O combustível do feijão com arroz

Contraditoriamente, São Paulo é uma cidade cheia de carros e de pessoas que fariam de tudo para se livrar deles. Os pedestres fariam de tudo para reduzir o número de carros e, com isso, o caos no trânsito, o engarrafamento e os atropelamentos. Até os motoristas muitas vezes são motoristas por falta de opção. Ou, na opinião da estudante de história da USP Talita Noguchi, por falta de hábito.

Há dois anos ela resolveu encostar o carro na casa da mãe e fazer da bicicleta seu meio de transporte. Desde então, ela diz que usou o carro apenas quatro vezes, que sua licença venceu e que não pretende renová-la.

Talita mora na Aclimação, faz estágio em Pinheiros e estuda no Butantã. Toda essa maratona diária é feita sob duas rodas e com o “combustível do feijão com arroz”.

Ela e suas amigas montaram um grupo de ciclistas mulheres chamado Pedalinhas. O grupo existe desde maio de 2009 e

divulgação
Talita Noguch

foi criado para discutir entre meninas os percalços e delícias da vida de ciclista urbana. Elas discutem e trocam dicas tanto de segurança no trânsito, como responder aos motoristas maus educados até que roupa usar (segundo Talita, qualquer uma) e como suar menos.

Talita começou suas andanças de bicicleta quando se sentiu dependente do carro. “Eu comecei a andar de bicicleta, pois o trânsito de SP me deixava extenuada, e o transporte público não me parecia uma boa alternativa. Encontrei pessoas que utilizavam a bike como meio de transporte e acabei vendo que era algo viável/possível. Sem dúvidas o motivo principal era não aguentar o trânsito, não aguentar a dependência que eu havia criado com o automóvel”, explica. O aumento da saúde e a perda de quinze quilos vieram como brinde para a estudante.

Quando questionada sobre qual seria a maior dificuldade do ciclista urbano, Talita surpreendentemente não fala sobre o trânsito, a educação nem sobre o clima. Segundo ela, a dificuldade maior é interior. “A parte mais difícil é a superação pessoal que isso representa, não importa ser a cidade de São Paulo, mas sim ao fato de nós estarmos há muito tempo acostumados com a ideia de que a bicicleta não pertence às ruas, que as ruas são perigosas, que você só está protegido numa caixinha de aço puro, que a topografia da cidade de São Paulo não permite o deslocamento através do transporte ativo. A gente vai vendo aos poucos que não precisa ter tanto medo, que com um pouco de força de vontade você vai cavando seu espaço, retomando seu direito ao usar a rua”, finaliza.