ume já estava se cansando da feira, quando ouviu a sobrinha dizer que ia vender a ótica. “Falei com meu marido: ‘Vamos comprar?’, fomos naquela mesma noite falar com minha sobrinha. Não entendia nada de ótica. Minha filha foi aprendendo com o antigo dono, uma loucura. E tocamos tudo. Sempre foi assim”, conta, com um sorriso no rosto.

E foi mesmo. Há quase 30 anos, a vovó Shimada viu um pé de lichia carregado e decidiu comprar 300 mudas para começar uma produção. “Nem conhecia a fruta, naquela época quase ninguém conhecia. Passaram seis anos e eles não davam frutos, briguei com quem me vendeu as mudas. Ia cortar todos os pés de lichia, mas justamente naquele ano eles carregaram que foi uma beleza. Hoje vendemos para vários lugares em São Paulo.”

A guinada

Sua energia é algo que impressiona quem a conhece. Mas também há momentos em que ela se transforma em tristeza. Como em 2011, quando a produção do chá entrou em declínio na região, a fábrica que comprava as folhas avisou que não ia mais fazer negócio com ela, e Ume foi até seu chazal, que hoje tem 2,5 hectares, e chorou por que não queria ter de acabar com ele.

A vovó Ume Shimada em seu chazal

“A vida toda nós trabalhamos com chá. Entrei em desespero quando a fábrica disse que não ia mais comprar minhas folhas, não queria abandonar o chazal. Em 2014, comprei uma máquina e hoje produzo chá artesanal orgânico. Até fui ao Japão participar de uma exposição sobre o nosso chá e hoje fazemos intercâmbio. Foi uma viagem cansativa, é muito longa…”

A guinada que deu em sua vida há três anos se mostrou acertada. A Obaatian (“chá da vovó” em japonês) produz o único chá preto colhido à mão e orgânico do Brasil. O processo, artesanal, envolve hoje quatro funcionários (além da mão de obra voluntária de filhos e netos da vovó). A produção em 2016 foi de 240 kg, sendo que 180 kg foram vendidos no país e 23 kg para o Japão, a Inglaterra e a Holanda.

A viagem ao país de seus pais foi um convite do governo japonês, os principais produtores de chá do mundo, para que apresentasse seus chás, devido à qualidade e seu amor pelo produto. Na volta ao Brasil, recebeu a visita de empresários interessados em conhecer melhor seu processo de produção.

Sua viagem ao Oriente rendeu negócios, mas não só. Sua história virou reportagens em jornais e revistas, o que assustou um pouco a vovó. “Sou mulher do mato e tive de dar entrevista num palco com plateia, achei que fosse desmaiar!”

Com o interesse pelo chá vindo do exterior, a família está estruturando o negócio para o crescimento e decidiu abrir uma distribuidora do produto. A empresa também está aprimorando as técnicas de plantio, além de estudar a produção de outras espécies da Camellia sinensis.

Ume está atualmente animada com um outro projeto: o de sucessão. Um advogado especializado no tema foi chamado, e a ideia é estruturar a empresa familiar para que esse próximo passo não seja traumático.

E não deve ser. Todo mundo (ela é mãe de seis filhos, com 13 netos e seis bisnetos), já trabalha de alguma forma para ajudar no trabalho da lichia e do chá. “Eles gostam de ajudar”, conta a avó de jeito simples, que diz não se preocupar com roupas, mas que também é vaidosa: “Não saio de casa sem meu perfume, Coco Chanel”.

  • Neste Mês da Mulher, o Catraca Livre vai prestar homenagens diárias a personagens do gênero feminino que nos inspiram. Saiba mais sobre a campanha #MulheresInspiradoras e leia outros perfis aqui.